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'O sistema carcerário denuncia o mundo como ele é', diz arcebispo de Manaus

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

03/01/2017 13h46Atualizada em 03/01/2017 18h33

A rebelião que terminou com ao menos 56 pessoas mortas no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus, reflete a sociedade, afirma o arcebispo da capital amazonense, Dom Sérgio Eduardo Castriani, responsável pela Pastoral Carcerária, que visita presídios no Estado há pelo menos 40 anos. “O sistema carcerário denuncia o mundo como ele é, denuncia a sociedade violenta. O sistema é um reflexo”, disse ao UOL.

Castriani, que comanda a Arquidiocese de Manaus desde fevereiro de 2013, vê o comportamento da sociedade se mostrar por meio do compartilhamento de fotos e vídeos dos corpos de detentos decapitados.

"Acho que é uma coisa mórbida, muito doentia. Principalmente com os comentários de 'tem que matar', 'tem que morrer'. É uma sociedade que quer vingança, uma sociedade que tem que mudar sua visão de justiça", comenta. "Violência gera violência. Perdão e misericórdia são as únicas saídas."

O arcebispo diz que a situação do sistema carcerário é ruim em função de medidas tomadas pelo governo do Amazonas, criticando, especificamente, a terceirização da administração dos presídios do Estado, que, desde 2014, está sob responsabilidade da Umanizzare Gestão Prisional e Serviços Ltda.. No ano passado, ela recebeu mais de R$ 326 milhões do governo amazonense, quase o triplo do oferecido no primeiro ano do contrato.

A responsabilidade pelo preso é do Estado

Dom Sérgio Eduardo Castriani, arcebispo de Manaus

Superlotado, presídio de Manaus foi cenário de massacre

UOL Notícias

"Ele terceiriza [a administração] e isso sai caro. Não é função de uma empresa fazer isso. O Estado tem o dever de cuidar do preso. O Estado tem responsabilidade [sobre as mortes na rebelião]”, diz Castriani. 

Dom Sérgio Castriani, arcebispo de Manaus, celebra missa em presídio - Divulgação/Arquidiocese de Manaus - Divulgação/Arquidiocese de Manaus
Dom Sérgio Castriani é arcebispo de Manaus desde fevereiro de 2013
Imagem: Divulgação/Arquidiocese de Manaus
 

Para ele, a principal falha do sistema carcerário é a falta de políticas públicas para ressocialização. O arcebispo diz que, hoje, os presídios são escolas do crime para os detentos, que não recebem atividades ocupacionais. Ele costuma visitar e celebrar missas nos presídios do Amazonas.

No Compaj, esteve em duas oportunidades, mas via que as visitas não permitiam uma relação mais próxima com os internos. “A gente não tem contato direto com a vida do preso”

Quando fala sobre mudanças no sistema com as autoridades amazonenses, o arcebispo diz que, como justifica para a situação, a falta de dinheiro e que o sistema é assim.

Após a rebelião, ele continua descrente sobre mudanças. “Não tenho muita esperança sobre isso. Acho que, pelo menos, haverá consciência de que precisa mudar”, afirma Castriani, que diz acreditar que as dezenas de mortes no presídio têm deixado os amazonenses envergonhados, especialmente pela repercussão mundial do caso.

Em apoio às famílias dos detentos mortos, a arquidiocese de Manaus programou uma missa para às 16h --hora local-- do próximo sábado (7) em “sufrágio dos falecidos”. Ela será realizada na Catedral da Imaculada Conceição.

O UOL entrou em contato com a SEAP (Secretaria de Administração Penitenciária) e do governo do Amazonas pedindo um posicionamento sobre as declarações do arcebispo, mas, até o momento, não obteve resposta.

Em entrevista ao UOL na segunda-feira (2), o secretário de Segurança Pública, Sérgio Fontes, reconheceu que o Estado possui presídios com superlotação, mas diz que a situação está sob controle. "Nenhum refém foi morto. Todos foram resgatados. Os [presos] que eles queriam matar, mataram logo no começo. O que vamos fazer agora? Vamos responsabilizar quem fez isso e tomar medidas para evitar que outra tragédia como essa se repita".

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