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Setor imobiliário entrega a Doria plano para implantar "bonde moderno" no centro de SP

Veículo Leve sobre Pneus poderá circular pelos principais pontos centrais da cidade - Divulgação
Veículo Leve sobre Pneus poderá circular pelos principais pontos centrais da cidade Imagem: Divulgação

Guilherme Azevedo

Do UOL, em São Paulo

03/06/2017 04h00

A Prefeitura de São Paulo avalia a possibilidade de construir uma linha circular interligando os principais pontos do centro da cidade. Um dos modais de transporte em análise é o VLP (Veículo Leve sobre Pneus), espécie de "bonde moderno".

De autoria do escritório do arquiteto Jaime Lerner, o projeto foi encomendado e pago pelo Secovi-SP (sindicato das empresas do mercado imobiliário e condomínios no Estado de São Paulo) e entregue à prefeitura.

Reunião realizada no gabinete do prefeito João Doria Jr. (PSDB), no dia 6 de abril último, tratou do projeto, com a presença de Lerner, do arquiteto Paulo Kawahara e dos secretários municipais Heloísa Proença (Urbanismo e Licenciamento) e Sérgio Avelleda (Transportes).

Por meio de sua assessoria de comunicação, a prefeitura confirmou que analisa o projeto e que apenas uma agenda oficial do prefeito teria tratado do assunto até agora, mas não quis dar mais detalhes.

Conforme apurou o UOL, o projeto está concentrado nas mãos de Proença, que assumiu a pasta de Urbanismo na gestão Doria com o apoio de entidades do setor imobiliário, como o Secovi.

Linha circular com 12,8 km de extensão

Conforme a proposta apresentada, a linha circular somaria 12,8 km de extensão total, dividindo-se em dois sentidos. No sentido horário, teria 5,8 km de extensão e 18 paradas. No sentido anti-horário, seguiria por 7 km, com 20 paradas.

Municipal - Reprodução/UOL - Reprodução/UOL
O Theatro Municipal, por onde passaria a linha circular
Imagem: Reprodução/UOL
O objetivo é que faça o transporte entre as principais localidades e equipamentos culturais do centro, como a praça da República, os largos do Arouche e do Paissandu, a Estação Pinacoteca, a Sala São Paulo e o Theatro Municipal. A extensão e a direção do traçado final estão em discussão. A linha teria semelhanças com a linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) Carioca, que interliga áreas da região central do Rio.

No caso de a escolha recair no VLP (outros modais, como VLT e mesmo uma linha exclusiva de ônibus, são cogitados), as composições utilizariam vias de tráfego (ruas e avenidas) já existentes na região e poderiam compartilhar o espaço com os veículos que hoje por ali circulam. Não haveria desapropriações de imóveis nem interferências na paisagem do entorno. A linha também seria um incentivo à menor circulação de automóveis na região.

O VLP correria numa vala central e seria alimentado por energia elétrica via catenárias (ligadas à rede aérea de energia, como no caso dos trólebus e dos antigos bondes paulistanos, que circularam pela última vez na capital paulista em 1968, cedendo espaço para os automóveis).

Um dos fabricantes mundiais de VLP oferece composições de três e até seis carros interligados, com capacidade para até 358 passageiros.

Eduardo Della Manna, coordenador executivo de legislação urbana do Secovi-SP, disse ao UOL que o projeto é uma "contribuição que o sindicato queria dar para a cidade de São Paulo" e atende a uma convocação do próprio Doria à participação cidadã. A entidade disse não ter outro interesse além do de contribuir com o desenvolvimento e a melhoria da atratividade da região central.

"Na percepção do Secovi, a implantação de um modal como esse no centro, com os outros modais de transporte já existentes, como o trem e o metrô, contribui para o reflorescimento da região", frisa Della Manna.

Para ele, seria mais um indutor de desenvolvimento de áreas degradadas e abandonadas, citando a região da Luz que ficou conhecida por cracolândia, onde a prefeitura e o governo estadual têm agido para a "revitalização urbana", de forma questionada por entidades e especialistas.

Lerner - Maurílio Cheli/Folha Imagem - Maurílio Cheli/Folha Imagem
O arquiteto Jaime Lerner, que também foi governador do Paraná e prefeito de Curitiba
Imagem: Maurílio Cheli/Folha Imagem
O arquiteto Paulo Kawahara, sócio do escritório Jaime Lerner Arquitetos Associados e um dos autores da ideia, ressalva que se trata, antes, de "um conceito que está sendo avaliado" e, por isso, poderá ser alterado e mesmo rejeitado na íntegra pela prefeitura paulistana.

Kawahara pontua que o projeto, sozinho, não "é suficiente" para revitalizar o centro de São Paulo. "São necessárias outras ações no campo social, econômico, ambiental."

O arquiteto afirmou ainda que o escritório de Lerner não foi contratado pela gestão Doria e não está, portanto, trabalhando em propostas urbanísticas para a chamada região da cracolândia, como já foi noticiado.

Um cálculo inicial citado pelo Secovi-SP indica que cada km de VLP construído teria o custo de R$ 80 milhões. Considerando o projeto para a linha com 12,8 km de extensão, o custo total chegaria a R$ 1,024 bilhão.

Questionamentos

O arquiteto e urbanista Moreno Zaidan, bacharel e mestre pela FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) e especialista em planejamento urbano, explica que o projeto depende de algumas ponderações e respostas preliminares para questões: com que propósito a linha vai funcionar, que tipo de viagem vai atender, como isso estará articulado na rede geral de transportes e para qual faixa de velocidade?

"Só depois dessas questões resolvidas", diz Moreno Zaidan, "é que se vai ver a questão do desenho urbano desse equipamento na superfície de uma área, como a do centro, que tem alta circulação de pedestres, veículos, comércio. Como serão as estações?". Ele frisa que se pode resolver essas questões "bem ou mal".

Um outro questionamento ao projeto, segundo o especialista, seria o de sua real necessidade para a cidade. "Ele é de fato uma prioridade? Não seria mais importante investir esse dinheiro em outros corredores de transporte? Isso precisa ser discutido."