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Evangélicos da Marcha rejeitam lideranças religiosas na política e apoiam "respeito a gays", diz pesquisa

Fieis participam da 25ª edição da Marcha Para Jesus, na avenida Tiradentes, em São Paulo (SP), nessa quinta (15) - Leonardo Benassatto/Framephoto/Estadão Conteúdo
Fieis participam da 25ª edição da Marcha Para Jesus, na avenida Tiradentes, em São Paulo (SP), nessa quinta (15) Imagem: Leonardo Benassatto/Framephoto/Estadão Conteúdo

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

16/06/2017 16h30

Uma massiva falta de identificação com a classe política, uma expressiva rejeição a lideranças evangélicas e às reformas que políticos dela própria são signatários e a defesa a que ambientes como a escola “deveriam ensinar a respeitar os gays”. É isso o que pensa a maior parte dos evangélicos que participaram nessa quinta-feira (15) da 25ª edição da Marcha para Jesus no centro e região norte de São Paulo, segundo uma pesquisa qualitativa divulgada nesta sexta (16).

O levantamento foi coordenado pelos professores da área de Ciências Sociais Esther Solano, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Marcio Moretto Ribeiro e Pablo Ortellado, da USP (Universidade de São Paulo), com apoio da Fundação Friederich Ebert. Ao todo, foram entrevistados 484 participantes da Marcha, com margem de erro de 4.5%.

15.jun.2017 - Fiéis participam da 25º edição da Marcha para Jesus, na capital paulista. Os participante acompanham oito trios elétricos em direção à praça Heróis da Força Expedicionária Brasileira, próximo ao Campo de Marte - Suamy Beydoun/Agif/Estadão Conteúdo - Suamy Beydoun/Agif/Estadão Conteúdo
Imagem: Suamy Beydoun/Agif/Estadão Conteúdo

A pesquisa levou em consideração as “identidades políticas, guerras culturais e posicionamento frente a debates atuais sobre política” dos entrevistados e ouviu maiores de 16 anos por toda a extensão da Marcha –que partiu da estação da Luz, no centro, e encerrou com apresentações musicais na praça Herois da FEB (Força Expedicionária Brasileira), na zona norte.

Entre os entrevistados, a maioria era composta por mulheres (55,6%) e por fiéis com ensino médio completo e superior completo (respectivamente, 39,3% e 30,8%) e renda familiar de três a cinco salários mínimos (28,7%), idades entre 16 e 24 e 34 a 44 anos (respectivamente, 26,7% e 26,4%) e de cor branca, parda e preta (respectivamente, 38,2%, 36,2% e 21,1%).

Na análise da identificação política, a maioria (66,5%) disse não se reconhecer nem de direita (10,1%), esquerda (6%), centro-direita (3,3%), centro-esquerda (1,9%) ou de centro (1,2%). Ao todo, 11% não souberem responder. Por outro lado, a maior parte dos entrevistados se considera “muito conservadora” (45,5%) e “nada antipetista” (39,9%, diante de 36,8% que se declararam “muito antipetista”).

Da mesma maneira, uma maioria de 76,9% se mostrou não identificada a nenhum partido político –com legendas como PSC (1,2%) e PRB (0,4%), com nomes de liderança na bancada evangélica, por exemplo, com índices de confiança abaixo de partidos tradicionais e envolvidos em escândalos de corrupção como PSDB (7%) e PT (5,8%).

Para a coordenação da pesquisa, chamaram a atenção não só a pouca confiança em partidos da bancada, mas também uma maioria dizer que “não confia” em políticos historicamente mais ligados aos evangélicos, como o deputado Jair Bolsonaro, do PSC (57,4%), a ex-senadora Marina Silva, da Rede (57%), o pastor e deputado federal Marco Feliciano, do PSC (54,1%), e o pastor e prefeito do Rio Marcelo Crivella, do PRB (53,9%). O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), lideram o ranking dos menos confiáveis com, respectivamente, 83,7% e 61,4%.

15.jun.2017 - Fiéis participam da 25º edição da Marcha para Jesus, na capital paulista. Diversos shows de música gospel ocorrem em palco montado próximo ao Campo de Marte - Suamy Beydoun/Agif/Estadão Conteúdo - Suamy Beydoun/Agif/Estadão Conteúdo
Imagem: Suamy Beydoun/Agif/Estadão Conteúdo

Opinião sobre debates políticos

A expressiva maioria dos entrevistados também rechaçou que, em momento de crise, “o governo precisa cortar gastos, inclusive em saúde e educação”: 91,9% disseram não concordar com a afirmação, contra 6,8% que responderam que concordam. A base para a pergunta foi a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 241, ou PEC do Teto, aprovada em dezembro passado pelo Senado, sob protestos, e que limita o aumento dos gastos federais por até 20 anos.

Indagados se “quem começou a trabalhar cedo deve poder se aposentar cedo sem limite mínimo de idade?” –pergunta baseada na reforma da Previdência, proposta pelo governo de Michel Temer (PMDB) --, 86,6% afirmaram concordar, contra 10,7% que disseram discordar.

Os posicionamentos contrastam, por exemplo, com a opinião do apóstolo Estevam Hernandes, fundador da Marcha para Jesus e da Igreja Renascer –à qual pertence, aliás, a maioria (59,9%) dos ouvidos na pesquisa. Em entrevista ao UOL ontem, durante a Marcha, Hernandes negou ser favorável ao impeachment ou à renúncia de Temer e, indagado sobre o que o público evangélico espera de um Congresso substancialmente envolvido em escândalos de corrupção, respondeu: "Que se votem projetos fundamentais à retomada da economia, como as reformas Trabalhista e Previdenciária”, posicionou-se, na ocasião.

Marcha para Jesus em São Paulo - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
Imagem: Janaina Garcia/UOL

“Marcha é o rosto da população brasileira”, diz socióloga

Para a socióloga Esther Solano, uma das coordenadoras da pesquisa, a Marcha teve muito mais representatividade de diferentes segmentos sociais do que havia sido observado nas pesquisas em atos pró-impeachment ou “Fora, Temer”.

“Nos atos contra Temer ou contra Dilma, a mobilização era muito mais polarizada, com muito mais gente da classe média, branca, muito escolarizada e declarada de ensino superior completo. Isso não representa o que é, majoritariamente, a população brasileira. O que vimos ontem [durante a Marcha] é o rosto da população, com muito mais pardos, pretos, renda muito menor e muito mais gente [a organização estimava 2 milhões de participantes ao longo do dia]”, afirmou a pesquisadora.

Por outro lado, ela observou um descolamento entre o discurso das lideranças políticas evangélicas e a base de fiéis, já que partidos e políticos da bancada evangélica não foram exatamente bem avaliados.

“O nível de confiança da base em algumas das lideranças evangélicas mais representativas é muito baixo. Sobre casos como o dos pastores Marco Feliciano e Marcelo Crivella, ouvimos que a pessoa confia nessas figuras ‘como pastor, não como político’. Isso demonstra um descolamento: são lideranças representantes dos evangélicos, mas não são reconhecidas por eles. Além disso, vários nomes da bancada evangélica se posicionam fortemente como antipetistas, mas, na pesquisa, vimos que o público da Marcha não segue essa tendência de polarização –tanto que a maioria se disse nada antipetista”, constatou.

“Estudar os evangélicos é fundamental para compreender o Brasil –é um grupo que tem crescido muito em número e também em simbologia, à medida em que a igreja evangélica se configura como grande fator de sociabilidade, sobretudo, na periferia. Ela se transformou em uma instituição fundamental nas periferias brasileiras – e evidentemente, tem ganhado cada vez mais capital e poder político”, justificou a socióloga sobre os fatores que motivaram a pesquisa.

15.jun.2017 - Fiéis acompanham show de música gospel durante a 25ª edição da Marcha para Jesus, na capital paulista - Marivaldo Oliveira/Código 19/Estadão Conteúdo - Marivaldo Oliveira/Código 19/Estadão Conteúdo
Imagem: Marivaldo Oliveira/Código 19/Estadão Conteúdo

"A escola deveria ensinar a respeitar os gays" x Lugar da mulher é em casa cuidando da família” 

Na abordagem sobre opiniões e narrativas presentes na sociedade, foram apresentadas três levas de colocações ao público entrevistado na Marcha, que se afirmara “muito conservador” (45,5%) e “pouco conservador” (34,5%).

Na primeira leva, houve altos índices de concordância com colocações como “A escola deveria ensinar a respeitar os gays” (77,1%), “Os valores religiosos deveriam orientar as leis” (75%), “Os direitos humanos atrapalham o combate ao crime” (65,9%), “A polícia é mais violenta com os negros do que com os brancos” (63,4%) e “A união de pessoas do mesmo sexo não constitui uma família” (59,3%). Nesse grupo, os maiores percentuais de discordância ficaram com frases como “Deveria ser permitido aos adultos fumar maconha” (82,9%) e “Fazer aborto deve ser um direito da mulher” (73,1%).

Em uma segunda leva, os maiores índices de concordância ficaram com “Menores de idade que cometem crimes devem ir para a cadeia” (83,7%), “Precisamos punir os criminosos com mais tempo de cadeia” (76%), “O bolsa família estimula as pessoas a não trabalhar” (74,2%) e “Cantar uma mulher na rua é ofensivo” (70,5%). As maiores discordâncias foram registradas para “O lugar da mulher é em casa cuidando da família” (90,7%) e “Dois homens devem poder se beijar na rua sem serem importunados” (59,1%).

Na terceira e última leva, as maiores concordâncias foram anotadas para colocações como “Os negros ainda sofrem preconceito no Brasil” (90,7%), “As escolas deveriam ensinar valores religiosos” (77,3%) e “A mulher deve ter o direito de usar roupa curta sem ser incomodada” (76,4%). As discordâncias mais substanciais foram a “Travestis devem poder usar o banheiro feminino” (67,4%) e “O cidadão de bem deve ter o direito de portar arma” (65,5%). Indagados se “Os conservadores são preconceituosos”, 47,7% disseram concordar, e 41,5% discordaram.

"País tem viés punitivista"

“Concordar que a mulher deve ter o direito de usar roupa curta sem ser incomodada é algo bastante relevante do ponto de vista progressista a um público que se reconhece conservador –e ainda mais de uma maioria oriunda de uma igreja, como a Renascer, muito conservadora. Essa e outras opiniões –como a de se respeitar gays na escola –desfaz aquela ideia de que os evangélicos seriam os mais retrógrados”, explicou a socióloga.

Concordância com colocações sobre porte de armas, prisão de criminosos menores de 18 anos e maior tempo de cadeia a quem pratica crimes, além de “a pena de morte deve ser aplicada para punir crimes graves” (47,9% concordam, 47,5% discordam) revela, na avaliação de Solano, algo que é inerente “não aos evangélicos, mas à sociedade brasileira, como um todo”: “O país tem um viés punitivista, isso é praticamente um consenso. Mas se 90,7% dos entrevistados rejeitaram que ‘O lugar da mulher é em casa cuidando da família’, não tem como não considerar que há avanços”, finalizou.