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Um em cada cinco municípios tem grave problema com crack, dizem prefeituras

Usuários de crack que foram expulsos da cracolândia, com a operação de forças do Estado e da Prefeitura de São Paulo, no dia 21 de maio - Nelson Antoine/UOL
Usuários de crack que foram expulsos da cracolândia, com a operação de forças do Estado e da Prefeitura de São Paulo, no dia 21 de maio Imagem: Nelson Antoine/UOL

Clayton Freitas

Colaboração para o UOL, em São Paulo

30/05/2017 04h00

A situação vivida na cracolândia, na região da Luz (centro de São Paulo), é apenas a ponta do iceberg do crack no país. Um levantamento aponta que a droga é um grave problema para 1.155 municípios brasileiros, um quinto (20,7%) dos 5.570 existentes. A informação vem dos próprios prefeitos em relatos feitos ao Observatório do Crack, um monitoramento realizado pela CNM (Confederação Nacional dos Municípios). 

O banco de dados classifica os problemas relacionados ao uso do crack como alto, médio e baixo. Se somados todos os níveis de problemas relacionados à droga, chega-se à conclusão de que ela está presente em pelo menos oito de cada dez municípios brasileiros (78,5%). O número pode estar subestimado, já que 945 (17%) dos municípios não responderam. Somente 5% (252) informaram não ter de administrar problemas relacionados ao crack. 

Em números absolutos, o Estado de São Paulo é o que reúne maior número de cidades com graves problemas gerados pela presença do crack. São 193, pouco menos de um terço dos 644 municípios paulistas. Minas Gerais ocupa a segunda colocação, com 191 municípios nesta situação, de um total de 852. 

As informações coletadas pelo Observatório do Crack começaram a ser tabuladas em 2010, em uma das marchas que os prefeitos fizeram a Brasília. Trata-se apenas de um mapeamento da circulação da droga e das dificuldades enfrentadas pelos gestores. Eles não mensuram, por exemplo, quantos usuários existem nestas cidades nem quantos são atendidos.

O dado mais recente sobre o consumo da droga no país dá conta de que são 2 milhões de usuários de crack. Porém ele está defasado, já que foi elaborado em 2010 numa parceria da Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). À época foram detectadas 29 cracolândias em 17 capitais brasileiras.

Para fomentar o painel da confederação, os prefeitos recebem questionários com 26 perguntas. Nelas, eles informam se a presença do crack impacta áreas como saúde, assistência social, educação e segurança das suas administrações. Ao final, é o próprio gestor --geralmente acompanhado de sua área técnica-- quem irá classificar se o nível do problema. Não existem “pré-requisitos” a serem preenchidos.

“Quando um gestor indica que o nível do problema é alto, significa praticamente um pedido de socorro”, afirma Paulo Ziulkoski, presidente da confederação.

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Imagem aérea da cracolândia, em São Paulo, em 18 de janeiro de 2017, um dia após enfrentamento entre PMs e dependentes químicos
Imagem: Felipe Rau/Estadão Conteúdo

“Interiorização”

O número atual de cracolândias no país, em menor ou maior escala do que a da capital paulista, é uma incógnita. Até 2012, quando teve fim o programa federal “Crack, É Possível Vencer”, só cidades com mais de 200 mil habitantes eram atendidas. 

A CNM não descarta a existência de novas cracolândias. Porém não é objeto de estudo e do formulário que envia às prefeituras. A maior preocupação da entidade é a de que o crack vem se alastrado para cidades do interior dos Estados. Segundo a CNM, nestes locais geralmente não há política pública para tratamento de dependentes químicos.

Ainda na avaliação da CNM, o fato de um quinto dos municípios não responder aos questionários se dá pelo receio de alertar moradores e, sobretudo, afugentar investidores.

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Usuários de crack circulam pela região da Cracolândia paulistana em 22 de maio de 2017, um dia depois da operação que visou eliminar concentração
Imagem: Nelson Antoine/UOL

Contrastes

A maciça presença do crack nos municípios contrasta com a pequena rede de assistência. Em todo o país, segundo os próprios prefeitos, são 479 equipamentos específicos para tratamento de dependentes químicos de drogas, sendo 34 deles apenas conselhos municipais de políticas sobre drogas e outros 445 Caps (centros de atenção psicossocial), onde é oferecido atendimento e acompanhamento para quem quer se livrar da dependência química. A maior concentração se dá no Estado de São Paulo, que reúne, sozinho, 59 Caps.

Outros equipamentos de atendimento são voltados à assistência social, e não somente ao tratamento. Somados, chegam a 553, sendo 395 Cras (Centro de Referência e Assistência Social) e outros 164 Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social).

É justamente a ausência de equipamentos públicos a principal queixa dos gestores, segundo o Observatório do Crack. Sem eles, não há como tratar demandas como crise de abstinência, início de overdose e desintoxicação, sem falar na assistência aos familiares. A alegação é a de que não há verba suficiente para criá-los.

A CNM fez um recorte da situação do crack no Sudeste, que reúne os Estados mais ricos do país. Nele, constatou que os impactos mais recorrentes pela presença do crack se dá na rede de saúde (67,1%), assistência social (57,5%) e segurança (49,1%).