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Ascensão e queda: de UPP a Amarildo, seis momentos da gestão Beltrame no RJ

14.out.2012 - Beltrame participa de ocupação policial nas favelas de Manguinhos, Mandela e Jacarezinho, na zona norte - Fabiano Rocha/Extra/Ag. O Globo
14.out.2012 - Beltrame participa de ocupação policial nas favelas de Manguinhos, Mandela e Jacarezinho, na zona norte Imagem: Fabiano Rocha/Extra/Ag. O Globo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

11/10/2016 16h36Atualizada em 12/10/2016 08h31

A partir da próxima semana, o gaúcho José Mariano Beltrame deixará de ocupar o principal gabinete do prédio da Secretaria de Segurança Pública do Rio, na zona portuária da cidade. O pedido de demissão, confirmado nesta terça-feira (11), põe fim a uma gestão de quase dez anos de alternância entre bons e maus momentos.

O UOL listou seis marcas da gestão Beltrame, secretário que ficou mais tempo na chefia da pasta de maior visibilidade do Executivo fluminense --desde os elogios recebidos no período do auge das UPPs (Unidades de Política Pacificadora), entre 2010 e 2012, às críticas pelo recrudescimento da violência na cidade, agravada nos últimos anos pela crise financeira no Estado.

Braço direito de Beltrame, o atual subsecretário de Planejamento e Integração Operacional, Roberto Sá, assume a pasta e será empossado na segunda-feira (17).

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Criança brinca perto de policial armado no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio
Imagem: Fábio Teixeira/UOL

UPPs

A passagem de Beltrame pelo comando da segurança pública no Rio será lembrado pela política das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), modelo inspirado no policiamento comunitário de Medellín, na Colômbia, e implementado na capital fluminense a partir de 2008, com a ocupação do morro Santa Marta, em Botafogo, na zona sul do Rio.

Antes disso, apenas uma favela carioca era considerada ocupada: a Tavares Bastos, na região do bairro do Catete, onde o Bope (Batalhão de Operações Especiais) instalou o seu quartel-general em 2000.

A adoção de uma estratégia de policiamento comunitário foi prontamente bem recebida pela população do Rio, e assim as UPPs começaram a se espalhar. Até o fim de 2010, pelo menos 12 comunidades foram ocupadas pela Polícia Militar, incluindo o Morro da Providência, no centro, a Cidade de Deus, na zona oeste, as principais comunidades da Tijuca, na zona norte, e de bairros da zona sul.

Em novembro daquele ano, no auge das UPPs, as forças policiais do Estado e do governo federal realizaram a megaoperação que ficou conhecida como a tomada dos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte.

Nos dois anos seguintes, a política das UPPs teve um intenso ciclo de expansão. Até o fim de 2012, a cidade contava com 28 comunidades, incluindo a Rocinha, na zona sul, depois de uma operação que resultou na captura do traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, em 2011, e repercutiu em todo o mundo.

O ritmo de ocupação, contudo, foi desacelerado a partir de 2013. A última grande ocupação ocorreu no conjunto de favelas da Maré, em 2014, mas as UPPs da região sequer foram inauguradas. Por conta da crise financeira e da falta de recursos, o Estado teve que solicitar a prorrogação da permanência do Exército nas localidades.

Há dois anos, na campanha para reeleição do governador licenciado, Luiz Fernando Pezão (PMDB), o Estado prometeu a instalação de 50 novas UPPs no Rio. Na ocasião, Pezão conversou com Beltrame e acertou a permanência dele à frente da pasta.

Contudo, desde então, nenhuma operação de pré-ocupação de favelas --com finalidade de instalar UPPs-- foi realizada na cidade.

Tiroteios e cenas de violência voltaram a ocorrer com regularidade, inclusive nas comunidades que já estavam ocupadas pela polícia.

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Mulher exibe bandeira branca durante movimentação de tropas do Exército na ocupação do Alemão, em 2010
Imagem: RAFAEL ANDRADE/FOLHAPRESS

Tomada do Complexo do Alemão

No fim de 2010, o Rio assistia a uma onda de atentados orquestrados a mando de chefes do tráfico detidos em Bangu, na zona oeste da cidade, e em penitenciárias de segurança máxima. A resposta do Estado começou no dia 25 de novembro, quando as forças policiais fizeram as primeiras incursões no Complexo do Alemão para ocupar as comunidades. As ações da polícia foram transmitidas ao vivo pelas emissoras de TV, e as imagens rodaram o mundo. A cena que ficou mais famosa foi a da fuga em massa de traficantes pela Serra da Misericórdia, da Vila Cruzeiro em direção ao Complexo do Alemão, enquanto atiradores de elite disparavam contra os criminosos.

O cronograma original da Secretaria de Segurança previa a ocupação dessa região mais de um ano depois, mas a tensão da época e a violência nas ruas acabou por antecipar o planejamento. Com o apoio de tropas federais e o uso de tanques de guerra e outros aparatos, o Estado conseguiu ocupar os territórios vizinhos ao Complexo do Alemão e realizar a prisão de vários traficantes. "Faltavam blindados e grande efetivo para entrar lá", afirmou Beltrame, um ano depois. "Mas os veículos incendiados por bandidos em todo o Rio fizeram com que o processo fosse antecipado."

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A juíza criminal Patrícia Acioli, assassinada a mando de policiais em Niterói
Imagem: Reprodução/Facebook

Assassinato da juíza Patrícia Acioli

Em 2011, quase um ano depois da ocupação do Complexo do Alemão, a Polícia Militar enfrentou uma grave crise institucional com o envolvimento do comandante do 7º BPM (São Gonçalo), tenente-coronel Cláudio Oliveira, na morte da juíza Patrícia Acioli, assassinada a tiros na porta de casa. A magistrada era responsável por investigar esquemas de corrupção policial em São Gonçalo. Com a prisão de Oliveira, o então comandante-geral da PM, Mário Sérgio Duarte, pediu demissão.

"A polícia está investigando e prendendo, sejam policiais civis, militares ou de qualquer outra esfera da segurança pública. Melhor seria se isso não estivesse acontecendo. Mas a legitimidade da corporação se mantém na medida em que a PM mostra a capacidade de cortar a própria carne", afirmou o secretário.

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Moradores protestaram após mortes em confronto durante ação do Bope na Maré
Imagem: Bruno Gonzalez/Extra/Agência O Globo

Mortes em ação do Bope na Maré

Uma ação do Bope no Complexo da Maré, em 2013, terminou com ao menos dez pessoas mortas. Além disso, outras seis ficaram feridas em uma série de confrontos que ocorreram no fim do mês de junho daquele ano. A operação do Bope era uma resposta da polícia a atentados ocorridos naquela semana, entre os quais um grande arrastão em bairros da zona norte --exibido ao vivo por emissoras de TV-- e a morte de um policial do batalhão.

Na época, Beltrame afirmou que os conflitos ocorreram porque "o Estado foi atacado e reagiu". "O que tivemos foi o desdobramento de outra ocorrência, e aí se voltou àquele velho cenário, que é ruim pra todo mundo", disse Beltrame. "Nós ainda temos locais que, quando a polícia vai, acontece esse cenário. Infelizmente na Maré encontramos uma situação específica de conflito, onde o Estado foi atacado e reagiu."

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O pedreiro Amarildo de Souza desapareceu na favela da Rocinha, em 2013
Imagem: Silvia Izquierdo/AP

Sumiço e morte de Amarildo

Ainda em 2013, o sumiço e morte do pedreiro Amarildo de Souza, morador da favela da Rocinha, abalou as estruturas da gestão do então governador Sérgio Cabral e, por conseguinte, da Secretaria de Segurança Pública. O mistério em torno do paradeiro da vítima deu origem à pergunta que se converteu em bandeira das manifestações de 2013: "Cadê o Amarildo?".

Segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público, 25 PMs foram responsáveis por torturar e assassinar Amarildo, além de ocultar o seu corpo. Segundo a investigação, o mandante do crime foi o major Edson Santos, então comandante da UPP da Rocinha.

Na ocasião, Beltrame afirmou que os excessos seriam punidos, mas pediu um voto de confiança à população. "O mais importante de tudo é, se os erros e excessos foram cometidos, mostrar para a população que essas pessoas são punidas, sejam policiais, servidores públicos, civis, traficantes ou quem quer que seja", disse.

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Mulher e criança se escondem durante confronto na avenida Brasil, no Rio
Imagem: Felipe Dana/AP

O ressurgimento da bala perdida

No começo de 2015, o Rio acompanhou o ressurgimento do fenômeno da bala perdida, que, durante a década de 1990, estampou diversas capas de jornais cariocas. Somente naquele ano, foram 16 casos de pessoas inocentes atingidas por disparos na região metropolitana do Rio e na Baixada Fluminense, das quais quatro morreram.

O caso da menina Larissa de Carvalho, 4, foi o mais emblemático. No momento em que foi alvejada, a criança saía de um restaurante em Bangu, na zona oeste da capital, acompanhada da mãe e do padrasto. Os pais a viram morrer com os próprios olhos.

À época, Beltrame afirmou que o Brasil possui uma "nação de criminosos", o que seria a causa do grande número de pessoas atingidas por balas perdidas. "Essas balas perdidas elas foram, na maioria das vezes, provocadas por traficantes. Não foi em confronto a polícia, com exceção desse caso agora da Rocinha. Isso é da natureza dessa verdadeira nação de criminosos que se criou no Rio de Janeiro", disse.