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PCC teria ordenado que usuários deixassem praça e reocupassem antiga cracolândia

A cracolândia foi para a praça Princesa Isabel, região histórica do centro, em 21 de maio - André Lucas/UOL
A cracolândia foi para a praça Princesa Isabel, região histórica do centro, em 21 de maio Imagem: André Lucas/UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

23/06/2017 04h00Atualizada em 23/06/2017 17h15

Uma reunião de quase três horas entre dez participantes de quatro “regionais” do PCC (Primeiro Comando da Capital) na cidade de São Paulo e traficantes menores da facção, no final da tarde e início da noite de quarta-feira (21), na praça Princesa Isabel, teria definido a saída do fluxo de usuários da localidade em direção à alameda Cleveland, a cerca de 500 metros dali e nas imediações da rua Helvétia –de onde o fluxo havia sido removido no último dia 21 de maio após uma ação repressiva da PM (Polícia Militar) e da GCM (Guarda Civil Metropolitana).

A informação foi dada ao UOL nesta quinta-feira (22), com exclusividade, por um dos participantes da reunião. Uma fonte do Ministério Público Estadual reforçou que haveria uma negociação anterior, comandada pela facção e da qual teriam participado agentes públicos, a fim de retornar o fluxo à origem.

O motivo da ordem teria sido o fato de que, na praça, as ações rotineiras do tráfico estavam mais expostas e sujeitas a desmantelamento. Além de a praça estar localizada junto à interseção das avenidas Rio Branco e Duque de Caxias, que concentram grande tráfego de veículos, o terminal Princesa Isabel é vizinho, e as ações de repressão da PM e da GCM eram mais rotineiras que na Helvétia e na alameda Dino Bueno. Um terceiro fator de preocupação do tráfico seria a iluminação mais presente da praça facilitar o monitoramento das forças de segurança por meio de drones da Prefeitura ou helicópteros da PM.

Um último "problema", no entendimento da facção, seria o fato de crianças estarem mais expostas na nova cracolândia, devido à remoção de barracas dos usuários pela Prefeitura e pelo fato de a praça ser aberta. Isso traria uma repercussão excessivamente negativa na mídia, com chance de novas operações policiais serem, por consequência, desencadeadas.

Ontem, o secretário de Segurança Pública do Estado, Mágino Alves, disse que o governo foi "pego de surpresa". Questionado sobre a atuação da facção criminosa no local, o chefe da polícia paulista minimizou a informação. "Qualquer coisa que estejam falando hoje sobre isso é suposição", disse. Hoje, em entrevista coletiva em que foi questionado sobre a informação revelada pelo UOL, o secretário atribuiu à "eficiência da polícia" uma eventual atuação do PCC.

"Se qualquer organização criminosa vir necessidade de mudar de um lugar para outro é por eficiência da polícia", classificou.

Usuários de drogas se concentram entre a rua Helvetia e a alameda Cleveland - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
Usuários de drogas se concentram entre a rua Helvetia e a alameda Cleveland
Imagem: Janaina Garcia/UOL

"Ordem do 'general' era para que saíssem sem baderna"

Voluntário em atividades lúdicas com os usuários e conhecedor da “burocracia” da organização criminosa em função de já ter cumprido pena, o voluntário na cracolândia aceitou falar sob anonimato sobre os termos em que a reunião aconteceu. Ex-usuário de drogas, o rapaz negou que seja integrante da facção e afirmou que só foi chamado ao encontro de terça-feira por um dos chefes das “regionais” porque ajudaria a transmitir, na sequência, o “recado” aos usuários.

“A ordem do ‘general’ era para que os usuários saíssem sem baderna. Foram claros: que a saída fosse sem bagunça, sem quebra-quebra no meio do caminho, sem mexer com a polícia ou com a GCM, sem xingá-los, para que isso não desencadeasse repressão”, explicou. Sobre o “general”, não entrou em detalhes: “É o cara que está abaixo de quem está preso”, resumiu, referindo-se a Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder do PCC que está preso na Penitenciária de Presidente Bernardes, no interior paulista.

Segundo o voluntário, a reunião teve início perto das 18h30 e terminou por volta das 21h. “Vieram em dez – com os chefes do comando das zonas leste, oeste, norte e sul. Explicaram que a coisa estava complicada para eles porque era muita polícia em volta da praça, volta e meia aparecia que tinha muita criança lá dentro, estavam proibindo que entrassem comida e bebida na área e também porque ali chamava muito a atenção da vizinhança da Princesa Isabel, que tem, por exemplo, a Igreja Batista [do outro lado da praça, na rua Guaianases]. Enfim, era uma situação que estava afetando os negócios do comando”, explicou.

Ainda de acordo com ele, uma vez expostos os termos da ordem aos pequenos traficantes do local -- os quais não moram na cracolândia, assegurou a fonte --, ela teria sido repassada a uma liderança do comando entre os usuários, denominado “Disciplina”. Se todos aceitaram de pronto? “Foi passado que, quem quisesse voltar ao fluxo antigo, que voltasse. Quem quisesse ir embora para outro lugar, que fosse. Mas ali, na praça, não”, completou.

Para fonte do MP, "houve negociação coordenada"

Uma fonte do Ministério Público ouvida pela reportagem confirmou, também sob anonimato, que a migração dos usuários não foi espontânea, ao contrário do que apregoou a Secretaria de Segurança Pública do Estado.

“Houve uma negociação muito confederada e articulada pelo próprio tráfico e, claro, houve também o fato de que os próprios usuários toparam a saída da praça e a volta para o fluxo antigo. Mas foi confederada e bastante complicada uma vez que todo mundo que participou dela tinha um interesse ou razão, tanto pelos agentes públicos quanto pela facção”, afirmou.

Usuários de drogas voltam a ocupar região da Cracolândia

Band News

Proximidade de usuários com tendas "facilita atendimento"

Assistentes sociais ouvidos pela reportagem admitiram que a ordem seria de conhecimento, inclusive, dos funcionários dos programas de assistência e saúde que atendem os dependentes químicos. Uma delas, entretanto, ressalvou: para os agentes, o atendimento aos usuários com o fluxo deles na região da Helvétia “facilita muito o atendimento”.

“Nosso trabalho não tem nada a ver com o tráfico, mas, é fato: os dependentes estarem mais perto das tendas facilita muito o atendimento dos funcionários da saúde e da assistência social que tentarem encaminhá-los a tratamento. Cheguei a ouvir de alguns usuários, hoje, que eles se sentiam como que ‘voltando para casa’ – só que a estrutura nossa aqui está em condições precárias”, afirmou.

A assistente ouvida se referiu à tenda do programa De Braços Abertos, que, com capacidade para abrigar emergencialmente 50 usuários, em colchões no chão e em um espaço coletivo, tinha, na quarta-feira (22), pelo menos o dobro de dependentes espalhados pelo local. Das dez torneiras para higiene e hidratação, por exemplo, apenas três estavam em funcionamento –algumas haviam sido quebradas para a troca do metal por crack. “Estamos aqui meio à deriva, à espera das normativas sobre o que será feito”, observou outra assistente do programa.

Em declaração ao UOL, o promotor de Saúde Pública Arthur Pinto Filho –para quem a ação em 21 de maio havia sido uma “selvageria sem paralelo” – concordou que, “sob o ponto de vista da assistência social”, o retorno dos usuários para as proximidades da Helvétia é positivo à medida em que estão mais próximos das tendas do governo e da Prefeitura.

“Os dependentes estão mais perto agora das tendas do Recomeço [do governo paulista]  e do Caps Redenção [do Município], o que me parece mais apropriado em termos de atendimento médico e assistencial”, afirmou o promotor do Ministério Público, para quem “houve avanços” nas conversas entre a Promotoria e a administração municipal.

“Apresentamos duas propostas que a administração topou: que dia 29 os secretários Wilson Polara [Saúde] e Filipe Sabará [Assistência Social] se reúnam com o Cremesp [Conselho Regional de Medicina] e o médico Arthur Guerra [coordenador do Redenção] para que conversem como as coisas têm funcionado; outra proposta aceita pelo prefeito foi que a administração converse com o Conselho Regional de Assistência Social e com a Defensoria Pública do Estado para que esses órgãos digam o que, para eles, está errado no Redenção. São bons avanços, acredito”, definiu o promotor.

Indagado sobre a ordem que teria partido do tráfico para a desocupação da praça e os efeitos dela no tratamento aos dependentes, o promotor preferiu não se manifestar.

"Foi decisão dos usuários retornarem", avalia secretário

Na tarde de quarta-feira, foi realizada uma ação de limpeza onde o fluxo está, na alameda Cleveland, sob respaldo da GCM e da PM – que cercaram as imediações para evitar que os usuários se dispersassem. A ação durou cerca de uma hora. O secretário de segurança pública esteve no local durante pouco menos de 30 minutos, mas a 100 metros do fluxo.

"Foi decisão deles [dos usuários] retornarem [às proximidades do antigo fluxo]", afirmou Alves, na ocasião, para comentar, em seguida, que "eles [os dependentes e eventuais traficantes] podem mudar de lugar, mas não vamos dar trégua ao combate ao tráfico de drogas. Isso continuará sendo feito diuturnamente". Na avaliação do secretário, "está muito mais difícil para o tráfico atuar" agora, ainda que, reconheceu, não se trate de um problema “que se resolva em curto espaço de tempo”.

Em nota, a SSP reforçou que o deslocamento dos dependentes químicos na quarta-feira “foi espontâneo” e “não motivado por operações policiais”. Ainda segundo a secretaria, o policiamento na região “continua reforçado para combater o tráfico e impedir que se instale um novo fluxo de comercialização de drogas” com 212 policiais. Desde 21 de maio, diz a pasta, “144 pessoas foram presas ou apreendidas, sendo 130 maiores e 14 menores. As polícias também apreenderam 88 celulares, além de R$ 91 mil em dinheiro e 56,7 quilos de drogas.”

Prefeitura cita estrutura contra "infraestrutura do tráfico"

Também em nota sobre a saída dos usuários da praça, a Prefeitura de São Paulo informou que a mudança de local dos usuários “não altera os trabalhos que vêm sendo realizados” e que vai seguir “atuando com rigor contra a montagem de barracas, para impedir o retorno da infraestrutura do tráfico.” Pelos números do Município, houve 427 internações voluntárias desde o dia 21, e novas estruturas emergenciais, tais quais os contêineres para alimentação e pernoite, serão inauguradas nos próximos dias.

“Este trabalho tem permitido alterar o cenário na região, que antes da operação do dia 21 de maio era um território dominado pelos traficantes, com barracas de drogas na ruas e prédios ocupados ilegalmente para prática de crimes”, disse a nota.