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Pataxós são despejados de área que foi base da seleção alemã na Copa

Índios pataxós são retirados de uma área onde estavam há três anos no sul da Bahia - Cimi/Povo Pataxó/Aldeia Aratikum
Índios pataxós são retirados de uma área onde estavam há três anos no sul da Bahia Imagem: Cimi/Povo Pataxó/Aldeia Aratikum

Mário Bittencourt

Colaboração para o UOL, em Vitória da Conquista (BA)

14/10/2016 17h28

Índios da etnia Pataxó que ocupavam há três anos uma área de 200 hectares em Santo André, povoado de Santa Cruz Cabrália (extremo sul da Bahia) que serviu como Centro de Treinamento da Alemanha na Copa de 2014, foram alvo de uma ação de despejo do local.

De acordo com a Polícia Federal, na área havia 14 famílias; já o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) afirmou em comunicado que 30 famílias indígenas participavam da ocupação.

A saída dos índios, que ocorreu nesta quinta-feira (13), foi pacífica. Cerca de 40 homens das polícias Federal e Militar cumpriram o mandado, expedido na terça pela Justiça Federal.

O delegado federal Pancho Rivas informou que a negociação para saída dos índios vinha sendo feita há um ano, desde que foi concedido pela Justiça decisão liminar (temporária) de reintegração de posse.

“Já fomos lá várias vezes e eles [os índios] já sabiam da decisão desta semana”, declarou o delegado. “Não foi nada de surpresa”.

Procurada, a Funai (Fundação Nacional do Índio) em Eunápolis não atendeu às ligações. O órgão federal ainda pode recorrer da decisão judicial, o que ainda não ocorreu, de acordo com comunicado do Cimi.

Após a saída, algumas famílias indígenas foram para casa de parentes e outras ficaram às margens da BR-367. Os pertences dos indígenas foram retirados da área numa caçamba e depois toda a estrutura que possuíam, como casas, escolas e plantações, foram destruídas por um trator.

O Cimi informou que a área está “em processo de aquisição pela Funai” e que “a ação da polícia foi truculenta e arbitrária, sem oferecer tempo para a retirada de pertences”.

“Não resistimos, mas a polícia parecia que ia entrar numa guerra. Estamos aqui na beira da estrada, mulheres, crianças e idosos”, disse o cacique José Ailton Pataxó.

Com argumentos semelhantes aos dos sem terra, o cacique disse que a área “era improdutiva quando retomamos, em 2013. Fizemos uma escola, casas e nossas roças. O artesanato complementa a renda das famílias. Agora estamos na beira da estrada sem teto, sem terra, sem saber o que vamos dar de comer para as crianças”, lamenta o cacique José Ailton.

Para o presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia, cacique Aruã Pataxó, “a reintegração e as demais que afetam as terras indígenas é fruto da fragilidade política que as demarcações têm no país hoje”.

“Seja no Executivo, Legislativo e Judiciário. A Justiça, por sua vez, não faz nada para evitar isso. A Funai está sem cumprir com a sua função, totalmente sucateada”, afirmou.

A região de Santo André é cobiçada por empreendimentos imobiliários voltados ao turismo. Um projeto prevê a construção de um resort na área, que ainda abarca, de acordo com o Cimi, terras supostamente indígenas das comunidades indígenas de Coroa Vermelha e Mata Medonha.

“O despejo pode ser considerado o legado da Copa do Mundo de 2014. Depois da seleção da Alemanha ter se hospedado na região, acompanhada por um batalhão de repórteres e turistas estrangeiros, o mercado imobiliário valorizou ainda mais as terras”, declarou o Cimi.