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Na ONU, ONGs denunciam blindagem à tortura no Brasil; embaixadora responde

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Imagem: iStock

Do UOL, em São Paulo

03/03/2017 17h33

Três organizações não governamentais denunciaram nesta sexta-feira (3) na ONU (Organização das Nações Unidas) o comportamento de juízes e promotores de Justiça que dificultam as investigações de casos de tortura e maus-tratos no Brasil. A embaixadora do país na ONU, Maria Nazareth Farani Azevêdo, pediu direito de resposta e afirmou que o governo federal está ciente da “natureza e do escopo dos desafios no sistema de Justiça criminal e no sistema prisional”, mas que as mudanças demandam tempo.

A denúncia teve como base o estudo “Tortura Blindada”, da Conectas Direitos Humanos, que o UOL divulgou com exclusividade em fevereiro.

Em discurso feito no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça), Paulo Lugon, representante da Conectas, da Pastoral Carcerária e da organização Justiça Global, mencionou os dados do estudo que acompanhou e analisou 393 audiências de custódia realizadas pela Justiça de São Paulo com presos que teriam sofrido violência.

“A conclusão decepcionante foi a de que o sistema de Justiça criminal está perpetuando a tortura”, afirmou Lugon. Em somente um caso, o juiz determinou a abertura de inquérito para investigar a suspeita de tortura e maus-tratos.

Na resposta, a embaixadora Maria Nazareth Azevêdo também citou medidas como a criação do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e disse que “o governo está trabalhando com os Estados e as autoridades locais, assim como o Judiciário, para reforçar e ampliar o programa [de audiências de custódia], de modo que ele atinja seus objetivos”.

“Mudança é urgente”

Vivian Calderoni, do programa de Justiça da Conectas, considerou positivo o fato de a embaixadora reconhecer a importância das audiências de custódia, mas cobrou mudanças rápidas. “As audiências de custódia não precisam de tempo, precisam de efetividade e, para isso, precisamos mudar a prática com urgência. Do contrário, elas não servirão para prevenir e combater a violência policial, mas para legitimá-la.”

Em paralelo à sessão do Conselho, Calderoni participou, em Genebra, do lançamento da pesquisa “Tortura Blindada”, que foi entregue ao Subcomitê de Prevenção e Combate à Tortura da ONU.

O que são as audiências de custódia

As audiências de custódia são consideradas instrumentos de combate e prevenção à tortura e aos maus-tratos em casos de prisões em flagrante. Os detidos têm de ser apresentados a um juiz até 24 horas depois da prisão. O magistrado analisa a legalidade da prisão, decide se ela dever ser mantida ou não e verifica se o detido foi vítima de violência.

A realização dessas audiências no país é uma iniciativa do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Elas estão previstas em pactos e tratados internacionais assinados pelo Brasil. Na cidade de São Paulo, onde a pesquisa foi feita, as audiências acontecem desde fevereiro de 2015.

Responsável pela condução dos trabalhos, o juiz é o primeiro a ter a palavra na audiência. Depois, é a vez de o promotor de Justiça se pronunciar. Por último, fala o defensor público ou o advogado do detido.

Uma resolução do CNJ determina que o juiz pergunte ao detido sobre o "tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus-tratos e adotando as providências cabíveis".

Tortura

A interpretação do crime de tortura feita pelo conselho inclui atos voltados para a obtenção de informações ou confissões, a aplicação de castigo, intimidação ou coação, além da "aflição deliberada de dor ou sofrimentos físicos e mentais".

A Constituição prevê reclusão de dois a oito anos para quem comete tortura e detenção de um a quatro anos para quem "se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las".

A pesquisa

No universo das audiências acompanhadas pela Conectas, a maioria dos detidos relatou ter sofrido algum tipo de violência --na maioria dos casos relatados (91%), a violência teria sido praticada por policiais. No entanto, parte dos juízes não tomou a iniciativa de introduzir o tema fazendo perguntas sobre ele. Esta omissão foi verificada em um terço das audiências.

O estudo também mostrou que uma parcela dos juízes tratou com desconfiança o relato do detido quando o assunto veio à tona na audiência. A Conectas não revelou os nomes de juízes e promotores cujas atuações foram analisadas. O estudo indica que entre os promotores a omissão diante de casos suspeitos de tortura é maior do que entre os magistrados.

A Conectas enviou no dia 20 de fevereiro representações ao corregedor-geral de Justiça, desembargador Manoel de Queiroz, e ao procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, para exigir mais rigor nas audiências de custódia em São Paulo.