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Autor de disparo contra menina pode ser responsabilizado mesmo sem bala, diz professor

A menina Ana Vitória, de 6 anos, foi baleada em frente de casa, na zona leste de SP - Arquivo pessoal/Divulgação
A menina Ana Vitória, de 6 anos, foi baleada em frente de casa, na zona leste de SP Imagem: Arquivo pessoal/Divulgação

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

04/03/2017 04h00

A equipe médica que atende a menina Ana Vitória, 6, no Hospital Municipal do Tatuapé (zona leste de São Paulo), ainda não definiu se a bala que a atingiu pelas costas, na última quarta-feira (1º), poderá ser retirada por meio de cirurgia --nem quando isso será feito. A criança foi baleada quando brincava em frente à casa onde mora com a mãe e a avó em uma favela da Vila Prudente, também na região leste da cidade.

Se retirado, o projétil ajudará a identificar de onde partiu o tiro que atingiu a menina: se de policiais militares ou de suspeitos que os teriam confrontado naquele dia, armados, segundo os PMs. Era final da tarde e Ana Vitória brincava. Ao ser socorrida pela avó, ela disse ter visto apenas policiais no local.

O projétil, entretanto, talvez não possa ser retirado do corpo de Ana Vitória antes que ela alcance a idade adulta, segundo a mãe da menina, Edvania Martins Rodrigues, 30. Para a Polícia Civil, que investiga o caso, e para um especialista na área criminal, contudo, a ausência da bala não impede a identificação e responsabilização do autor do disparo.

Delegado de polícia por 25 anos, o hoje doutor e professor da área de criminologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e diretor do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Edson Luís Baldan, afirmou que o exame de balística, apesar de “levar a uma convicção plena sobre a identidade da arma” de onde partiu o projétil --coletado da vítima ou das imediações onde ela estava--, não é o único dispositivo previsto no Código de Processo Penal para instruir as investigações do inquérito policial.

“A prova mais certa que leva a uma convicção plena sobre a identidade da arma é o exame de balística, pois ele permite o confronto microscópico entre o projétil da vítima, ou das imediações dela, e a arma apreendida. Seria uma espécie de prova irrefutável, do tipo prova ideal”, afirmou. “Mas o Código de Processo Penal prevê que, na impossibilidade de realizar esse exame, isso possa ser suprido pela prova testemunhal ou, por exemplo, por algum registro audiovisual --a falta da balística não inviabiliza a apuração dos fatos”, explicou.

Juiz dá o peso que quiser aos testemunhos, diz professor

Sobre as provas orais, ou testemunhais, Baldan afirmou que não é a idade ou a condição social das partes que deve dar mais ou menos peso a elas --já que os PMs são adultos e negam que tenham atirado, e a vítima, uma criança de seis anos, afirma tê-los visto atirar. “No que toca à valoração da prova, o direito brasileiro adota o princípio da livre apreciação da prova pelo magistrado: o juiz pode dar o peso que entender adequado a cada uma, não interessando idade ou função de quem fala. A sinceridade, por exemplo, pode ser importante em um depoimento infantil, assim como o interesse do policial ao depor e, eventualmente, omitir fatos. Isso é da natureza humana”, disse.

Além das provas testemunhais, as armas dos policiais foram recolhidas para perícia e eles foram submetidos a exame residuográfico para detectar se tinham resquícios de pólvora nas mãos --o que indicaria que atiraram.

Perícia e depoimentos vão auxiliar inquérito, afirma delegada

O caso é investigado pelo 56º Distrito Policial (Vila Alpina). A delegada-titular da unidade, Silvana Françolin, reforçou que, ainda que sem o projétil, a investigação prossegue.

“Precisaremos dos laudos da perícia --especialmente o residuográfico e o das armas apreendidas. Mas, como a bala entrou no corpo da vítima [pelas costas] e desceu [pelos ombros, até a axila], supomos que seja de calibre 32 ou 38. A PM geralmente usa a munição .40, mais agressiva, que geralmente não desce”, avaliou a delegada. “Mas as provas testemunhais serão importantes, já que o inquérito policial é uma investigação mais ampla, demanda por outras provas que não apenas no projétil”, definiu.

Conforme a delegada, na semana que vem as testemunhas começarão a ser ouvidas. Até lá, a expectativa é que Ana Vitória tenha alta do hospital. 

Sobre o tipo de munição usada pela PM, o professor de criminologia não foi enfático: segundo ele, “uma série de fatores que vão desde distância à regulagem das armas” é que definirão se o projétil, ainda que mais agressivo, tenha ou não a capacidade de se mover e se alojar no corpo da vítima.

“São muitas as variáveis: desde a qualidade dessa munição ao ajuste dessa arma, ou se é uma arma desgastada... Depende também da distância entre o atirador e o alvo. Tudo isso pode influenciar no resultado final”, concluiu Baldan.

“Podem se esconder dos homens, mas não de Deus”, diz mãe

A mãe de Ana Vitória afirmou que, até hoje, a filha passou apenas por procedimentos para a retirada de resíduos e para limpeza mais profunda do ferimento. “É muito delicado o local onde está a bala, na axila, pelo que os médicos explicaram. Agora ela aguarda para fazer uma série de exames como ultrassom e tomografia para avaliarem melhor”, disse.

Conforme a mãe, a filha confirmou a um a psicóloga, no hospital, a versão dada à avó, primeira pessoa a socorrê-la: a de que os PMs é quem teriam atirado. “Ela detalhou para a psicóloga o que viu”, disse. “Não estou agora procurando justiça: eles podem se esconder dos homens, mas não de Deus. Depois que ela estiver bem, pode ser que minha opinião seja outra e que queira que quem fez isso seja punido”, completou.

Batalhão dos policiais é o mesmo que os investigará

Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo informou que não é a Corregedoria da PM, mas o próprio batalhão onde estão lotados os PMs envolvidos no caso, o 21º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, que está investigando o caso pela PM. O pedido de investigação na Corregedoria havia sido feito ontem pela Ouvidoria da PM e pela Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana).

“A SSP esclarece que todas as circunstâncias relativas ao fato são objeto de apuração tanto pela Polícia Civil como pela Militar. O 56º Distrito Policial instaurou inquérito para apurar de onde partiu o disparo que atingiu a criança e agora procura por imagens de circuito interno e testemunhas que possam ajudar a esclarecer o caso, além de aguardar os laudos dos exames solicitados. Também vai agendar uma data para ouvir a vítima. A PM informa que o comando do 21º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, responsável pela área dos fatos, está apurando”, diz a nota.