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PM e GCM acham que atrapalhamos trabalho delas na cracolândia, dizem assistentes sociais

Protesto contra a truculência da PM e da GCM com funcionários que atendem usuários da cracolândia aconteceu na rua Helvétia, centro de SP - Janaina Garcia/UOL
Protesto contra a truculência da PM e da GCM com funcionários que atendem usuários da cracolândia aconteceu na rua Helvétia, centro de SP Imagem: Janaina Garcia/UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

22/06/2017 04h00Atualizada em 22/06/2017 09h59

"Estamos acuados, estamos mais perdidos que o usuário. E a impressão que a Polícia Militar e a GCM [Guarda Civil Metropolitana] passam é a de que estamos atrapalhando o trabalho delas -- porque a cracolândia, um mês depois, não acabou. E seria marketing puro dizer que acabou: ela só foi transferida".

O desabafo foi feito por uma assistente social ligada ao programa De Braços Abertos que lida com dependentes de crack na região central de São Paulo, nessa quarta-feira (21), quando completou um mês da operação da Prefeitura e do governo do Estado na cracolândia da rua Helvetia e da alameda Dino Bueno. À noite, o fluxo de usuários voltou a se dispersar da praça para a antiga região --mas na rua Cleveland.

A assistente e outros cerca de 200 assistentes e educadores sociais do programa, de outras iniciativas vinculadas à Prefeitura, ativistas e moradores da região realizaram um protesto contra a prisão, feita na terça-feira, de uma assistente social que presta serviços ao município, em frente à tenda do programa na rua Helvétia, a 400 metros da praça. Com gritos e cartazes em que cobraram "respeito", eles deram um abraço coletivo e chegaram a cogitar ir até a praça Princesa Isabel, mas desistiram após uma das gerentes do local sugerir que poderia haver confusão com policiais e guardas. 

A funcionária foi levada na terça pela PM enquanto trabalhava na praça, para onde os dependentes químicos haviam se deslocado após a ação do dia 21. A alegação dos policiais foi a de que ela os teria desacatado. A assistente, que os acusou de abuso de autoridade, foi liberada horas depois, após prestar depoimento à Polícia Civil. No momento da prisão, segundo testemunhas, ela acompanhava uma abordagem dos PMs a duas adolescentes e teria estranhado que a revista a elas, supostamente menores, não tivesse sido feita por uma policial mulher.

Para os trabalhadores que atuam junto aos usuários, no entanto, a prisão da colega teria sido a gota d'água de uma relação que, de um mês para cá, segundo eles, se tornou hostil não só dos usuários de crack em relação aos agentes, como da própria PM e da GCM em relação a esses funcionários.

Nos cartazes e nos gritos, os funcionários de programas de saúde e assistência cobraram "respeito" - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
Nos cartazes e nos gritos, os funcionários de programas de saúde e assistência cobraram "respeito"
Imagem: Janaina Garcia/UOL

"Tanto usuários quanto nós estamos diariamente cercados"

Nenhum dos agentes de saúde ou de assistência social, nem dos orientadores sócio-educativos ouvidos pela reportagem aceitou se identificar –todos eles alegaram que poderiam ser alvo de represálias. Todos, entretanto, estavam com coletes com identificação da Prefeitura e os respectivos crachás. Entre os participantes do protesto, havia também funcionários da saúde ligados ao Seas (Serviço Especializado de Abordagem Social), além de funcionários dos CRAS (Centros de Referência da Assistência Social) e dos Creas (Centros de Referência Especializados de Assistência Social).

“A PM fez uma abordagem violenta contra uma trabalhadora que estava em seu horário e perímetro de trabalho e que portava crachá funcional que a identificava. Não havia a mínima necessidade de requererem documento dela”, afirmou um orientador sócio-educativo também do De Braços Abertos.

“Antes, conseguíamos fazer a abordagem de rua e dentro dos hotéis [do programa] para garantia de direitos dos usuários. Agora, tanto eles quanto nós estamos diariamente cercados. Sem contar que, desde que a cracolândia migrou para a praça, o público ficou muito mais distante do atendimento na tenda do programa”, completou o funcionário, referindo-se à tenda localizada na Helvétia. Com a migração de ontem à noite, no entanto, o "fluxo" voltou a se concentrar a poucos metros da tenda.

Desde 2013 no atendimento na cracolândia, outra assistente social do programa afirmou que a prisão da educadora “trouxe ainda mais medo e revolta” a quem lida diária e diretamente com os dependentes químicos.

Os manifestantes fizeram uma roda e homenagearam a assistente social presa pela PM enquanto trabalhava, nessa terça (20) - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
Os manifestantes fizeram uma roda e homenagearam a assistente social presa pela PM enquanto trabalhava, nessa terça (20)
Imagem: Janaina Garcia/UOL

"PM acha que assistentes sociais e agentes de saúde os incomodam"

“Está sendo bem difícil trabalhar com o público da nova cracolândia –especialmente pela brutalidade das forças de segurança em relação a eles nas operações que têm sido feitas por ali, o que os faz se sentirem mais intimidados. E isso dificulta que o agente de saúde ou de assistência se aproxime e crie vínculo para tentar levar esse dependente a tratamento nas tendas”, afirmou a assistente social, para completar: “Ultimamente, a PM tem nos passado a impressão de que estamos ali para atrapalhar o serviço dela. Isso é um absurdo.”

Uma agente de saúde reforçou o depoimento da colega. “Os policiais e os GCMs não têm tido respeito com a gente, acham que nós os incomodamos ou que podemos levar algo para os usuários. O que teve sobre a cracolândia foi mais marketing – porque o que fizeram foi tirar os usuários de um lugar e levar para o outro. A cracolândia não acabou”, definiu.

Outro lado

Procurada para comentar o ato dos funcionários de saúde e assistência e as críticas à conduta da GCM e da PM, a Secretaria de Comunicação do Município, por meio de nota, informou que a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social está acompanhando o caso da funcionária detida na terça (20). "Antes de definir qualquer posição, uma apuração interna será realizada para verificar quais foram as circunstâncias da ocorrência".

A pasta não se posicionou, entretanto, sobre as críticas de que os guardas estariam agindo de maneira intimidatória com os trabalhadores da região.

Ainda de acordo com a Secom, desde 21 de maio, equipes da assistência social da Prefeitura realizaram 26.501 abordagens na região da Luz. "Deste total, houve 11.290 encaminhamentos para acolhimento nos equipamentos da rede assistencial, 8.420 atendimentos na Unidade Emergencial de Atendimento, e 6.791 recusas de atendimento. Apenas na última segunda-feira (19), foram feitas 1.266 abordagens na Luz, com 504 acolhimentos e 61 recusas. Desde o início da ação, foram feitas 427 internações voluntárias."

Também por meio de nota, a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública informou que a abordagem às "duas mulheres em atitude suspeita", presenciada pela assistente, não se tratou de "revista pessoal" . A pasta disse ainda que a assistente teria tentado "impedir a ação dos policiais e passou a insultá-los, dizendo que tinham cometido abuso. Ela foi autuada por desobediência e conduzida ao 77º DP."

Sobre a conduta relatada pelos funcionários que lidam com os usuários, no protesto de ontem, a SSP resumiu: "É importante esclarecer que qualquer pessoa que tenha reclamações quanto à atuação de policiais pode formalizar queixas à Corregedoria das Polícias para a devida apuração dos fatos."