Topo

A banca de jornal mais antiga do DF se mantém entre as árvores dos desejos

Alguns anos após o surgimento da primeira banca de jornal de Brasília, seu proprietário plantava as árvores que hoje são a marca registrada do estabelecimento - Jéssica Nascimento/UOL
Alguns anos após o surgimento da primeira banca de jornal de Brasília, seu proprietário plantava as árvores que hoje são a marca registrada do estabelecimento Imagem: Jéssica Nascimento/UOL

Jéssica Nascimento

Colaboração para o UOL, em Brasília

25/08/2016 06h00

Enquanto as bancas de jornais e revistas despencam em vendas na capital do país, um estabelecimento na quadra 108 Sul, no centro de Brasília, continua com os negócios de vento em popa. É a banca de Lourivaldo Soares Marques, 79, o primeiro jornaleiro do Distrito Federal.

Além de vender notícias, o pioneiro também é responsável pelo plantio de duas árvores que ficam em frente ao local. Os dois fícus italianos foram plantados há 48 anos e formam juntos uma espécie de passagem.

Os números de bancas caem no Distrito Federal. De acordo com o Sindjor (Sindicato dos Vendedores de Jornais e Revistas), existem cerca de 600 bancas em toda a região. Em 2010, eram 1.100 pontos de venda espalhados --700 instalados em área pública. O presidente da entidade, José Maria da Cunha, culpa a tecnologia, com acesso de informação por outras mídias.

Lourivaldo Soares Marques, 79, o primeiro jornaleiro do Distrito Federal - Jessica Nascimento/UOL - Jessica Nascimento/UOL
Lourivaldo Soares Marques, 79, o primeiro jornaleiro do Distrito Federal, mostra algumas de suas lembranças
Imagem: Jessica Nascimento/UOL
Seu Lourivaldo, como é chamado pelos clientes, abriu a banca no dia 13 de fevereiro de 1960, um mês após chegar à capital. Com os olhos marejados, o comerciante se lembra das crises da política. Da renúncia do presidente Jânio Quadros até o impeachment de Dilma Rousseff. Tudo foi acompanhado de perto pelo homem.

"Minha banca era a única do DF nos anos 60. Tinha filas e mais filas. Os jornais não davam para todo mundo. Após a queda de Jânio, acompanhei o início da alta da inflação. No início de uma semana, por exemplo, a inflação era 12%. Já no final, era de 18%. Uma loucura. O jornal chegava todo dia, às 15h. Vinha de avião. As pessoas ficavam na porta esperando", conta.

O comerciante ainda se recorda da nomeação de José Sarney para a Presidência, da perda do mandato do presidente Fernando Collor de Mello, do Plano Cruzado --quando as poupanças foram congeladas-- e, por fim, do impeachment de Dilma Rousseff. Segundo ele, todos esses períodos tiveram altos e baixos para o seu negócio.

“A melhor época para o comércio era, sem dúvida, quando o Sarney estava no poder. Eu vendia 38% a mais do que vendia agora. Mas, como eu digo, o comerciante tem que se virar. Tem que abusar da criatividade. Eu, por exemplo, não vendo mais só jornais e revistas. Invisto em mais coisas”, diz.

Tendência de várias bancas, seu Lourival também vende DVDs, doces, cigarros, água de coco e até melancias. No local, também funciona uma lan-house. O estudante Joshsué Garcia, 13, é um dos principais clientes de Lourivaldo. Ele passa parte da tarde lendo revistas em quadrinhos e jogando no computador. Segundo o garoto, a mesada tem destino garantido.

“Eu moro do lado, sempre que posso venho para cá. Acho que dou muito lucro para o seu Lourivaldo. O que mais compro são chocolates e fichas para jogar”, conta. Já a atriz Juliana Drummond, 39, ressalta a importância do comerciante para quadra. Segundo ela, todos os clientes se tornam uma família.

“Eu cresci vindo nessa banca. Faz parte da minha história e da minha família. O mais legal é que gerações acompanham esse comércio. É um orgulho ser tão bem acolhida aqui. As árvores são um espetáculo à parte, né? Sempre que posso venho ler livros e meditar por aqui.”

Criatividade é o que o jornaleiro acredita ser essencial para ter sucesso na vida financeira. Para ele, um projeto deve começar assim que o outro termina. “Eu sempre faço promoções, coisas que atraíam os clientes. Se não dá certo, parto para outra. Um grande investimento, por exemplo, foi o de DVDs. Muitas pessoas preferem alugar, já que não se adaptaram à tecnologia. Eu sou a pessoa que elas procuram, já que muitos lugares não disponibilizam mais locação.”

Árvores dos desejos

Lourivaldo Soares Marques, 79, o primeiro jornaleiro do Distrito Federal, plantou os ficos que viraram essa agradável passagem - Jessica Nascimento/UOL - Jessica Nascimento/UOL
Lourivaldo Soares Marques, 79, faz sempre seus pedidos ao passar pelas árvores que plantou
Imagem: Jessica Nascimento/UOL
A banca do seu Lourivaldo também virou um ponto turístico na cidade. Muitas pessoas vêm até de fora para conhecer as árvores dos desejos. O comerciante explica: basta passar por baixo de um vão entre duas árvores e fazer três pedidos. Caso o desejo seja formulado com alegria, o desejo pode ser realizado.

Ele mesmo todos os dias faz um desejo. “Eu tenho muita fé em Deus e sei que ele escuta meus desejos. É só crer que pedido acontece. Muitas pessoas voltam na banca para agradecer, para dizer que milagres aconteceram. Essas árvores foram plantadas com muito amor, bem adubadas e com carinho. Acredito que esse seja o diferencial”, conta.

De acordo com a Divisão de Implantação de Áreas Verdes da Companhia Urbanizadora da Nova Capital, em todo o Distrito Federal existem 5 milhões de árvores e só no Plano Piloto há 1 milhão de árvores. O jornaleiro lembra que, quando chegou à quadra, não havia quase nenhuma. 

“Eu decidi plantar porque sou apaixonado por natureza e fui criado em uma fazenda, na Bahia. Plantei as árvores para fazer sombra na minha banca. Como as duas cresceram juntas, decidi unir as raízes das duas, tornando-as uma só.”

A estudante Isabela Godoy, 18, aproveita o espaço para ler e também fazer pedidos. Ela diz que nenhum pedido foi realizado. Porém continua tentando. “O lugar é lindo para tirar fotos, pensar na vida e, claro, fazer pedidos. Vou continuar sempre tentando.”

O jornaleiro afirma que os livros são os melhores amigos do homem. “O livro te ensina baixinho e repreende com carinho. Não é como uma mãe ou pai que ensina, fazendo você pagar sapo. O livro é uma porta para alma, assim como a natureza e as árvores.”