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Conhecido como bairro mais quente do Rio, Bangu tem no calor uma tradição

Bangu, na zona oeste carioca, é conhecido como o bairro mais quente do Rio de Janeiro - Marco Antônio Teixeira/UOL
Bangu, na zona oeste carioca, é conhecido como o bairro mais quente do Rio de Janeiro Imagem: Marco Antônio Teixeira/UOL

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

08/01/2017 04h00

O relógio marca 37ºC, mas a sensação térmica ultrapassa os 40ºC. A temperatura registrada, contudo, parece não traduzir a realidade. Pelos corredores de um mercado popular, comerciantes praticamente se abraçam a ventiladores. Não há nem ar-condicionado nem janelas.

"Aqui é a filial do inferno", diz um rapaz, pouco antes de enxugar o suor com uma toalha. A cena é recorrente no local, situado naquele que é conhecido como o bairro mais quente do Rio. Em Bangu, na zona oeste carioca, o calor é uma tradição.

Alguns moradores reclamam, mas muitos se orgulham do título atribuído ao bairro. "Falar mal do calor? Só quem é nascido e criado aqui", afirmou o vendedor de água Luiz Fernando Santos, 47, que trabalha nos arredores do calçadão de Bangu, importante ponto de comércio popular da região.

"Aqui o maçarico é pior do que na praia", completa Santos, em comparação com a praia da Barra da Tijuca, na zona oeste, onde ele também atua. Segundo o ambulante, "vender água no calor de Bangu é muito mais fácil".

Luiz Fernando Santos - Marco Antônio Teixeira/UOL - Marco Antônio Teixeira/UOL
"Em média, saem umas 50 garrafas por dia. Mas ontem eu vendi 60. Ninguém aguenta", afirmou o vendedor
Imagem: Marco Antônio Teixeira/UOL

O barbeiro Luiz Felipe da Silva Balbino, o Spiff, abriu um salão ao ar livre depois de ter sido obrigado, por motivos financeiros, a sair do imóvel que alugava próximo ao Mercado Popular de Bangu. O espaço contava com ar-condicionado e infraestrutura, mas ele diz não sentir saudade. "É no calor que eu ganho mais", declarou ele.

"No início, deu vontade de desistir. Mas mesmo com o calor, os clientes aqui têm uma melhor visualização do meu trabalho. Valeu a pena a troca", completou.

Luiz Felipe da Silva Balbino - Marco Antônio Teixeira/UOL - Marco Antônio Teixeira/UOL
"Não é fácil, mas a gente se acostuma", afirmou Balbino, que tem um salão ao ar livre em Bangu
Imagem: Marco Antônio Teixeira/UOL

Há quase dois meses trabalhando de forma improvisada em uma calçada, com espelhos fixados na parede e uma tenda para se abrigar do sol, Balbino diz já ter tido insolação por conta do mormaço. "Eu fico aqui todo dia, das 10h às 20h. Teve uma semana que o sol estava forte e o mormaço também, acabei tendo uma insolação."

O mais quente?

Situado entre dois maciços, o da Pedra Branca e o de Gericinó, Bangu está em uma região de vale --onde as montanhas acabam bloqueando os ventos do mar.

O bairro cresceu em torno de uma antiga fábrica de tecidos e, assim como outras localidades do subúrbio, passou por uma expansão acelerada da malha urbana com redução da cobertura vegetal nas últimas décadas.

"Onde há mais cimento e menos vegetação, o calor se dá com maior intensidade", explica Almerino Marinho, meteorologista do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

Tudo isso, aliado ao sol escaldante típico do verão na cidade, colabora para que Bangu seja, de fato, um dos bairros mais quentes da capital fluminense. Mas será ele o campeão?

Na verdade, a antiga estação de Bangu tem três das cinco maiores marcas registradas pelo Inmet desde quando o instituto começou a fazer as medições no Rio, em 1915. Mas a temperatura mais alta já aferida se deu na estação de Santa Cruz, também na zona oeste, em 2012. Na ocasião, o relógio marcou 43,2ºC.

Porém, a estação de Bangu passou duas décadas no topo do ranking do Inmet, período no qual o bairro consolidou sua fama --entre 1984, quando foi observada a marca de 43,1ºC, até 2004, ano em que a estação foi desativada.

Dilma Rodrigues - Marco Antônio Teixeira/UOL - Marco Antônio Teixeira/UOL
Dilma e a filha, Ana Carolina, usam um guarda-sol para enfrentar o calor de Bangu
Imagem: Marco Antônio Teixeira/UOL

Guarda-sol, o companheiro fiel

Na saída do Shopping de Bangu, a reportagem encontrou a moradora Dilma Rodrigues, acompanhada da filha, Ana Carolina da Mota, caminhando sob um guarda-sol. Segundo ela, trata-se de um "companheiro fiel" para suportar a "lua de Bangu".

"Não tem jeito, eu sempre estou com essa sombrinha na bolsa. É um calor tremendo. Brigo sempre com ela [a filha] para ela colocar na bolsa também", disse Dilma. A filha, claro, oferece resistência. "É recomendação de mãe, né? O calor é duro mesmo, mas não dá para levar isso sempre na bolsa."

Os cuidados com o calor incluem ainda o uso diário de filtro solar e o consumo, sempre que possível, de água de coco, afirmou Dilma. "Passei a me cuidar mais depois que eu tive uma alta de pressão. Foi em um desses dias de 40ºC, a pressão subiu e eu tiver que ir para o hospital", relatou a moradora. Ela disse ter ficado em observação na unidade, mas não teve maiores problemas.

Luciane de Lima - Marco Antônio Teixeira/UOL - Marco Antônio Teixeira/UOL
Por conta do calor, clientes de Luciane tem resistência a roupas mais fechadas
Imagem: Marco Antônio Teixeira/UOL

Luciane de Lima, que trabalha na Bella Moda's, no Mercado Popular de Bangu, afirmou que algumas roupas de seu catálogo acabam acumulando no estoque. "Tem alguns macacões lindos aqui, mas nem sempre vende. A gente espera fazer frio para colocar na frente da loja", contou ela.

Também comerciante do Mercado Popular de Bangu, o relojoeiro Marco Antônio Mouta recebeu a reportagem com uma das piadas mais ouvidas sobre o calor de Bangu: "Se jogar ovo no asfalto, ele frita."

Mouta ressaltou, por outro lado, que o bairro é "oito ou 80". "O calor é forte, como você pode ver, mas espera chegar o inverno... Aqui, quando faz frio, faz frio! Para a saúde é uma beleza", disse.

Marco Antônio Mouta - Marco Antônio Teixeira/UOL - Marco Antônio Teixeira/UOL
Em sua loja, Mouta senta bem próximo ao ventilador: "Calor não dá trégua"
Imagem: Marco Antônio Teixeira/UOL