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Como a crise do RJ entra na casa dos servidores estaduais: "viramos pedintes"

Servidores do Rio protestam contra o atraso no pagamento de salários e pensões para o funcionalismo público - Fábio Motta/Estadão Conteúdo
Servidores do Rio protestam contra o atraso no pagamento de salários e pensões para o funcionalismo público Imagem: Fábio Motta/Estadão Conteúdo

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

09/01/2017 04h00

A crise que no ano passado levou o Governo do Rio de Janeiro a decretar estado de calamidade financeira no Estado invadiu 2017 sem sinais de recuperação.

Os salários e pensões de servidores públicos ativos e inativos continuam atrasados e parcelados. Na última quinta-feira (5), parte do funcionalismo começou a receber a primeira de cinco parcelas do salário referente a novembro do ano passado, de R$ 316. O 13º salário foi pago apenas para os professores.

Em nota, o governo do Rio afirma que, "com o pagamento desta segunda parcela, a folha salarial estará inteiramente quitada para 76% da folha líquida de R$ 2,1 bilhões e para 67% do funcionalismo público". A previsão oficial é de que os salários de dezembro comecem a ser pagos no próximo dia 13, décimo dia útil do mês.

No mesmo dia, centenas de pessoas protestaram diante do Palácio Guanabara, sede do governo estadual, em Laranjeiras, na zona sul da cidade. O UOL ouviu servidores, aposentados e pensionistas para entender o impacto da crise na vida deles.

Persona Rio - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A servidora Rejane Laeta, 58, que trabalha na rede estadual de saúde
Imagem: Arquivo pessoal

“Viramos pedintes”

Rejane Laeta, 58, é servidora da rede estadual de saúde e, nos últimos meses, viu aumentar a dependência da ajuda de familiares e amigos. Sem ter como pagar as contas em dia, diz, passou a receber "todos os dias ameaças de corte de fornecimento de luz".

"Na ceia de Natal da minha casa, a gente comeu legumes", conta. "Mesmo com emprego, a gente chegou à indigência. Viramos pedintes", resume.

O salário que não recebe há dois meses, diz Rejane, é o mesmo desde 2001: R$ 2.000. “Eu crio duas filhas, que são universitárias. Para economizar passagem, a gente sorteia quem vai sair de casa por prioridade. Se uma tiver prova e a outra, não, só vai a primeira”.

Celular virou luxo

No fim de 2015, quando o governo dividiu o pagamento do 13º salário em cinco vezes, pagas até abril do ano passado, a professora de história aposentada Adelaide Santana, 57, previu que a situação poderia piorar e começou a guardar dinheiro. “É o que hoje me faz não passar fome”, declara.

Moradora de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, ela recebe aproximadamente R$ 3.000 por mês. Com o agravamento da crise, passou a recorrer com mais frequência à poupança acumulada há quase um ano. Hoje, o que restou é suficiente para dois meses de sobrevivência. “E olhe que eu não sou casada e nem tenho filhos”. Mas, precavida, ela está intensificando o ajuste nas contas.

"Terça-feira (3), cancelei a minha linha de celular. Virou luxo. Disse que era servidora do Estado do Rio de Janeiro e perguntei se a atendente sabia o que significava. Ela nem insistiu e cancelou logo", conta.

O próximo passo, diz Adelaide, é cancelar o plano de saúde, que tem há dez anos. “Fiquei de decidir isso na minha última consulta com a endocrinologista, porque tenho hipotireoidismo. Se ela dissesse que o meu caso estava grave, eu cortaria outra coisa.”

Cesta básica

A pensionista Vânia Cristina Lins, 50, tem passado o dia inteiro olhando o celular. Acessa o aplicativo do banco para checar se alguma parcela do benefício já foi depositada em sua conta pelo Estado. “Hoje, estamos nos contentando com migalhas.”

Vânia é viúva de um policial militar que, segundo ela, morreu em serviço há oito anos, “trocando tiro com bandido”. “E é isso que a gente recebe em troca”. Ela tem um filho de 14 anos, que estuda em colégio particular. “Nós, pensionistas, estamos a ponto de explodir”, diz.

Quando recebe, a pensão é de –“acho melhor você sentar”, disse antes de revelar o valor-- R$ 1.200. “E eles ainda têm coragem de parcelar. Ou pagamos a luz e o gás ou compramos comida”, conta. Na semana passada, ela foi até a sede do Sind-Justiça, no Centro do Rio, pegar uma das cestas básicas doadas por servidores que já haviam recebido. “É uma humilhação muito grande.”

No vermelho

A crise muda hábitos. Antes dos salários começaram a atrasar, a servidora estadual Cecília Vasconcelos, 56, costumava pagar as compras de mês no supermercado em dinheiro. “Agora é no cartão de crédito”, diz.

Em casa, tem que escolher que conta pode pagar. O resultado, Cecília, que é aposentada da rede estadual de ensino, mas ativa na Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica), ela vê no extrato de suas contas bancárias. No Itaú, mostrou Vânia pelo smartphone, o saldo negativo é de R$ 5.943,31. No Bradesco, de R$ 5.682,19.

"Eu tentei manter minhas contas em dia com o cheque especial, mas chegou no limite. Eu fiz um acordo na Receita Federal no mês passado, mas vou perder o parcelamento porque não conseguirei manter o compromisso", relata.

No protesto ao lado de outros servidores sob sol forte, andando sobre o asfalto quente, ela comenta: "normalmente nas minhas férias eu ia para a praia".

"Estamos voltando à escravidão"

Professora da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) há 25 anos, Roseni Pinheiro, 51, não poupa palavras sobre os efeitos da crise. "A humilhação, o descaso e o desrespeito são tantos, que a gente está caminhando para um desfecho muito ruim. É criminoso, um massacre. Estamos voltando à escravidão", declara.

Na universidade, diz Roseni, os professores fizeram vaquinha para pagar as passagens de ônibus dos funcionários que não tinham condições de chegar ao trabalho. Ela conta que está tirando dinheiro da poupança para arcar com seus gastos mensais. "O sacrifício está muito grande".

"A gente não poderia jamais ser tratado dessa maneira. O que está se fazendo nos governos do PMDB é um escárnio, é a banalização do mal. Como alguém pode deixar um aposentado sem comer? Com que direito um governante faz isso? Se continuar assim, nós vamos caminhar para a barbárie, para o conflito social".