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No 7º ano de seca, metade dos reservatórios do semiárido está abaixo de 10%

Barragem de Jucazinho, no agreste pernambucano, está vazia por causa da seca - Compesa
Barragem de Jucazinho, no agreste pernambucano, está vazia por causa da seca Imagem: Compesa

Carlos Madeiro e Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió (AL) e Caruaru (PE)

29/05/2017 04h00Atualizada em 29/05/2017 13h10

Entrando no sétimo ano consecutivo de seca, o semiárido brasileiro está com 17% do volume de água, e o total não seria capaz de encher o maior açude da região. O dado é do sistema Olho N’Água, do Insa (Instituto Nacional do Semiárido) e da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande), que pela primeira vez fazem uma soma em tempo real do volume de todos os reservatórios em nove Estados. Cerca de 24 milhões de pessoas, em 1.133 cidades do semiárido, são diretamente afetadas por esta seca.

A capacidade de água dos reservatórios monitorados é de 33 bilhões de m³, mas hoje o volume total deles é de apenas 5,6 bilhões de m³ --ou 16,9% do total. Cada metro cúbico equivale a mil litros de água. Atualmente, 50,5% dos reservatórios está com menos de 10% da capacidade máxima.

Para dar ideia da situação, toda a água armazenada no semiárido inteiro não seria capaz de encher o açude do Castanhão, em Jaguaribara (CE), que tem capacidade para 6,7 bilhões de m³ e hoje está com apenas 5,8% do volume máximo. O açude é o maior reservatório do semiárido e abastece Fortaleza. Sem outra opção à vista para captar água, o governo cearense lançou edital para contratar empresas que desenvolvam projetos de dessalinização da água do mar. 

"É uma situação grave, que ainda não havia sido registrada. Realmente nunca chegamos a uma situação tão crítica", afirma Salomão de Sousa Medeiros, doutor em recursos hídricos e diretor do Insa.

Os dados do sistema incluem os reservatórios dos Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Apesar de estar no Nordeste, o Maranhão não tem área no semiárido. 

Os números ficam ainda mais preocupantes quando destrinchados por Estado. Em Pernambuco, os reservatórios não possuem nem 5% da capacidade total. Na Paraíba, esse volume só chega a 10%. 

"Os reservatórios não tiveram recarga esses anos. Se não fosse a inauguração do eixo leste da transposição do rio São Francisco, Campina Grande e municípios do entorno, por exemplo, estariam sem água. Antes da obra, o açude de Boqueirão estava com 2,7% da capacidade e já estamos com 5,1% lá mesmo sem chuva", explica.

Grandes centros sofrem com racionamentos

Maria das Dores Gouveia - Aliny Gama/UOL - Aliny Gama/UOL
Maria das Dores Gouveia reutiliza água do banho e da máquina de lavar durante os 15 dias sem água em Caruaru (PE)
Imagem: Aliny Gama/UOL
Os dados do sistema revelam que a situação é mais crítica justamente nos maiores reservatórios --e que precisam de mais chuvas para encherem. Isso tem levado cidades de grande porte do interior a sofrerem com racionamentos cada vez mais severos. 

Um dos casos é Caruaru (130 km do Recife), no agreste pernambucano, que tinha grande parte da cidade abastecida pela barragem de Jucazinho, localizada em Surubim. O reservatório secou pela primeira vez na história, em setembro de 2016.

A situação foi se agravando, e os mais de 350 mil habitantes enfrentam, desde abril, um rodízio no abastecimento que dura até cinco dias com água nas torneiras e 20 sem o líquido.

A família da professora Joseneide Barbosa, 60, conta que passou a comprar água por conta do novo calendário. "Temos dois reservatórios, mas que não dão para acumular água para os 20 dias. E a seca está tão severa que estamos com dificuldade de encontrar caminhões com água para vender. Quando conseguimos, só chega dois dias depois", conta ela. O carro com 9.000 litros custa R$ 250.

Acostumada com outras secas, a aposentada Maria das Dores Gouveia, 79, explica que já possuía dois reservatórios em casa, com capacidade para 8.000 litros de água. Mas, com o novo racionamento, diz que passou a reutilizar água do banho e da máquina de lavar roupa para descarga no banheiro. "Nos 15 dias que não recebemos água, tomamos banho com balde", diz.

Joseneide Barbosa - Aliny Gama/UOL - Aliny Gama/UOL
Moradora de Caruaru (PE), Joseneide Barbosa diminui o volume na torneira para economizar água; em seu bairro, Pinheirópolis, são 20 dias sem água nas torneiras
Imagem: Aliny Gama/UOL
A Compesa (Companhia de Saneamento de Pernambuco) informou que o racionamento precisou ser ampliado em abril por conta da diminuição do volume de água da barragem do Prata, localizada no município vizinho de Bonito. O manancial está atualmente com 30% de sua capacidade, após fortes chuvas recentes.
 
A empresa disse ainda que investiu R$ 60 milhões no Sistema Adutor do Pirangi, que entrou em operação em março e hoje ajuda no abastecimento de Caruaru e outras cidades da região agreste. Também prometeu instalar conjuntos de bombas para aumentar a vazão do sistema do Prata e melhorar o abastecimento.
 

Maior reservatório de Pernambuco tem 2,3% de água

Outros grandes açudes do Nordeste também estão em situação crítica. Na Paraíba, o maior complexo, que inclui os açudes conjugados Coremas e Mão d'Água, no município de Coremas, estão com 7% da capacidade. 

O maior reservatório do semiárido de Pernambuco, o açude Engenheiro Francisco Saboya, em Ibimirim, está com nível crítico, com apenas 2,3% do total.

Castanhão - Honorio Barbosa - 19.fev.17/Agência Diário - Honorio Barbosa - 19.fev.17/Agência Diário
Região do açude Castanhão, que está em nível crítico
Imagem: Honorio Barbosa - 19.fev.17/Agência Diário
No Rio Grande do Norte, o maior reservatório é o açude Armando Ribeiro Gonçalves, que está com 18,9% do total da capacidade. Localizado entre as cidades de Itajá e São Rafael, a construção é o segundo maior reservatório de água do semiárido, com capacidade para 2,4 bilhões de m³.

No Piauí, os dois maiores açudes apresentam situações distintas. A barragem de Algodões 2 está com 15% do volume máximo, e o açude Jenipapo, com 92%.

Bahia, Minas, Sergipe e Alagoas têm menos reservatórios, já que têm boa parte das cidades abastecidas pelo rio São Francisco.

Pior cenário de chuvas afeta abastecimento

Segundo Roberto Pereira, meteorologista da Apac (Agência Pernambucana de Águas e Clima), além de escassas desde 2012, as chuvas não ocorreram de forma equilibrada entre as áreas da região. "No agreste, por exemplo, teve ano que choveu 30% do esperado", diz.

Ele conta que os registros pluviométricos guardam dados desde o início do século 20 e devem apresentar o pior cenário ao final do ano. "As séries históricas --dentro de cem anos de dados das estações de que temos esse acompanhamento-- não apontam uma seca tão prolongada, caso realmente complete este ano. Não temos dados de séculos anteriores para comparar", explica.

A tendência, conta Pereira, é que a baixa de chuvas se repita em 2017. "O sertão teve a quadra chuvosa de janeiro a abril e foi bem abaixo do normal: apenas 70% do que era esperado", conta, citando que para o agreste e zona da mata o período de chuva vai até julho. "Mas abril já não foi bom, e maio também não está sendo. Mas ainda temos quase três meses para chover mais, embora o cenário seja de previsão de chuva abaixo do normal", diz. 

O meteorologista explica ainda que, além de ser necessário chover muito acima da média para recarregar os reservatórios, é preciso também que haja concentração das precipitações. 

"A questão também é como se comportam as chuvas. Ela pode ser fraca e persistente --e aí, mesmo que fique na média, não é bom para encher reservatório porque provocam pouco escoamento. Já aquela chuva mal distribuída em poucos dias, embora seja ruim para agricultura, ajuda mais", completa.