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Uma década após sanção de lei, uma em três casas do país ainda não tem esgoto

Esgoto depositado sem tratamento no bairro da Levada, Maceió - Beto Macário/UOL
Esgoto depositado sem tratamento no bairro da Levada, Maceió Imagem: Beto Macário/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

12/02/2017 04h00

Na casa de Raquel Abelardo, 36, o mau cheiro e os mosquitos são rotina. Segurando o neto de oito meses repleto de picadas de insetos, a dona de casa recebe o UOL na porta da pequena residência onde eles moram, no bairro da Levada, em Maceió, onde o esgoto corre a céu aberto a menos de dois metros da vila onde vive. 

A casa está em uma estatística que se tornou uma das marcas do Brasil: a falta de saneamento básico. Dez anos após sancionada a Lei do Saneamento Básico, uma em cada três casas do país ainda não têm esgoto ligado a rede. 
 
Um levantamento da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), com base nos dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), mostra que, em 2015 --ano com dados mais recentes disponíveis--, 34,7% dos lares brasileiros estavam fora da rede de esgoto, o que significa 69,2 milhões de pessoas sem acesso ao esgotamento sanitário com mínima qualidade.
Raquel Abelardo - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
Raquel Abelardo, 36, moradora do bairro da Levada, em Maceió, segura o neto em seu colo
Imagem: Beto Macário/UOL
 
“Hoje, as escolas brasileiras tê, mais acesso à Internet (41%) que a esgoto (36%). Não que não seja importante, mas mostra bem as prioridades do país”, afirma o presidente da Abes, Roberval Tavares.
O estudo da Abes fez um comparativo do crescimento entre 2008 e 2015. Os dados de 2006 e 2007 não foram usados porque, segunda a entidade, possuía uma metodologia diferente --o que impediria comparações fidedignas.
 
No esgotamento sanitário por rede, a cobertura avançou 6 pontos percentuais nesse intervalo de 7 anos, passando de 59,3% para 65,3%. Nesse período, 10,3 milhões de pessoas passaram a ter cobertura. 
 
O saneamento básico inclui outros dois itens, que têm melhor cobertura que o esgoto. O abastecimento de água, por exemplo, chegava a 85,4% dos lares em 2015. Já a coleta de lixo tem o melhor índice de cobertura entre os três quesitos, com 89,8% dos domicílios brasileiros atendidos. 
 
Mesmo assim, no Brasil, 29 milhões de pessoas permaneciam sem acesso ao abastecimento geral de água por rede, e 20,5 milhões, sem coleta de lixo.
 

Apenas 22,6% das casas no Norte têm esgoto

Além do alto índice de casas sem esgotamento sanitário, o país convive com outra realidade desafiante: nas diferenças regionais. Enquanto no Sudeste há 88,6% dos domicílios com esgoto ligado à rede, apenas 22,6% têm o serviço no Norte; ou 42,9%, no Nordeste. Sul (65,1%) e Centro-Oeste (53,2%) têm índices mais próximos da média nacional.
 
A diferença também faz parte da estatística de abastecimento de água, onde o Sudeste lidera mais uma vez com 92,2% das casas recebendo água, contra 60,2% do Norte. 
 
No quesito coleta de lixo, as desigualdades existem, mas em diferenças menores. Enquanto no Sudeste tem 96,4% dos domicílios atendidos, no Nordeste são 79,1%. 
 
Para entender como é a vida sem esgoto, basta voltar à casa de Raquel, na periferia de Maceió, onde a rotina de sia família é cercada por problemas. “Olha quantas picadas têm meu filho! Aqui não tem um dia sem mau cheiro, é muito difícil viver aqui. E os políticos só vêm na eleição, dizem que vão resolver, mas nunca fazem nada”, conta.
 
Toda a vizinhança de Raquel sofre sem acesso à esgoto e sujeira. “Meus filhos só vivem na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] com diarreia, febre, dor de cabeça. Até a água encanada está fedendo”, afirma a dona de casa Edjane Lima, 28, que mora no local há sete anos e tem três filhos.
 
A desempregada Rafaela Bezerra, 27, afirma que o problema se torna mais grave para ela porque sofre com asma. “Já é difícil para mim respirar, e com essas condições se torna bem pior, né?”, questiona. “E tem o mosquito da dengue também aqui em todo canto. Não adianta cuidar da minha casa e ter esse esgoto correndo na porta”, completa a camelô Elilde Bezerra, 43.

Só 30% dos municípios têm planos de saneamento

Um dos pontos considerados cruciais da Lei do Saneamento Básico é a exigência de um plano municipal de saneamento para que as prefeituras passassem a receber recursos federais. 
 
O prazo previsto era o final de 2013 – sete anos a partir da sanção da lei. Por conta das reclamações dos prefeitos, esse prazo foi alargado, inicialmente, até o fim de 2015; no final daquele ano, o governo federal editou nova regra estendendo para o final de 2017.
 
Porém, segundo informações do Ministério das Cidades, em 19 de outubro de 2016, apenas 1.692 municípios brasileiros (30% do total de 5.570) tinham plano de saneamento. Em 2011, o número de municípios com plano era de 608 (11%).  
 
Outros 2.091 municípios estavam em processo de elaboração. As demais cidades não tinham plano ou não deram informações sobre o documento.
 
Os dados apresentam ainda desigualdades regionais marcantes. Sul e Sudeste têm 80% dos municípios com plano já elaborado, com 693 e 662 cidades, respectivamente.
 
Nas demais regiões, os índices ainda são baixos: 184 no Nordeste, 99 no Norte e 54 no Centro Oeste.
 

Ministério busca maior investimento de empresas no setor 

Ao UOL, o Ministério das Cidades informou que nos dez anos da Lei, o ministério concluiu mais de 1.200 empreendimentos de saneamento básico, “que representam um investimento de R$ 20 bilhões em obras como abastecimento de água, drenagem urbana, esgotamento sanitário, etc.”.
 
O ministério disse ainda está garantindo o pagamento de obras já contratadas, mesmo com a crise de arrecadação, e aumentando os recursos da Secretaria Nacional de Saneamento. “A Pasta conseguiu a ampliação do valor da Lei Orçamentária Anual (LOA) para R$ 1,23 bilhão. Ou seja, 158% a mais em relação a 2016, que foi de R$ 475 milhões”, informa.
 
A pasta ainda busca maior investimento de empresas no setor para melhoria de índices. “Para isso, vale destacar ainda que há necessidade de criar condições para uma maior participação do capital privado nos investimentos, especialmente por meio de parcerias com os agentes financeiros”, afirma.