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Rebanho maltratado une veganos e criadores e é resgatado por ativistas em SC

Bois, vacas e bezerros maltratados foram resgatados por um grupo de voluntários em São José (SC) - Divulgação
Bois, vacas e bezerros maltratados foram resgatados por um grupo de voluntários em São José (SC) Imagem: Divulgação

Aline Torres

Colaboração para o UOL em Florianópolis

28/12/2016 06h00

Cães e gatos abandonados ou maltratados são resgatados com cada vez mais frequência nas cidades brasileiras. Mas um grupo de voluntários catarinenses foi além: salvou um rebanho. Graças a eles, bois, vacas e bezerros puderam escapar da morte duas vezes. Os animais de corte, vítimas de maus tratos, foram resgatados com respaldo da Justiça. Agora o desafio dos voluntários é levá-los para um santuário, onde morrerão naturalmente.

O gado era mantido em condições bastante precárias pelo criador Paulo César da Rosa em um terreno no bairro Forquilhas, em São José, na Grande Florianópolis. De acordo com a advogada e ativista Barbara Hartmann Cardoso, ele visava a lucros sem cuidados. Não dava água nem comida aos bichos. Para piorar, veio a geada entre junho e setembro deste ano. Foi o fim do pasto.

Bois, vacas e bezerros maltratados foram resgatados por um grupo de voluntários em São José (SC) - Divulgação - Divulgação
Animais viviam em condições precárias, praticamente sem água nem comida
Imagem: Divulgação
A situação era tão grave que os vizinhos, nenhum deles com histórico de proteção aos animais, denunciaram o crime à polícia ambiental. Há duas ocorrências, mas nada foi feito. O soldado Santos, do Batalhão de Polícia Militar Ambiental de Santa Catarina, explicou que “não havia estrutura para resolver a situação rapidamente”.

Paulo César da Rosa não atendeu as doze ligações da reportagem do UOL. Também foram deixadas mensagens no seu celular. Ele não tem advogado.

Vinte vacas morreram até a notícia ir parar na fanpage vegana Resgate na Rede. No mesmo dia, um grupo de amigos se articulou, conta Georgia Martins Faust, 34 anos, uma das lideranças da turma de cerca de 15 voluntários que se revezam em variadas tarefas para garantir alívio aos animais depois de tanto sofrimento.

“Os bois foram perdendo peso, saúde. Fracos, fraturaram ossos. Ficaram com feridas expostas e, pouco a pouco, foram devorados vivos por urubus. Um filhote foi sacrificado pelas aves de rapina logo após o parto. Sua mãe, tão frágil, não tinha forças para defendê-lo. De outra vaca foram arrancados os olhos”, relata Georgia.

A primeira visita foi no dia 27 de outubro, ao lado de funcionários da Cidasc (Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina). Após inspecionar a insalubridade do terreno, a decisão governamental foi dar um prazo de 30 dias para que o proprietário regulasse a situação. “A dor do rebanho foi ignorada”, disse Georgia.

“Essa decisão nos deixou revoltados. Então, as duas advogadas do nosso grupo entraram com uma liminar para que ficássemos com os bois. Eles não podiam esperar”, conta Georgia.

No dia seguinte, em uma postura inédita no Estado, a Justiça acatou o pedido. E daí fez-se a união inesperada. Os vizinhos - alguns criadores de animais para o abate, outros adeptos de rodeios, todos apreciadores de churrasco -, se somaram aos veganos para resgatarem a boiada. A caçada foi no mato. Peões ajudaram com seus laços. Ao total, 32 animais foram levados para a fazenda de Adilson Correa, em Biguaçu (a 11km de Florianópolis). É um lar provisório.

Quatro bichos em estado de penúria não resistiram, apesar do esforço dos veterinários. Foram os dias finais de Krishna, Panda, Mona e um bezerro sem nome, que nasceu morto. Seu parto foi feito dentro do caminhão. Para se despedir, Georgia tatuou a identificação que a vaca Panda levava na orelha. O registro de propriedade 613695.

Ativista Georgia Martins Faust tatuou o registro de propriedade de uma das vacas que ela e outros voluntários resgataram - Divulgação - Divulgação
Ativista Georgia Martins Faust tatuou o registro de propriedade de uma das vacas que ela e outros voluntários resgataram
Imagem: Divulgação
Agora, a luta dos ativistas é financeira, já que o trato dos animais exige muito dinheiro. Cerca de R$ 1 mil reais por dia. É preciso ração, feno de alfafa, suplementação, vacinas, soro, medicações. Além dos gastos com viagens na busca por uma morada definitiva.

“Esses animais vão morrer de velhice. Não serão submetidos a nenhuma exploração, nem retirada de leite. Os machos serão entregues já castrados. A condição é que os adotantes sejam vegetarianos. Mas a avaliação é bem mais criteriosa”, explica Georgia.

Uma das opções para os bois é um mosteiro de franciscanos no Espírito Santo. Existem também sete santuários no Brasil. Os 89 porcos do Rodoanel, que ganharam destaque em 2015 por mobilizarem o maior resgate de animais de matadouro do Brasil, vivem na Terra do Bichos, em São Roque, São Paulo. Já no Vale da Rainha, em Minas Gerais, vive outro animal resgatado por um dos voluntários catarinenses. Tiago Ribeiro resgatou o boi Agenor, que seria torturado no tradicional ritual da Farra do Boi, no litoral catarinense.

O grande desafio do grupo neste momento é arrecadar R$50 mil para fretar caminhões e levar os bois para um lugar a salvo. Há uma campanha online por financiamento que encerra no dia 6 de janeiro. Até agora 29,69% da meta foi atingida. Mas a campanha é incisiva e cobra: “onde estão os 18 milhões de vegetarianos do Brasil?”