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Procurador: PCC controla cracolândia, e poder público não deve negociar com facção

O procurador Márcio Sérgio Christino, um dos principais investigadores do PCC no país - 	Filipe Redondo/Folhapress
O procurador Márcio Sérgio Christino, um dos principais investigadores do PCC no país Imagem: Filipe Redondo/Folhapress

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

24/06/2017 04h00

Para um dos maiores especialistas no estudo e na investigação do PCC (Primeiro Comando da Capital) em São Paulo, o procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino, “não se negocia” com o crime organizado –ainda que, paralelamente, não seja interesse de uma organização que visa primordialmente ao lucro “partir para o enfrentamento” com o poder público.

Autor do livro “Por dentro do crime: corrupção, tráfico, PCC”, da editora Escrituras, Christino falou com a reportagem sobre a ordem que a facção teria expedido para que o fluxo de usuários da cracolândia deixasse a praça Princesa Isabel, na última quarta (21), no centro de São Paulo, de volta às imediações da rua Helvétia.

O procurador investiga o PCC desde que ele foi criado, nos anos 1990, após o massacre no complexo penitenciário do Carandiru (1992). No final daquela década, Christino integrou o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), órgão do Ministério Público de São Paulo que, com delegados de polícia e juízes, tinha entre suas principais frentes o combate ao PCC no Estado.

Uma operação da Polícia Militar e da GCM (Guarda Civil Metropolitana) em 21 de maio havia afugentado o fluxo da cracolândia da rua Helvétia, mas ele se concentrou na praça Princesa Isabel, a cerca de 400 metros dali –e muito mais visível à cidade, já que estava localizado frente a avenidas de grande circulação (como Rio Branco e Duque de Caxias) e ao lado de um terminal de transporte coletivo (o Princesa Isabel).

Ontem, o UOL revelou que a figura conhecida como “general” da facção –abaixo apenas de Marcos Camacho, o Marcola, atualmente na Penitenciária de Presidente Bernardes (SP) –encaminhou por meio de dez chefes de regionais da facção na capital a ordem para que cracolândia deixasse a Princesa Isabel e, “sem baderna e sem provocação aos PMs e aos GCMs”, retornasse às imediações da Helvétia. A reportagem apurou com uma fonte do Ministério Público que teria havido uma “negociação muito confederada e articulada” do poder público com o próprio tráfico.

Para o secretário estadual de Segurança Pública, Mágino Alves, que classificara a ordem do PCC como “suposição”, a suposta “eficiência da polícia” é que teria influenciado na mudança do fluxo.

Indagado se esse tipo de negociação entre facção e poder público é algo de fato improvável, o procurador Márcio Sérgio Christino tangenciou: “O agente público não pode transgredir com a aplicação da lei. Essa é a única resposta que posso dar sobre isso”, resumiu.

22.jun.2017 - Após deixarem a Praça Princesa Isabel na noite de quarta-feira, usuários de drogas reocuparam nesta quinta um trecho da Rua Helvetia, onde ficava a antiga Cracolândia de São Paulo - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
Após deixarem a praça Princesa Isabel na noite de quarta-feira (21), usuários de drogas reocuparam nesta quinta (22) um trecho da Rua Helvetia, onde ficava a antiga cracolândia de São Paulo
Imagem: Janaina Garcia/UOL

Por outro lado, Christino explicou que “não se negocia” com uma facção como o PCC porque ela seria a única, efetivamente, a ganhar –e a crescer.

“Eles [criminosos ligados ao PCC] têm o controle da cracolândia, sim; se quiserem transferir [o fluxo], transferem, se quiserem parar, eles param. Eles têm essa força”, definiu. “Em operações na cracolândia, nos últimos anos, ficou bem determinado que o fornecimento da droga, ali, advinha da facção –nesse contexto, é inerente que ela tenha o poder.”

“Mas são pragmáticos, querem o lucro –esse é o objetivo deles. Eles não têm necessidade do enfrentamento com as autoridades, porque isso prejudicaria o comércio do tráfico, então, agem de uma maneira em que isso não ocorra”, explicou. “É a lógica comercial, tal qual se fosse, a facção, uma empresa: ela buscará a melhor maneira de vender. Se em um determinado ponto está complicado, vai ser pragmática para reverter isso –seja mudando para o quarteirão de cima ou de baixo. O que o PCC não quer é o conflito, muito menos disputar o poder e o espaço. Não é uma relação em que importe, direita, esquerda ou centro: importa o próprio lucro”, definiu.

Na avaliação do procurador, uma eventual negociação envolvendo a organização criminosa não seria equilibrada a todos os supostos envolvidos.

“O que se ganharia negociando com a facção: mais uns dias para agir em relação a traficantes que topassem sair da praça, com o fluxo, e ir para outro lugar? O poder público só transferiria o problema com isso”, afirma. “Um eventual acordo teria que ter algo a mais. Só que o tráfico não quer perder o status quo: ele é uma força potencial que cresce. Onde se coloca, ele cresce. Por isso que fazer acordo com crime organizado não existe”, concluiu.

Christino ainda negou que a facção seja contrária à propagação do crack, uma vez que a pedra é substancialmente mais barata que a forma sintética dela, ou seja, a cocaína em pó. “O PCC é contra o crack nos presídios. Porque, nas ruas, é o que vende mais: é o mais barato, mais forte e mais viciante –mas também o mais nocivo”, complementou.

Comando do tráfico "é suposição", diz secretário

Na última quinta, após o retorno do fluxo à região da Helvétia –mas na esquina com a alameda Cleveland, e não mais a Dino Bueno –, o secretário estadual de Segurança Pública alegou que o governo foi "pego de surpresa" com a saída dos usuários da praça, na noite de véspera, e minimizou que tivesse havido alguma ordem do tráfico para tal. "Qualquer coisa que estejam falando hoje sobre isso é suposição", disse, na ocasião.

"Foi decisão deles [dos usuários] retornarem", afirmou, para comentar, em seguida, que "eles [os dependentes e eventuais traficantes] podem mudar de lugar, mas não vamos dar trégua ao combate ao tráfico de drogas. Isso continuará sendo feito diuturnamente". Na avaliação do secretário, "está muito mais difícil para o tráfico atuar" agora, ainda que, reconheceu, não se trate de um problema “que se resolva em curto espaço de tempo”.