Topo

Por que quero ser PM? Jovem troca escritório por carreira como soldado

Monica de Oliveira Portela, recém-formada no curso da Polícia Militar do Estado de SP - Diego Toledo/UOL
Monica de Oliveira Portela, recém-formada no curso da Polícia Militar do Estado de SP Imagem: Diego Toledo/UOL

Diego Toledo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

24/11/2016 06h00

Monica de Oliveira Portela tem 26 anos, é fã de Pink Floyd, gosta de correr maratonas e tem como principal meta se casar logo com o noivo, com quem namora há cinco anos. Na última semana, ela terminou o curso de formação para a sua nova carreira e agora está prestes a ir às ruas em sua nova função: ela agora é uma policial militar.

"Hoje eu não fico pensando muito no que vai acontecer porque, se eu ficar pensando muito, vou ficar ansiosa”, afirma a soldado. “Mas tenho certeza de que vou tomar a atitude certa, na hora certa. Se eu precisar defender a vida de alguém, vou defender. Tenho certeza de que vou estar preparada para isso."

Moradora de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, Monica conta que desde criança pensava em ser policial e buscava inspiração nas cenas de ação de uma personagem feminina muito popular no mundo dos games: Lara Croft, a heroína da série "Tomb Raider".

Apesar de atribuir a vontade de ser policial a um sonho de infância, a soldado recém-formada só começou a correr atrás da nova carreira nos últimos dois anos. Antes, concluiu um curso superior de rádio e TV, chegou a fazer estágios em empresas do setor e trabalhou por alguns anos no ramo. A mudança de rumo veio em 2014, quando começou a estudar para prestar o concurso para PM.

PM1 - Divulgação - Divulgação
Alunos participam de atividade durante curso de formação na Escola Superior de Soldados da PM paulista, em Pirituba, na zona norte
Imagem: Divulgação
Mas o que leva uma jovem com pouco mais de 20 anos a trocar um emprego em um escritório com ar-condicionado pela vida de policial? Monica afirma que, além do desejo de criança, outro fator contribuiu muito para a decisão: a forte influência do pai e do namorado.

O namorado de Monica também é policial militar e atua como segundo-sargento do Corpo de Bombeiros. Já o pai é caminhoneiro e prestou o serviço militar obrigatório na juventude. Desde então, tornou-se um admirador do militarismo e hoje valoriza a amizade de policiais que trabalham na Rota, a tropa de elite da PM. "Meu pai me incentivou desde o início", diz a nova soldado. "Já a minha mãe teve um pouco de resistência no início por conta de ser uma profissão que ela considera muito perigosa."

O pai de Monica é também a referência dela nas tentativas de rebater as críticas à atuação da Polícia Militar em São Paulo. "Meu pai é o primeiro a defender [a PM], mas, quando surge a notícia de uma atitude ruim de um policial, ele repreende", atesta a filha, que diz ter no pai uma espécie de ídolo em quem procura se espelhar. "Uma coisa que eu não vou negar nunca são as minhas raízes", acrescenta. "Eu sou quem eu sou graças aos meus pais."

Imagem na periferia

Ao falar das raízes, o discurso da nova soldado --sempre afinado com o comando da PM, como seria de se esperar dentro da doutrina militar-- revela uma esperança da jovem em tentar contribuir para afastar da Polícia Militar as frequentes críticas de abuso, principalmente contra jovens que vivem na periferia. "Eu moro na periferia e é lá que estão as pessoas que mais precisam da polícia", afirma Monica. "A gente vê muitas coisas negativas na televisão, mas entrei na PM com o intuito de ajudar a melhorar essa imagem. Eu quero fazer a diferença."

Para o cientista político Guaracy Mingardi, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, qualquer esforço de mudança dos policiais militares mais jovens esbarra, no entanto, na dinâmica da PM, em que a experiência nas ruas tende a ter um peso muito maior na formação do soldado do que as aulas de preparação e aprimoramento. "O que um jovem policial trouxer de novo vai enfrentar uma resistência muito grande dos antigos", diz o pesquisador. "O policial passa pouco tempo na sala de aula e muito mais tempo na rua, então é muito mais fácil ele ser moldado pela rua do que pela academia."

O capitão Eduardo Cruz, porta-voz da Escola Superior de Soldados da PM, em Pirituba, na zona norte da capital paulista, rejeita a crítica de Mingardi. Cruz afirma que os policiais resistentes à mudança são uma minoria e que os novos soldados podem, sim, contribuir em uma evolução da mentalidade da corporação. "A cada ano, são quase 5.000 policiais novos. Então, em oito anos, renova-se todo o pessoal que está na rua, porque os mais novos vão chegando e os mais antigos vão subindo na hierarquia ou acabam indo para outros setores da Polícia Militar."

Depois de passar no concurso público para a PM, Monica começou a fazer o curso de formação de soldados em novembro do ano passado. A preparação tem duração de um ano. O primeiro semestre é dedicado a aulas mais teóricas sobre a legislação e as regras de conduta da corporação, mas já inclui uma introdução a atividades de policiamento. O segundo é mais dedicado a aulas práticas e simulações de situações reais.

Terminado o curso, o soldado deve, então, passar por um ano de estágio probatório, durante o qual já atua como policial militar, mas com a supervisão de um colega mais experiente. A Escola Superior de Soldados recebe pouco mais de 2.000 alunos por semestre. Monica se formou em cerimônia realizada na semana passada, no Anhembi, que teve o jornalista Reinaldo Azevedo como paraninfo dos novos policiais militares.

Mulheres na PM

PM2 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Monica diz que quer mudar a PM
Imagem: Arquivo pessoal
Dados divulgados no ano passado apontam que a PM paulista tem pouco mais de 85 mil membros. A maioria dos policiais militares é homem (89%, frente a 11% de mulheres) e diz ter pele branca (65%) --os pardos são 31%, negros são 3,5%, orientais são 0,5% e apenas cinco policiais aparecem como indígenas. A recém-formada Monica Portela nega ter enfrentado qualquer preconceito de gênero durante o curso, mas conta ter sentido uma dificuldade maior do que os colegas homens no começo do treinamento.

"O tratamento é igual, tanto para homem como para mulher. Por isso mesmo, percebi que, para mim, teve um pouco mais de pressão no início, por conta dos exercícios físicos, que eu achei muito desgastantes", conta a nova policial. "Mas eu me sinto uma guerreira. Já vi mulheres em equipes de força tática e tem uma policial que é cabo e dá aula para novos soldados que é um grande exemplo para mim. Ela sempre trabalhou na rua, adora o que faz e é reconhecida por isso."

"Muita gente fala que mulher é o sexo frágil, mas isso não é verdade”, acrescenta Monica. “A mulher é importante na PM. Na rua mesmo, eu sei que vai ter situações em que vamos ter de lidar, por exemplo, com uma vítima de violência sexual. Às vezes, é mais fácil eu, como mulher, chegar e conversar para tentar ajudar a resolver a ocorrência."

Críticas e militarismo

PM3 - Divulgação - Divulgação
Pelotão de novos policiais militares formados pela Escola Superior de Soldados da PM
Imagem: Divulgação
Na opinião do pesquisador Guaracy Mingardi, a formação de novos PMs "não é a oitava maravilha do mundo", mas já foi muito pior. Mesmo assim, ele aponta o que vê como três grandes problemas no modelo de treinamento dos soldados. O primeiro é a própria estrutura militarizada da instituição. "Eles acabam se sentindo diferentes. Isso não é só na formação, é no cotidiano deles também", diz Mingardi. "Essa diferenciação com o resto é muito ruim. Quanto mais a polícia faz parte da população, mais a população aceita os policiais e menos a polícia é usada para fins repressivos com viés político ou social."

Outro problema, segundo o pesquisador, é o fato de a carreira de PM ser dividida em duas categorias: uma para soldados (que vai até a graduação de sargento) e outra para oficiais (dos subtenentes aos coronéis). "Isso faz com que você tenha uma dissociação entre a cúpula e a base", afirma o cientista político. O terceiro problema, segundo Mingardi, é a inclusão de matérias no currículo apenas por pressão externa, o que faz com que o conteúdo seja apenas uma formalidade no curso. "A Polícia Militar, há muito tempo, tem um curso chamado Direitos Humanos, que só passa a legislação para os alunos, e não uma noção mais ampla de direitos humanos", critica.

Para a PM paulista, a estrutura e a estética militar da corporação são necessárias para a atuação da força policial, que precisa de um treinamento especial e de regras de conduta para cumprir suas funções. Sobre a separação da carreira de policial militar entre soldados e oficiais, o capitão Eduardo Cruz nega que exista uma divisão entre a base e o comando e destaca que hoje entre 70% e 80% dos cadetes da academia de oficiais da PM são oriundos da tropa.

O porta-voz da Polícia Militar afirma ainda que o currículo do curso de formação de novos soldados é avaliado anualmente por todos os segmentos da corporação, inclusive com a participação de órgãos externos, como o Instituto Sou da Paz e o próprio Fórum Brasileiro de Segurança Pública.