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Ao tirar policiais de favelas, Rio cede à classe média e condena UPPs à morte, diz especialista

9.abr.2015 - Crianças brincam perto de policial em rua do Complexo do Alemão - Fábio Teixeira/UOL
9.abr.2015 - Crianças brincam perto de policial em rua do Complexo do Alemão Imagem: Fábio Teixeira/UOL

Carolina Farias

Colaboração para o UOL, no Rio

23/08/2017 04h00

A Secretaria da Segurança Pública do Rio de Janeiro enfraquece o projeto de polícia comunitária e cede à pressão da classe média ao tirar um terço do efetivo das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) das favelas para o policiamento das ruas na capital e região metropolitana. A avaliação é de especialistas da área de segurança ouvidos pelo UOL após o anúncio de reestruturação das unidades, feito nesta terça-feira (22). A partir de agora, as UPPs serão subordinadas aos batalhões.

De acordo com o anúncio, 3.000 PMs deixarão as unidades pacificadoras e serão redistribuídos da seguinte forma: 1.100 atuarão na capital, 900 na Baixada Fluminense, 550 nas cidades de São Gonçalo, Niterói e Itaboraí (região metropolitana), 300 no BPVE (Batalhão Policial de Vias Expressas) e 150 no BPTur (Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas).

Para a socióloga e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, Julita Lemgruber, a medida anunciada pelo governo do Rio enfraquece o projeto de polícia pacificadora, de proximidade com a população, para sinalizar segurança para a classe média.

"Em um momento em que operações rocambolescas, incluindo nelas forças federais, não chegam em lugar algum, vai dizer o que para a classe média? Vamos botar mais polícia nas ruas. Quero saber onde estarão esses mil policiais da capital. É querer enganar a classe média dizendo 'Estamos tirando das favelas e colocando nas ruas'. É enganoso, vergonhoso, não resolve o problema", diz Lemgruber.

Ao comentar as mudanças na principal política de segurança do governo de Luiz Fernando Pezão (PMDB), o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Roberto Sá, afirmou que a medida é "o possível para o momento que nós vivemos".

Para Lemgruber, o governo do Rio está condenando o projeto de polícia comunitária à morte. "Essa medida é o primeiro passo para liquidar um projeto que, com muito esforço com treinamento de policiais e investimento, ainda poderia ser a esperança de ter um policiamento comunitário. As favelas merecem um projeto de segurança que realmente seja de polícia comunitária, com segurança e respeito ao morador", avalia.

Para o doutor em sociologia e membro do Laboratório de Análise de Violência da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), entretanto, o realocamento dos policiais das UPPs não é necessariamente ruim, desde que a medida seja para conter situações emergenciais, para áreas com maior necessidade de policiamento.

Menos autonomia nas UPPs

Ignácio Cano afirma, contudo, que ao subordinar as UPPs aos batalhões, mudança também anunciada nesta terça, o governo enfraquece o projeto de pacificação.

"É um enfraquecimento, sem dúvida. A UPP perde a autonomia, sua marca inicial, a de que não passasse pelas lógicas dos batalhões, com mais flexibilidade para dirigir os policiais", diz Cano. Para Cano, o projeto das UPPs deve ficar paralisado até a próxima gestão. "Esse atual governo não tem recursos e liderança política. Então, até ano que vem, a UPP vai viver certa inércia", acrescenta.

No anúncio, o secretário também informou que será criado um batalhão de polícia pacificadora abrangendo o bairro da Penha e o Complexo do Alemão. Segundo ele, a presença da PM será mantida em todas as UPPs, mas com o que chamou de efetivo essencial.

"Todas as UPPs serão mantidas na sua essência. Vamos continuar presentes cumprindo nosso papel, melhorando nossos serviços. Com esse diagnóstico, vai ser possível colocar nas ruas do Rio de Janeiro 3.000 policiais sem que isso modifique as atividades fins das UPPs. As UPPs passam a ser subordinadas aos batalhões", afirmou Sá.