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Policiais são filmados agredindo grupo de jovens na periferia de SP

28.ago.2017 - Anderson Guerreiro, 19, leva a sobrinha, recém-nascida, para passear no Parque São Rafael, zona leste de SP - Luís Adorno/UOL - Luís Adorno/UOL
Imagem: Luís Adorno/UOL

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

28/08/2017 18h46Atualizada em 28/08/2017 20h49

Policiais militares foram filmados por testemunhas agredindo um grupo de jovens com cassetetes na periferia da cidade de São Paulo. A ação ocorreu no domingo, em uma região onde era comemorada a festa de aniversário do bairro Parque São Rafael, na zona leste da cidade.

Os jovens tinham entre 13 e 16 anos. Testemunhas disseram que eles foram atacados por ouvir música com o volume alto. 

A Polícia Militar afirmou ter instaurado um Inquérito Policial-Militar para apurar todas as circunstâncias do fato mostrado na reportagem. "A Corregedoria PM receberá as vítimas para que seja realizado reconhecimento fotográfico dos policiais que participaram da ação".

"A avenida [Baronesa de Muritiba, a principal do bairro] estava lotada. Muita gente ficou sem entender. Do nada, saíram policiais atirando e uma correria generalizada", afirma um entregador de marmitas, de 24 anos, que pediu para não ser identificado. 

A Ouvidoria da Polícia de São Paulo também afirmou estar analisando o caso. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirma que a "Corregedoria PM receberá as vítimas para que seja realizado reconhecimento fotográfico dos policiais que participaram da ação".

Abordagem policial diferente?

O caso ocorre dias depois de uma afirmação ao UOL do comandante da Rota (tropa de elite da Polícia Militar), Ricardo de Mello Araújo, gerar uma polêmica sobre uma suposta diferença entre a forma como a polícia deve abordar moradores da periferia e das regiões nobres da cidade.

Ele afirmou inicialmente que haveria formas distintas de abordar pessoas que estão em regiões pobres e ricas da cidade. "É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado", disse.

Depois, o policial procurou relativizar a afirmação: “A abordagem, não só da Rota, mas da Polícia Militar, ela é padronizada. Nós temos procedimentos operacionais padrão”, disse.

O UOL ouviu dez moradores do bairro Parque São Rafael, com idades entre 18 e 71 anos sobre o tema das abordagens policiais. Todos os entrevistados disseram já ter passado pela experiência de ser abordado pela polícia.

Anderson Guerreiro mora no Parque São Rafael e trabalha no centro de Santo André, no ABC Paulista, como cozinheiro. "Em abril [deste ano], fui abordado no centro de Santo André ao sair do trabalho na madrugada e, durante a abordagem, o policial chegou a me pedir desculpas por por ter me parado, afirmando que 'todo mundo é suspeito'. Depois de conferir meus documentos, me liberou e deu boa noite", disse.

Mas ele passou por uma abordagem diferente, no fim do ano passado, quando voltava para casa. "Era noite e tem uma boca de fumo na região. Eu ia voltar para a minha casa, me pararam, falaram palavrões e queriam me forçar a falar que tinha drogas, sendo que eu não tinha", afirmou.

"É fato que eles te tratam diferente dependendo do lugar e da roupa que você está vestido. Eu gosto de [música] funk, por exemplo. E, pelo meu estilo, com meu boné, eles [policiais] já têm uma visão errada de mim".

Guerreiro disse que o comandante da Rota não errou ao afirmar que o policial deve se adaptar ao território em que opera.  

"Ele falou apenas a verdade. Não condeno, porque, às vezes, os bandidos só respeitam a porrada, mas também não acho certo generalizar", disse.

Um professor de educação física, de 31 anos, afirmou ter sido abordado em São Mateus, também na zona leste, no começo do mês. "[A abordagem] foi tranquila. Educados, verificaram que não tinha nada de errado e me liberaram", disse. O mesmo não ocorreu três anos atrás. "À noite, era batata: me paravam e o 'boa noite' era 'vai pra onde?'" Segundo ele, na ocasião os policiais teriam até lhe dirigido xingamentos.

Para o professor, importam as questões de quando, onde e de quem são os suspeitos. "Ao meio dia, num lugar movimentado, até eu, negro, vão me tratar bem. Imagina eu, aqui no São Rafael, à noite?"

Um aposentado de 71 anos, dono de um bazar afirmou que apoia a fala do comandante da Rota.

"Minha filha me mostrou os vídeos. Não entendi por que ele gravou outro se explicando. É a mais pura realidade. Ele deve se orgulhar da fala, não voltar atrás", disse. 

Uma mulher de 23 anos, nascida e criada no bairro, disse que uma vez de quando foi abordada e presenciou agressões verbais feitas por PMs a duas jovens.

"Estávamos andando, eu e meu esposo, e as duas meninas estavam atrás. Eu estava grávida da primeira filha. Os policiais entenderam que as meninas estavam zoando eles. Pararam nós quatro e começaram a xingar as meninas", disse.

Já no bairro nobre dos Jardins, em São Paulo, a reportagem encontrou só duas pessoas que relataram já terem sido abordadas pela polícia. Eles disseram porém, que as abordagens não ocorreram na região nobre. Um deles foi abordado em Osasco, na Grande São Paulo, e o outro na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte da capital.

Eles pediram para não serem identificados. O que vive na zona norte, tem 21 anos, trabalha em uma cafeteria, fala inglês fluentemente e cursa Relações Internacionais em uma universidade privada de São Paulo. Ele paga a faculdade com financiamento estudantil. 

"Me acostumei ser abordado ao voltar da faculdade. Pelo menos, é na quebrada [periferia], onde todo mundo já me conhece e não é um constrangimento", disse o estudante.

"Minha mãe sempre disse para mim e para os meus amigos para andarmos com a carteira de trabalho e para dizermos que somos trabalhadores", afirmou.

O outro homem, de 27 anos, é atendente de padaria e disse que foi abordado mas não deu detalhes. Afirmou apenas desejar que seu filho não tenha uma experiência negativa com a polícia: "o ideal é que ele [meu filho] não sofra o que eu sofri."