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Dom Paulo não mandava recado e enfrentava os generais, diz biógrafa

Dom Paulo ajudou vítimas de ditaduras de países vizinhos  - Ana Ottoni -23.12.2003/Folhapress
Dom Paulo ajudou vítimas de ditaduras de países vizinhos Imagem: Ana Ottoni -23.12.2003/Folhapress

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

14/12/2016 18h41

Dom Paulo Evaristo Arns, morto nesta quarta-feira (14), enfrentava os militares com altivez durante a ditadura. Visitava de surpresa locais onde perseguidos políticos estavam detidos e procurava os generais para denunciar crimes praticados pelo regime. “Ele incomodava muito os militares. Ia pessoalmente [nos presídios e nos gabinetes], não mandava ninguém”, afirma Evanize Sydow, uma das biógrafas do arcebispo emérito de São Paulo.

Quando dom Paulo se tornou arcebispo de São Paulo, em 1970, o país vivia o auge da repressão. A Igreja Católica na capital paulista, diz Evanize, estava alheia à situação política. “Era um momento crítico. A igreja de São Paulo estava virada de costas para essas questões. Ele mudou isso, abrigou perseguidos e denunciou crimes da ditadura.”

O religioso ajudou, por exemplo, o jurista Helio Bicudo a publicar um livro com denúncias contra o Esquadrão da Morte, grupo de extermínio formado por policiais.

Jornalista e mestre em história, Evanize escreveu com a colega Marilda Ferri o livro “Dom Paulo, um homem amado e perseguido”. “Todos os passos dele eram seguidos pelos militares”, afirma a biógrafa.

Segundo Evanize, Arns tinha boas relações com generais como Golbery do Couto e Silva e Ednardo D’Ávila Mello, mas era execrado por Emílio Garrastazu Médici, presidente no período mais sangrento da ditadura (1969-1974), e pelo coronel Erasmo Dias, que foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo.

Fidel Casro - Rafael Perez/Reuters - Rafael Perez/Reuters
Fidel Castro fez convites para dom Paulo visitar Cuba
Imagem: Rafael Perez/Reuters

Cone Sul e Fidel Castro

Para a biógrafa, o religioso era a personificação da luta pelos direitos humanos. A atuação dele extrapolou as fronteiras brasileiras. Dom Paulo formou um grupo de apoio a perseguidos políticos pelas ditaduras do Cone Sul, o Clamor. “Ele corria o risco e assumia o apoio, dava proteção. Impressionante como os casos de vários países vinham para São Paulo. As pessoas sabiam que ele colocaria a equipe a serviço para ajudar.”

Sua atuação chamou a atenção até mesmo do ditador cubano Fidel Castro, morto no último dia 25 e cujo regime foi acusado de praticar violações aos direitos humanos. “Fidel era grande admirador de dom Paulo, mandou cartas para ele e queria que dom Paulo fosse a Cuba”, conta Evanize. O arcebispo respondeu que a visita dependia da Igreja Católica. A viagem nunca foi autorizada.

A biógrafa diz que, antes da ditadura, dom Paulo era um anticomunista “como todos os católicos”. Com o golpe de 1964 e a repressão política promovida pela ditadura, o arcebispo mudou de postura e estendeu a mão aos opositores do regime, sem fazer restrições a militantes de esquerda.

No entanto, o religioso, segundo a biógrafa, “nunca se deixou rotular” nem se posicionou ideologicamente. “Ele conversava com todo mundo e nunca se filiou [a partidos]”. O arcebispo manteve proximidade, por exemplo, com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).