Topo

Só exames não bastam: pacientes de Corujão querem mais médicos e remédios

corujao personas - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
Maria das Graças, Elisabete e Maria José: pacientes do mutirão de exames, elas se queixam da falta de médicos na rede municipal
Imagem: Janaina Garcia/UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

11/01/2017 08h22

O orgulho com que a doméstica Maria José da Conceição Barbosa, 56, fala sobre as cinco filhas que criou sozinha –"todas concluíram faculdade, só a mais nova, ainda, que não"–contrasta com o sentimento de impotência que ela relata diante do périplo há anos enfrentado para cuidar da própria saúde em uma cidade como São Paulo.

Com perda da audição do ouvido esquerdo, um glaucoma e hipertensão, Maria José aguardou cinco meses para uma tomografia de crânio, por conta da audição, mas espera há oito meses por dois exames solicitados pela ginecologista. E tudo pela rede municipal de saúde –onde não encontrou, por outro lado, respaldo para os três colírios, com valores entre R$ 50 e R$ 150, de que necessita para a doença oftalmológica. “Não basta ter mutirão de exame: tem que ter também mais médico, mais medicamentos e mais agenda para atender os pacientes na rede”, pediu.

O mutirão mencionado pela doméstica é o Corujão da Saúde, uma das principais bandeiras de campanha do prefeito João Doria (PSDB) e cujas primeiras ações foram implementadas nesta terça-feira (10).

Maria José foi uma das dez pacientes atendidas no centro de diagnósticos do Hospital do Coração (HCor), entidade que firmou parceria com a Prefeitura de São Paulo pelo fim de uma fila de espera de 485 mil pacientes em até 90 dias. Até ontem, oito hospitais privados e filantrópicos --entre os quais a Santa Casa, o Oswaldo Cruz e o Sírio Libanês-- haviam aderido ao programa pela realização de exames. Ao todo, a Prefeitura estima investir R$ 17 milhões na ação, com exames pagos de acordo com a tabela do SUS (Sistema Único de Saúde).

Assim como Maria José, outras pacientes atendidas ontem no mutirão apontaram a falta de médicos e de medicamentos nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) como problemas que fazem o Corujão estar longe de ser uma solução para os usuários --mesmo porque os laudos ali fornecidos precisarão ainda ser avaliados por um médico que prescreverá, quando for o caso, o tratamento adequado ao paciente.

“A espera é de seis a oito meses pelo exame, e, quando a gente consegue, ainda dão mais três meses para conseguir a consulta. É complicado; não basta ter mutirão de exames se faltam médicos, agenda e medicamentos na rede pública”, desabafou a representante comercial Elisabete Chagas da Costa, 50, também na lista de dez atendidos na unidade do HCor.

Moradora de Santo Amaro (zona sul), Elisabete contou que desde julho passado sente dores de cabeça intensas remediadas apenas com analgésico. Ontem, finalmente conseguiu fazer o exame. A consulta com o neurologista no sistema municipal, porém, está agendada para março. “Aqui [no HCor] é outra realidade, nem um pouco parecida com a do sistema público, que precisa melhorar muito, ainda: é desde falta de estrutura à falta de pessoal para atendimento”, concluiu.

"Não é só exame", diz paciente que perdeu irmã em hospital público

Também na fila pela tomografia, a auxiliar de limpeza Maria das Graças Queiroz da Silva, 48, já havia tido a solicitação de um ultrassom de tireoide por um médico da rede municipal na Lapa. “Mas esse exame nunca saiu”, contou. No HCor, na fila restrita de dez pacientes, a sensação foi outra. “Senti muita diferença aqui, gostei, o atendimento parece ser muito bom. Nem esperava que me mandassem para cá, esperava um hospital mais simples. Eu morava em Pirituba, por exemplo, e o atendimento no hospital público lá é péssimo –perdi uma irmã diagnosticada com pneumonia há quatro anos lá”, relatou. E o que acha do Corujão? “As coisas estão melhorando, mas a gente ainda precisa de mais médicos e muito medicamento, além de bom atendimento. Não é só exame.”

Críticas sobre falta de médicos também fora do Corujão

Fora da unidade contemplada pela visita do staff do prefeito, mas na própria rede municipal, outros usuários também se queixaram da falta de médicos.

“Demora demais o atendimento com médico na rede; é uma situação quase que a de abandono a que vivemos. Se o sujeito tiver uma doença grave, [ele] morre”, constatou a arrumadeira Maria de Lourdes Oliveira, 56, paciente no Hospital do Servidor Municipal, na Aclimação (zona sul).

“Mutirão de exame ajuda, mas não resolve. A gente precisa muito ainda de médico, mesmo os que atendem já fazendo o máximo que podem”, reforçou o zelador Marcelo dos Santos, 42.

Questionado no evento de lançamento do Corujão sobre a falta de médicos, Doria admitiu que o problema existe, mas informou que pretende seguir com as “visitas surpresa”, como a feita dias atrás a um hospital em Sapopemba (zona leste), para detectar o que precisa ser feito.

Doria: "Nada muda em uma velocidade tão intensa"

“Farei toda semana visitas surpresa nas áreas de saúde, prefeituras regionais e escolas. Na primeira dessas visitas, constatei algumas dificuldades em termos de médicos especialistas e medicamentos para que as soluções sejam postas em prática”, afirmou. “É uma nova dinâmica de gestão, evidente que podemos ter problemas, sim, [porque] nada muda em uma velocidade tão intensa. Mas percebi solidariedade e disposição dos funcionários [pela mudança] em relação ao tempo de campanha, em que eu via pouca disposição e inibição quanto ao trabalho adicional e dedicado.”

O secretário municipal de saúde, Wilson Pollara, disse que, por ora, não há previsão de um Corujão de consultas. “Vamos observar: se houver uma avalanche de consultas necessárias, faremos algum procedimento. Mas 70% desses exames serão normais. E o exame vem com o laudo de um médico --não vou entregar o laudo na mão do paciente sem que médico tenha visto o exame”, disse.

Ainda de acordo com Pollara, que estimou o prognóstico de 70% dos exames sem anormalidades “com base na experiência” (ele é médico e ex-secretário-adjunto de saúde do governo Geraldo Alckmin), “o próprio médico nos avisará e a consulta será marcada imediatamente” em caso de alterações. Para isso, aposta, contará com o auxílio da Santa Casa, “que colocou milhares de consultas para que esse paciente seja atendido o mais rapidamente possível”.

Prefeito nega gratuidade de transporte a pacientes da madrugada

Pelos números do secretário, o Município destinará R$ 17 milhões aos hospitais públicos, filantrópicos e privados que aderirem ao Corujão. Cada hospital definirá sua janela de horário para a iniciativa --no caso do HCor, das 16 às 18h, e no Sírio Libanês e no Oswaldo Cruz, das 18h às 21h30 e das 16h às 22h, respectivamente. A Santa Casa atenderá os pacientes do mutirão a partir das 13h.

Questionado se as UBSs também vão abrir em horário estendido, o secretário alegou que a prefeitura faz “um novo estudo e dimensionamento” para que as unidades “realmente atendam o número de pessoas que elas têm de atender”. “Se pegarmos a população SUS dependente em São Paulo hoje, que é de 6 milhões de pessoas, e dividirmos por 20 mil que as UBSs deveriam atender, precisaríamos de 300 UBSs –temos 448. É fazer com que cada uma atenda um número adequado de pessoas. É tudo questão de gestão”, encerrou.

Sobre hospitais que disponibilizarem exames ao Corujão apenas na madrugada, o prefeito afirmou que é estudado pela Secretaria de Transportes se há linhas de ônibus nas localidades, nesses horários, mas negou que, caso necessárias, sejam gratuitas. “Não haverá gratuidade, haverá transporte – se necessário, até novas linhas, mas desde que não haja gratuidade”, avisou o tucano.