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100 PMs mortos: como frear a violência contra policiais no Rio?

Enterro do PM Fabio Cavalcante, 100º policial a morrer no Rio em 2017  - Fábio Guimarães/Agência O Globo
Enterro do PM Fabio Cavalcante, 100º policial a morrer no Rio em 2017 Imagem: Fábio Guimarães/Agência O Globo

Marcela Lemos* e Paula Bianchi

*Colaboração para o UOL, no Rio

29/08/2017 04h00

A política de enfrentamento adotada pelo governo do Rio de Janeiro num contexto nacional de guerra às drogas explica, na opinião de especialistas ouvidos pelo UOL, o elevado número de policiais militares assassinados no Estado. No último sábado (26), o Estado atingiu a marca de cem PMs mortos no ano --média de 12 assassinatos por mês.

A maioria (53) morreu em dias de folga; cinco a caminho ou na volta do trabalho; 20 eram reformados, integravam a reserva ou estavam de licença e 21 perderam a vida durante o serviço. Levantamento feito pelo UOL revelou que quatro em cada dez policiais mortos até agora reagiram ou foram vítimas de assalto.

Especialistas em segurança ouvidos pela reportagem defendem que a redução da violência contra policiais requer uma série de mudanças, sem deixar de lado formas de mitigar a violência decorrente da desigualdade social.

Na opinião deles, a tentativa de reversão desse quadro passa por uma mudança dessa mesma política de enfrentamento, assim como uma reforma das polícias, valorização da carreira, com melhoria das condições de trabalho, e treinamento para os policiais fora de serviço.

Para o ex-comandante da PM coronel Ibis Pereira, uma das principais justificativas para a morte de tantos policiais é a política de guerra adotada pelo Estado.

“Após o que vimos no Jacarezinho [favela da zona norte do Rio que sofreu mais de uma semana com incursões policiais], percebemos que vivemos uma política de guerra. Assim, o policial sempre passa a ser identificado como inimigo --aquela figura que sempre precisa ser eliminada. É uma relação de ódio que é alimentada. Sem dúvida, isso deixa o policial mais vulnerável." Coronel Ibis Pereira, ex-comandante da PM 

Ibis, que comandou a corporação no final de 2014, já no governo de Luiz Fernando Pezão (PMDB), lembra ainda uma questão estrutural anterior a letalidade que precisa ser resolvida: a forma como a polícia está organizada no país. Para ele, a divisão entre civil e militar trabalha contra a corporação ao separar os responsáveis pela investigação de quem faz o policiamento ostensivo de fato. 

O PM no Rio, diz, "vive isolado: visto com desconfiança pelo pobre e desprezado pela classe média".

A grande quantidade de policiais mortos no Estado, diz o sociólogo e coordenador do Laboratório de Análise de Violência da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Ignácio Cano, tem relação direta com a alta letalidade da polícia fluminense --em 2017, para cada policial assassinado no Rio outras 32 pessoas foram mortas.

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Imagem: Arte/UOL
No Rio, assim como no resto do país, diz Cano, a maior parte das mortes de policiais ocorre quando os agentes estão sem a farda --seja fazendo bicos, em conflitos privados ou quando reagem a assaltos.

"A polícia mata muita gente, há um excesso do uso da força. E os criminosos se vingam depois, quando os PMs estão fora de serviço e são reconhecidos como policiais”, afirma. “Se a polícia matar menos, ela morrerá menos, os criminosos terão menos desejo de vingança”, conclui.

Para a pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, Silvia Ramos, o tiro no pé da polícia carioca é também a falta de capacitação e apoio psicológico aos policiais.

“Temos uma política de segurança muito baseada no confronto e não na inteligência. Os policiais levam essa política também para fora do serviço. A polícia que mais mata é a polícia que mais morre. No Rio de Janeiro, a polícia usa a força até mesmo em situações que poderiam ser evitadas. Isso contribui para esse cenário de descontrole que vemos hoje." Silvia Ramos, socióloga

A ONG Human Rights Watch entrevistou 61 PMs para escrever o relatório "O Bom Policial Tem Medo". Mesmo atividades cotidianas, como usar o transporte público, relatam os PMs, são consideradas perigosas. Muitos agentes disseram que evitam pegar ônibus e metrô fardados --com o uniforme, poderiam andar de graça-- e carregar a identificação profissional por medo de serem reconhecidos.

Uma forma de diminuir a letalidade na folga, diz Cano, é fazer treinamentos específicos com os policiais para ajudá-los a identificar situações de risco e também mapear e investigar as áreas com maior número de registros desse tipo, caso da Baixada Fluminense e da zona norte do Rio.

O sociólogo também aponta a grande quantidade de operações policiais realizadas no Estado como uma das causas da alta letalidade. No último ano, foram realizadas 833 operações policiais no Rio e na região metropolitana --ao menos duas operações por dia--, segundo dados do aplicativo Fogo Cruzado, vinculado à Anistia Internacional.

“É preciso modificar as operações policiais para diminuir o risco de confrontos armados. Ter objetivos definidos, planejamento... A PM faz muitas operações só para ir lá, trocar tiros, dizer que combate o crime. Isso não adianta.” Ignácio Cano, sociólogo

Para o especialista em segurança Rodrigo Pimentel, os policiais também são vítimas da política de segurança adotada pelo Estado. “Não é bem a política de guerra às drogas só que leva à morte de PMs. Olhe os números: geralmente, fica em um terço o número de policiais mortos em confrontos. O Estado aplica quase todos os PMs novos nas comunidades com UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). Com isso, as ruas da zona oeste, da baixada e da zona norte, onde geralmente moram os policiais, tem um policiamento cada vez mais escasso e, consequentemente, com mais mortes."

O secretário de Segurança do Rio, Roberto Sá, anunciou na semana passada uma reformulação na política de UPPs em que 3.000 policiais que atuam em áreas administrativas das Unidades de Polícia Pacificadora passarão para o policiamento nas ruas. De acordo com o comandante geral da PM, Wolney Dias, o fato de boa parte do efetivo ser redistribuído para a Baixada Fluminense e região metropolitana se deve a uma avaliação da Secretaria de Segurança de que 86,5% da criminalidade se concentra nessa região.

O que diz o governador Pezão

Após a morte do centésimo PM no último sábado, o governador Pezão afirmou que os criminosos devem tratados como terroristas. "Um criminoso que porta fuzil e mata policial deve ser tratado como terrorista, e o Estado defende o endurecimento da legislação penal. Segurança é prioridade para o nosso governo, que promoveu mudanças recentes na política de pacificação visando, sobretudo, à preservação da vida", disse ele, por meio de nota.

“Tem que punir com mais rigor aqueles que são presos com fuzis. Um criminoso preso com essa arma geralmente volta para as ruas, em média, em 11 meses. A maioria dos policiais morre atingido por projéteis de altíssima velocidade, como no caso do fuzil. Assim que penas mais severas forem adotadas, os resultados virão em médio prazo.” Rodrigo Pimentel, especialista em segurança

Já a Anistia Internacional, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Instituto Igarapé e o Instituto Sou da Paz divulgaram nota conjunta e pediram a criação urgente de uma política destinada à proteção da vida.

"Gritar por leis mais duras, receita recorrente em momentos de crise na segurança pública, é medida míope com pouco potencial para frear as matanças, ainda mais num Estado em que quatro de cinco homicídios sequer são esclarecidos", afirmam as entidades.

Rio tem 100 PMs mortos em 2017

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