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Um terço dos moradores de SP quer deixar a cidade, diz pesquisa

Vista da área central de São Paulo, com o icônico edifício Copan em primeiro plano - Getty Images
Vista da área central de São Paulo, com o icônico edifício Copan em primeiro plano Imagem: Getty Images

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

08/08/2016 06h00

Há décadas, São Paulo atrai um mundo de pessoas por conta de sua riqueza. A cidade que, na virada do século passado, tinha menos de 300 mil habitantes, agora acumula mais de 11 milhões e responde por cerca de 11% do PIB nacional, segundo o IBGE. Mas, em um movimento inverso, a metrópole está desencantando uma parcela expressiva de seus habitantes. 

Segundo uma pesquisa feita para o ciclo de debates SP2030, da Escola do Parlamento, da Câmara Municipal, mais de um terço dos moradores de São Paulo (34,2%) não pretende passar o resto da vida na cidade e aproximadamente um em cada cinco (22,1%) quer deixá-la em até dez anos. 

Os entrevistados que querem deixar a cidade dizem que avanços em temas como emprego, segurança e, de forma geral, no caos da metrópole poderiam fazê-los mudar de ideia. No entanto, 28,2% dos integrantes do grupo que quer ir embora -- ou, no total, praticamente um em cada dez entrevistados (9,6% do total) -- afirmam que nada os faria ficar em São Paulo por toda a vida.

O levantamento ouviu 2.049 pessoas em toda a cidade em fevereiro deste ano. A margem de erro do estudo é de 2,2%, com intervalo de confiança de 95%.

Para o diretor-presidente da Escola do Parlamento, Christy Ganzert, a vontade de sair de São Paulo tem mais a ver com o encerramento de um ciclo profissional e com escolhas da vida, e menos com a gestão da cidade. 

Ganzert lembra que os jovens entre 16 e 24 anos foram os que mais manifestaram a intenção de deixar São Paulo, mas, ao mesmo tempo, só pretendem fazê-lo em no mínimo dez anos. Ele faz a ressalva de que o recorte por idade serve apenas como indicativo, e uma conclusão sobre um grupo etário dependeria de uma nova pesquisa, com uma amostra maior de cada segmento.

"O gestor encara um munícipe que espera que a cidade lhe ofereça muitas oportunidades profissionais. A pessoa vê a cidade como o lugar onde ela vai fazer a vida dela, mesmo que ela saia no final", afirma. "Mesmo que a pessoa responda ‘não’, ela tem São Paulo como horizonte de realização profissional."

A vontade de deixar a metrópole não é uma tendência recente em São Paulo, nem exclusiva da capital paulista. Em uma pesquisa feita em 2014 pela ONG Rede Nossa São Paulo com o Ibope, a intenção de se mudar foi ainda maior: 57% dos moradores disseram que sairiam da cidade se pudessem, o índice mais alto desde 2009. No período, o percentual desta resposta nunca foi inferior a 51%.

No Rio, 56% dos entrevistados para um estudo da ONG Rio Como Vamos, divulgado em setembro de 2015, disseram que gostariam de sair da cidade, contra 48% em 2013 e 27% em 2011. A violência foi o principal motivo para tanto.

'Aqui o tempo não passa na velocidade do caos'

2.ago.2016 - Luiz Ferreira, morador de Aricanduva - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luiz Ferreira quer trocar SP por Porto Alegre
Imagem: Arquivo pessoal

O tradutor Luiz Ferreira, 28, mora em Aricanduva, na zona leste. Ele pensa em deixar a cidade já no ano que vem. Até isso acontecer, continua encarando até quatro horas diárias para ir e voltar do trabalho, em Santana, pegando dois ônibus e metrô por trecho. Para ele, sair de São Paulo é uma vontade "inerente de todo mundo que está, de certa forma, fora da zona do rodízio".

"Quem mora mais afastado é automaticamente destituído das melhores coisas da cidade", diz Ferreira, que avalia se mudar para Porto Alegre, Brasília ou Sorocaba (SP).

É justamente nesta última cidade, a aproximadamente 100 km da capital, que vive hoje o advogado André Siciliano, 38, com sua companheira. Eles moravam em Moema, na zona sul paulistana. Siciliano descreve São Paulo como uma cidade agressiva ("todos querem acelerar para ocupar aquele espacinho de cinco metros à sua frente"), poluída, cara e dependente do carro.

"Aqui [em Sorocaba] o ar é puro, o tempo passa na velocidade da vida -- e não do caos", conta. "Nosso trabalho não demanda que estejamos em São Paulo em tempo integral. Para voltarmos, precisaria melhorar muito a segurança, o trânsito e a cidade voltar a ser um local de convívio social, e não o ambiente de passagem de pessoas estressadas."

2.ago.2016 - Luci Saloio, moradora de Valinhos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luci Saloio deixou São Paulo há 4 anos
Imagem: Arquivo pessoal

Já a professora Luci Saloio, 55, diz que nada faria com que ela voltasse para São Paulo. Ela vivia em Cidade Dutra, na zona sul; sua filha levava três horas para chegar ao trabalho. Há quatro anos, ela vive em Valinhos, a cerca de 90 km da capital, e tem vários vizinhos ex-moradores da metrópole. "A minha vida ficava perdida dentro de um carro", diz.

Para o administrador de empresas João Torniero, 26, a busca por outra qualidade de vida o levou com a mulher para Jundiaí, a cerca de 60 km de São Paulo. Mesmo tendo que percorrer 50 minutos até Barueri, na região metropolitana, para trabalhar, ele diz que a mudança de cidade compensa.

"O tempo que levo para ir trabalhar é igual ou menor do que para pessoas que trabalham em São Paulo e precisam atravessar a cidade. O que desequilibra é que no fim de semana a gente está numa cidade muito melhor."

Sorocaba, Valinhos e Jundiaí têm em comum o fato de serem cidades médias do interior paulista, justamente o tipo de destino preferido dos que, segundo a pesquisa, querem deixar São Paulo.

Moradores se dividem sobre o futuro da cidade

A pesquisa mostra também que a expectativa sobre São Paulo é totalmente rachada. Perguntados se acreditavam que a cidade seria um lugar melhor, igual ou pior para se morar nos próximos 15 anos, 32,4% dos entrevistados responderam “melhor” ou “muito melhor”; 27,7% disseram que seria igual; e 38,6% afirmaram que seria pior ou muito pior. O restante não respondeu ou disse não saber.

"Teremos que aprofundar as perguntas para entender [estes dados]", diz Ganzert, da Escola do Parlamento.

Para o urbanista Kazuo Nakano, professor da FGV-SP, as expectativas têm a ver com a trajetória que cada um percorreu e o lugar em que se encontra hoje na cidade.

"Quando você vive em São Paulo, ou outra grande metrópole, o lugar onde você vive faz toda a diferença para acessar uma geografia de oportunidades", diz.

O acesso a esta "geografia de oportunidades" é o que mais pesa no desejo do tradutor Luiz Ferreira, de Aricanduva, de deixar São Paulo. Ele mencionou sua frustração com o Arco do Futuro, uma das principais promessas de campanha do prefeito Fernando Haddad na eleição de 2012, que consiste num plano de descentralização do crescimento de São Paulo. No entanto, o projeto ainda pena para sair de vez do papel.

Quando questionado sobre o tema durante sabatina ao UOL, Folha e SBT, Haddad -- que é candidato à reeleição -- falou de obras nas regiões da marginal Pinheiros, avenida Cupecê, Jacu-Pêssego e Itaquera, além de citar futuras intervenções na região da marginal Tietê.

"Eu acreditei muito no Arco do Futuro do Haddad, porque haveria toda uma movimentação para fora do eixo do rodízio. O grande problema para o morador da zona leste é o transporte. Se você pensa em uma carreira, algo grande, você depende de ter de se deslocar todo dia para dentro do eixo. O que me faria ficar é o Arco do Futuro ter vingado, ter um eixo empresarial ao meu alcance, que me permitisse ter mais do meu tempo, para não perder tanto tempo no transporte."

Um dos principais motivos de ter vontade de sair da cidade é o fato de nunca ter feito parte dela
Luiz Ferreira é tradutor e mora em Aricanduva

Segundo Nakano, a adoção de uma participação popular mais intensa na gestão pública poderia contribuir para avanços em questões como estas.

"O que faz com que a pessoa se vincule a cidade às vezes não é a solução imediata, mas ela se perceber inserida num caminho que está buscando melhorar a cidade dela. A prefeitura e o governo do Estado não vão ter dinheiro para dar soluções imediatas. Aí eu acho que ela já repensa essa visão de sair da cidade, fugir da cidade. A gente fica num lugar quando a gente vê perspectiva nesse lugar", diz o professor. "Quando a gente vê que as perspectivas estão travadas, aí a gente começa a buscar alternativas de saída. Eu não vejo São Paulo ainda totalmente bloqueada, justamente porque a sociedade não está apática. Pelo contrário; está vitalizada, dinâmica. Se os governantes começarem a trabalhar com isso, aí eu acredito que a gente pode ter melhora."