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Frigoríficos utilizavam vitamina C para mascarar carne estragada, diz PF

Bruna Souza Cruz, Nathan Lopes e Gustavo Maia*

Do UOL, em São Paulo e no Rio

17/03/2017 11h10Atualizada em 20/03/2017 14h10

Além da corrupção de agentes públicos ligados ao Ministério da Agricultura, a "Operação Carne Fraca" deflagrada nesta sexta-feira (17) também verificou irregularidades feitas por empresas para adulterar alimentos. Entre elas, estava a utilização de carnes estragadas na composição de salsichas e linguiças.

A operação, com foco na venda ilegal de carnes por frigoríficos, deverá cumprir 38 mandados de prisão. Cerca de 1.100 agentes da Polícia Federal participam das ações.

A operação visa desarticular uma organização criminosa liderada por fiscais agropecuários federais do Ministério da Agricultura e empresários do agronegócio. "Os agentes públicos, utilizando-se do poder fiscalizatório do cargo, mediante pagamento de propina, atuavam para facilitar a produção de alimentos adulterados, emitindo certificados sanitários sem qualquer fiscalização efetiva", diz a PF.

Entre as empresas investigadas estão a JBS (maior processadora de carne bovina do mundo), a BRF Foods (que surgiu da fusão da Sadia com a Perdigão) e Seara. O UOL ainda não conseguiu ouvir as empresas nem o Ministério da Agricultura.

Em nota, a JBS negou irregularidades na produção e venda de carnes. Também em nota, a BRF diz que está colaborando com as autoridades e que cumpre as normas e regulamentos referentes à produção e comercialização de seus produtos.

Carne estragada com vitamina C

Segundo as investigações, a Peccin Agro Industrial, por exemplo, "maquiava" os produtos com ácido ascórbico, substância popularmente conhecida como vitamina C, mas que tem potencial cancerígeno quando consumido em excesso.

A ingestão recomendada para um adulto é de 45 mg, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Ainda segundo a OMS, doses excessivas da vitamina C são consideradas tóxicas e podem resultar distúrbios gastrointestinais, cálculos renais, problemas na absorção de ferro, entre outras complicações.

Eduardo Tondo, professor de microbiologia de alimentos do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFRGS, explica que o ácido ascórbico é usado para manter a cor rosada da carne em produtos curados, processados, como salame e presunto.

"O problema do uso de aditivos é que a carne que estava estragada aparenta não estar mais. Aí a pessoa come, e causa surto de intoxicação", explica.

“Dependendo da dose, o ácido ascórbico pode ser cancerígeno. Carne processada recebe aditivos para conservar e manter a segurança, e não há problema se a dosagem for respeitada. Mas para carne in natura, não pode ter nenhum aditivo. O uso em carne in natura é fraude", acrescentou.

O delegado da Polícia Federal Maurício Moscardi Grillo disse que algumas das empresas investigadas usavam ácido e outros elementos químicos muito acima do permitido por lei para maquiar o aspecto físico de alimento vencidos e estragados. "Alguns são cancerígenos e usados para poder maquiar a característica física", afirmou.

Além disso, a Peccin utilizava notas fiscais falsas de produtos com SIF (Serviço de Inspeção Federal) para a compra de carne estragada. Um laboratório responsável por analisar as amostras de produtos alimentícios também estaria envolvido na fraude.

Fraude em merenda escolar

De acordo com os investigadores, o frigorífico Souza Ramos estaria envolvido num esquema de fraude, junto a outras duas empresas, no fornecimento de merenda escolar no Estado do Paraná.

Os produtos oferecidos estariam em desacordo com as exigências contratuais, como salsichas contendo carne de frango quando deveriam ser compostas por carne de peru. O caso está já estava sendo investigado e resultou na suspensão da entrega da merenda escolar e na abertura de um processo administrativo.

Carne estragada

Outra empresa que teria vendido carne estragada é o frigorífico Larissa. De acordo com as investigações, a companhia também seria responsável por emitir notas fiscais falsas e transportar produtos fora da temperatura adequada.

Para o delegado Grillo, as irregularidades "causavam revolta". "Usar cabeça de porco, animal morto de tempos, carne estragada… Tudo para fazer esse tipo de produto, principalmente, salsicha, linguiça", disse durante entrevista coletiva.

Confira a seguir um diálogo entre o dono do frigorífico, Paulo Rogério Sposito, e um funcionário:

Funcionário: "(...) Nós temos uma carga de barriga, mas aquela uma lá que tem que trocar a etiqueta. Cê lembra?”
Paulo: “Ah, mas e daí? Troca ué”.
Funcionário: “Sim, mas daí eu tenho que trocar ela no final de semana né... que o rapazinho não tá aqui. porque ela tá vencida”.
Paulo: “Então...mas ela tá onde?”
Funcionário: “Eu acho que tá lá no armazém lá de baixo”
Funcionário: “Seu Paulo?”
Paulo: “Oi”.
Funcionário: “Achamos umas paletas 127, que estão vencidas desde fevereiro. Manda embora ou deixa na produção pra eles usar?”
Paulo: “Deixa na produção pra eles usar (...)”

A reportagem tentou, às 10h45, contato com o frigorífico Larissa, de Mauá (SP), mas foi informada que só Paulo Rogério Sposito, dono da empresa, poderia falar. No entanto, ele estava em reunião.

O UOL também ligou para a Peccin Agro Industrial, mas um funcionário da portaria informou que não havia ninguém disponível para prestar esclarecimentos.

Juiz diz que prática é modus operandi

Referindo-se ao grupo criminoso composto por proprietários e representantes de frigoríficos, "incluindo grandes da indústria de alimentos, como Seara e BRF", o juiz federal Marcos Josegrei da Silva, 14ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, afirmou que todos eles "têm como modus operandi a prática de irregularidades nas empresas nas quais trabalham".

"Algumas que foram observadas ao longo do tempo de investigação, com certas variações entre os envolvidos (nem todos cometem todas as irregularidades adiante): reembalagem de produtos vencidos; excesso de água; inobservância da temperatura adequada das câmaras frigoríficas; assinaturas de certificados para exportação fora da sede da empresa e do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), sem checagem in loco; venda de carne imprópria para o consumo humano; uso de produtos cancerígenos em doses altas para ocultar as características que impediriam o consumo pelo consumidor", resumiu.

*Colaborou Fernando Cymbaluk