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"Voz" do trânsito, buzina reflete pressa, estresse e educação em SP

Diego Toledo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

05/01/2017 05h00

No trânsito intenso da cidade de São Paulo, a buzina está sempre presente. Seja para apressar motoristas e pedestres quando o sinal abre para os veículos ou para alertar quanto à presença de motos nos corredores. Ela também surge em demonstrações de irritação com congestionamentos ou como forma de agradecimento de um motorista para outro que abre passagem. Em comemorações ou protestos, os buzinaços também são comuns para manifestar alegria ou indignação.

Apesar de o Código de Trânsito Brasileiro prever o uso da buzina apenas com um toque breve e como sinal de advertência, para evitar acidentes, o alerta sonoro acaba sendo utilizado no dia a dia da cidade para outras finalidades e, de certa forma, reflete um pouco do estado de espírito do paulistano.

“O mundo urbano, o mundo da grande cidade, é o mundo da impessoalidade, onde você não conhece as pessoas. A maneira que o automóvel tem de se comunicar é buzinando. Por isso, as pessoas buzinam”, afirma o antropólogo Roberto DaMatta, autor do livro “Fé em Deus e Pé na Tábua – Ou como e por que o trânsito enlouquece no Brasil”.

A buzina é usada como uma forma de se expressar” concorda a psicóloga Raquel Almqvist, da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego)

“Ela pode ser uma forma de agressão, para incomodar, irritar. Mas, ao mesmo tempo, também pode servir para agradecer e comemorar.”

Nas ruas da capital paulista, a buzina é um recurso não só para carros, motos, ônibus e caminhões, mas também para bicicletas. Na ausência dela, o artista plástico Gil Toledo, 56, conta que apela para a garganta. Os gritos de “olha a frente” e “cuidado” são a forma como ele procura evitar pedestres desavisados e as fechadas de outros veículos.

Pressa, estresse e motoboys

Em meio aos ruídos do trânsito, o uso da buzina pelos motoboys constitui um capítulo à parte na relação do paulistano com o alerta sonoro. Mas, também para os motoqueiros, o acessório serve para a segurança e também para interações mais amistosas.

“O pessoal buzina bastante, principalmente nós, motoboys”, reconhece Douglas Camargo, 30.

Se a gente não buzinar, acabam fechando a gente e acidentes acontecem.”

“A gente também usa quando passa um amigo, pra cumprimentar”, acrescenta. “Quando vem uma moça bonita também, o motoboy sempre dá aquela buzinadinha básica pra ver se ganha um sorrisinho. Mas, se você acorda um dia estressado, já sai buzinando pra todo mundo e assim vai.”

Apesar do uso eventual para expressar sentimentos positivos, a buzina não escapa da imagem negativa. Isso porque, na maioria das vezes, o que está por trás do aviso sonoro é a irritação pela dificuldade de transitar por São Paulo.

“Muitas vezes, a buzina é um fator que colabora com o estresse que o trânsito traz para as pessoas”, diz a psicóloga Raquel Almqvist. “Tem pessoas que buzinam para descarregar o estresse e acabam caindo em um círculo vicioso: elas ficam com raiva porque estão atrasadas e usam a buzina, isso gera mais estresse e mais buzinadas.”

“Todo mundo acha que vai chegar em 20 minutos em algum lugar e não chega, são 40 minutos, uma hora, o trânsito é pesado”, afirma a produtora Cris Monteiro, 43, que também dirige pelas ruas da cidade. “A pessoa sai de casa sem o menor senso de que a buzina atrapalha os outros, é uma poluição sonora.”

Buzinas customizadas

Do mesmo jeito que a buzina pode refletir o estado de espírito do motorista, há quem prefira adequar o alerta sonoro a uma necessidade ou interesse específico. Em uma loja de buzinas no bairro do Ipiranga, na zona sul de São Paulo, os clientes aparecem com as mais variadas intenções.

“Tem a criança que vem colocar buzina na bicicleta até o senhor que vem por uma nostalgia de uma buzina que ele teve em um carro antigo”, revela Renato Ponce, dono da loja. “A maioria vem para melhorar o som, mas tem também os exóticos, o cara que quer uma buzina musicada.”

“Tem ainda os engraçadinhos, que colocam uma buzina eletrônica pra fazer sons de personagens, pra brincar. E os exagerados, que querem tocar a buzina e se sentir um caminhoneiro, colocar uma buzina de caminhão em um carro comum, por exemplo.”

A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) de São Paulo diz que a fiscalização não diferencia a buzina customizada daquela que é original de fábrica. A legislação de trânsito no Brasil também não faz nenhuma restrição ao tipo de melodia ou ao tempo de duração da buzina, apenas ao nível de pressão sonora, que deve variar entre 93 e 104 decibéis.

O Código de Trânsito Brasileiro também proíbe o uso da buzina em determinados lugares e horários sinalizados por placas e no período entre 22h e 6h. Uma resolução do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) proíbe ainda buzinas com sons semelhantes a sirenes de veículos de emergência.

Para Renato Ponce, que vende buzinas há 18 anos, os eventuais exageros no uso do alerta sonoro passam pelo grau de responsabilidade de quem usa a buzina.

“Hoje em dia, um cara para com o celular na frente, e o outro já enfia a mão na buzina, pra que ele ande logo, como se a buzina abrisse o trânsito. Ela não abre. Tudo tem que ter uma moderação. Assim como tem as buzinas engraçadas, que divertem, tem também as que atrapalham. Muita buzina também atrapalha”, completa.