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Investimento em limpeza de córregos cai 66% em SP e tem menor valor desde 2008

O córrego Aricanduva, na zona leste de São Paulo - Renata Moreira/UOL
O córrego Aricanduva, na zona leste de São Paulo Imagem: Renata Moreira/UOL

Léo Arcoverde

Colaboração para o UOL, em São Paulo

09/09/2016 06h00

O investimento da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) no Programa Córrego Limpo, para despoluição dos córregos da cidade de São Paulo e parte fundamental do projeto de recuperação dos rios Tietê e Pinheiros, sofreu cortes drásticos nos últimos anos. Entre 2014 e 2015, anos em que a estatal teve o caixa fortemente afetado pela crise hídrica, o gasto com o Programa Córrego Limpo recuou de R$ 16,707 milhões (levando em conta a inflação) para R$ 5,737 milhões, o que equivale a uma queda de 66%.

É o que aponta levantamento inédito feito pelo site Fiquem Sabendo com base em dados da Sabesp obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.

De acordo com as informações disponibilizadas pela estatal controlada pela gestão do governador Geraldo Alckmin, os investimentos no programa realizados nos últimos dois anos foram os mais baixos registrados pela Sabesp desde 2008.

 

O programa Córrego Limpo foi iniciado em 2007 e, até o ano passado, contabilizou um total de R$ 220,867 milhões em investimentos. 

O Córrego Limpo é um amplo programa, que abrange ações de Sabesp e da Prefeitura de São Paulo. A estatal é responsável pela implementação de novas redes esgotos dessas regiões. Já a prefeitura remove e reassenta famílias de áreas de risco. O programa conta com ainda com um trabalho de monitoramento da qualidade da água dos córregos.

A reportagem solicitou à prefeitura, também por meio da Lei de Acesso à Informação, os dados sobre o investimento anual detalhado no programa. A resposta recebida, porém, só mostra o valor gasto ao longo de todo o programa: R$ 114 milhões (pouco mais da metade do investimento feito pela estatal). O dinheiro da prefeitura corresponde a três ações principais: desapropriação e remoção de famílias de áreas de risco, implantação de parques lineares e fiscalização das ligações de esgoto.

Ao encaminhar os dados, Sabesp e prefeitura também enviaram à reportagem informações conflitantes sobre o andamento do programa. A estatal informou que, “em 2015, em função dos efeitos e as consequências da seca que atinge a região Sudeste do Brasil e a dificuldade da prefeitura para remover e realocar as famílias de baixa renda os investimentos foram aquém do planejado”. Já a prefeitura disse que o programa foi “gerenciado e encerrado pela Sabesp. Não foi especificado quando se deu esse encerramento”.

A reportagem, então, questionou novamente os dois órgãos através de suas assessorias de imprensa. A postura adotada por eles foi a mesma. A Sabesp informou que “o Programa Córrego Limpo não foi extinto, mas que o convênio que tinha com a prefeitura não foi renovado em 2013”. Já a prefeitura afirmou: “O convênio do “Córrego Limpo” foi encerrado em 2011”. Nessa época, o prefeito de São Paulo era o hoje ministro da Ciência Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab.

“Um retrocesso agravado por descompasso político-partidário"

Coordenadora do programa Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG que, entre outras ações, realiza o monitoramento da qualidade de água do rio Tietê e dos córregos da cidade de São Paulo, Malu Ribeiro faz duras críticas à queda do investimento na despoluição dos córregos que cortam a capital paulista. Para ela, houve um “retrocesso agravado por um descompasso político-partidário”.

De acordo com a especialista, dois fatores influenciaram a queda nos investimentos: a crise hídrica, causadora da queda de receita da Sabesp, e o abandono de ações por parte da prefeitura durante a atual gestão, marcada pelo crescimento de invasões a áreas de risco e o fim de mutirões, com a participação da população, que ajudava a preservar os córregos que estavam sendo recuperados.

“Esse programa é fundamental para que tenhamos rios urbanos saudáveis e principalmente para o avanço da despoluição dos rios Tietê e Pinheiros”, explica. “É impossível despoluir o rio Tietê, com mais de cem córregos e outros rios caindo nele, sem que um trabalho como esse seja feito.”

Na avaliação de Malu Ribeiro, também em consequência disso, a mancha de poluição do Tietê mais que dobrou, saltando de 71 km para 154,7 km, entre setembro de 2014 e agosto de 2015, de acordo com relatório elaborado pela 

“Em lugar nenhum do mundo, se recuperam rios como o Tietê quando há descompasso entre os órgãos”, diz. “Agora, o Córrego Limpo terá de começar do zero, com a inflação do país mais alta do que em anos anteriores, o dólar mais caro, o que afeta investimentos internacionais, e a Sabesp e órgãos da prefeitura com menor capacidade para investir [devido à crise econômica atual do país].”

“Novo planejamento será feito”, diz Sabesp

A Sabesp disse por meio de nota que continua “com o trabalho de zeladoria nos 148 córregos já despoluídos” e que, até o fim deste mês, definirá com a prefeitura um novo planejamento para a área, que valerá até 2020.

Leia, abaixo, a íntegra da nota que a estatal enviou à reportagem:

“A Sabesp informa que o Programa Córrego Limpo não foi extinto. A companhia continua com o trabalho de zeladoria nos 148 córregos já despoluídos. O convênio, firmado com a prefeitura em 2007, não foi renovado pela administração municipal em 2013. Mesmo assim a companhia continua realizando as intervenções que são de sua competência para a despoluição dos córregos em toda a cidade. Em 2016, com a revisão quadrienal do contrato de programa com o município de São Paulo, o Programa Córrego Limpo passou a integrar o contrato com metas predefinidas. Até o final de setembro, a Sabesp e a prefeitura definirão um grupo técnico que vai elaborar um novo planejamento que valerá até 2020. A companhia esclarece ainda que, em 2015, os investimentos foram menores que nos anos anteriores por causa dos efeitos e das consequências da seca que atingiu a região sudeste do Brasil. Além da dificuldade da prefeitura para remover e realocar as famílias de baixa renda.”

Limpeza independe de parcerias, afirma prefeitura

A assessoria de imprensa da gestão do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), disse também por meio de nota que “há estudos para que o contrato de prestação de serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, firmado entre a prefeitura e a Sabesp, incorpore as ações antes executadas no âmbito do convênio Córrego Limpo”.

Leia, abaixo, a íntegra da nota:

“O convênio do “Córrego Limpo” foi encerrado em 2011. Após o término, ocorreram várias reuniões entre representantes do município e da Companhia. Há estudos para que o contrato de prestação de serviços públicos de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário, firmado entre a Prefeitura e a Sabesp, incorpore as ações antes executadas no âmbito do convênio Córrego Limpo.

A Coordenação das Subprefeituras realiza, independentemente de parcerias, limpeza e fiscalização periódicas nos córregos e na rede de drenagem da cidade. Em 2016 foram limpos, manualmente, 1.532.279 metros lineares de córregos e mais 63.098 metros lineares por meio de sistema mecanizado, além de realizar desobstruções de 206.692 bocas de lobo e 591.580 metros lineares de ramais”.