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Conheça a "guardiã" que resgatou dezenas de cães e gatos da antiga cracolândia de SP

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

01/06/2017 04h00

Há dois anos, um catador de materiais recicláveis parou na porta da comerciante Maria das Graças Bernardino, 57, em São Paulo, e pediu que ela cuidasse do cachorro de estimação que o acompanhava. “Ele me disse que viria de vez em quando e me ajudaria com o dinheiro da ração”, recorda.

O cão vira-lata ficou com Maria das Graças e é hoje um dos “cerca de” 60 animais (ela diz que perdeu as contas) que a comerciante abriga no estabelecimento localizado na alameda Dino Bueno, na região da Luz (centro), perto do cruzamento com a rua Helvétia --no coração da cracolândia que acabou dispersada no último dia 21 pela Polícia Militar e a GCM (Guarda Civil Metropolitana). Outra cracolândia, porém, acabou se formando na praça Princesa Isabel, a cerca de 400 metros dali.

A pensão de Maria das Graças fica na rua Dino Bueno, na Luz, região central de SP - André Lucas/UOL - André Lucas/UOL
A pensão de Maria das Graças fica na rua Dino Bueno, na Luz, região central de SP
Imagem: André Lucas/UOL

Segundo a comerciante, o catador de recicláveis era usuário de crack, assim como os antigos donos dos cães e gatos que ela pegou para criar nos últimos três anos. Alguns foram entregues de maneira voluntária, ela diz; outros foram abandonados na pensão ou na rua, mas dezenas acabaram recolhidos compulsoriamente porque eram agredidos ou estavam em condições precárias de saúde e de higiene.

Paraibana de Guarabira, Maria das Graças diz que a pensão é um dos imóveis que a Prefeitura quer demolir no projeto de revitalização da área com base em decretos de utilidade pública. Depois da operação do dia 21, contudo, a demolição de um deles deixou feridos três hóspedes de uma pensão vizinha à da comerciante e fez com que a Justiça paulista concedesse liminar à Defensoria Pública do Estado para proibir a Prefeitura não apenas de seguir com as demolições, mas também de fazer a remoções dos moradores. O Município já informou que vai recorrer.

“Eu estava com extintores vencidos e com as condições de alvará da pensão irregulares, admito. Queria que entendessem o seguinte: quem conseguia chegar até aqui para fazer uma inspeção com o ‘fluxo’ dos usuários aqui na minha porta? Querer demolir aqui é colocar todo mundo na mesma situação; como que eu vou viver se me tirarem da minha pensão?”, ela questiona, para observar, em seguida: “Eu tinha mais de 20 hóspedes aqui até a operação do dia 21. De repente, só tenho dois – e minha neta e minha bisneta”.

A comerciante está há 15 anos no bairro - André Lucas/UOL - André Lucas/UOL
A comerciante está há 15 anos no bairro
Imagem: André Lucas/UOL

Além dos “filhos” de quatro patas, Maria das Graças tem duas filhas biológicas que não moram com ela. “Uma delas costuma me dizer que gosto mais dos cachorros e dos gatos do que delas. Que absurdo!”

Como alimenta essa bicharada que se espalha pelos cômodos e móveis da pensão? “Eu pagava do meu próprio bolso os R$ 400 semanais para os quatro sacos de ração com 25kg cada. O que eu ganhava com a pensão, praticamente, usava para me alimentar e para alimentar os animais, para castrá-los e vaciná-los. Depois da operação da PM e da Prefeitura, aconteceu quase que um milagre: uma ONG veio aqui e fez umas doações. Está chovendo ração, e isso é o que tem me ajudado”, diz. "Mas aceito toda ajuda nesse sentido", arremata.

O que ela espera daqui em diante, sem a cracolândia à porta de casa, mas ante o risco de ser removida de onde está há 15 anos? “Minha pensão está praticamente vazia de hóspedes, o povo da cracolândia só mudou de lugar –são pessoas que foram jogadas em outro espaço, mas estão na mesma situação de animais. Por mim, eu arrumava outro canto e ia embora daqui. Mas se tratassem essas dependentes químicos como seres humanos, já estava de bom tamanho.”

E por fim, mas não menos importante: quantos animais há, afinal, acolhidos por ela? "Parei de contar quando deu 60. E isso faz tempo."

*

Serviço

Maria das Graças aceita doação de voluntários que queiram ajudá-la com rações para os cães e gatos acolhidos. Os interessados podem procurá-la na alameda Dino Bueno, nº 119, na Luz, próximo ao cruzamento com a rua Helvétia.