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Arma "fantasma" matou 5 dos 10 sem-terra em chacina no Pará

26.mai.2017 - Técnicos fazem perícia nos acampamentos perto da Fazenda Lúcia, - Márcio Freire/Agência Pará
26.mai.2017 - Técnicos fazem perícia nos acampamentos perto da Fazenda Lúcia, Imagem: Márcio Freire/Agência Pará

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

29/08/2017 21h31Atualizada em 29/08/2017 21h33

O laudo da simulação da chacina que matou dez pessoas no município de Pau D’Arco, no sudoeste do Pará, apontou que uma arma “fantasma” foi usada para matar cinco dos trabalhadores rurais que estavam na fazenda Santa Luzia. 

O massacre ocorreu no dia 24 de maio, quando policiais entraram na fazenda para cumprir reintegração da posse da terra e mandados de prisão contra 14 das 20 pessoas que estavam acampadas na fazenda. Onze policiais militares e dois policiais civis que participaram da ação estão afastados de suas atividades.

Segundo o promotor de Justiça Leonardo Jorge de Lima Caldas, designado para investigação do caso, uma pistola .40 matou cinco vítimas. Esta arma não está entre o material entregue para perícia dentre as usadas pelos policiais que participaram da ação. A arma de origem desconhecida tem o mesmo calibre das demais usadas pelos policiais.

“Cinco vítimas foram mortas por uma única arma que não consta dos armamentos apresentados pelos policiais da ação. Tanto policiais civis quanto militares portavam uma arma curta [pistola .40] e uma arma longa [espingarda ou fuzil]. Essa arma de origem desconhecida em nenhum momento foi apresentada e isso mostra claramente que a ocultação dela é para atrapalhar as investigações”, afirmou o promotor de Justiça.

Caldas afirma que o massacre foi premeditado, não uma operação desastrosa como o Estado alega. Ele destaca uma série de fatores que apontam que alguém pré-ordenou a chacina.

“Se fosse uma ação desastrosa e não premeditada, quem estava portando a arma que matou cinco vítimas não ia se preocupar em usar um armamento de origem desconhecida. Essa arma estaria dentre as que foram entregues para perícia, alguém pode ter escondido a arma ou se desfeito ainda no local das mortes”, disse Caldas.

Enterro dos trabalhadores rurais mortos na chacina de Pau D'Arco (PA) - Antonio Carlos/Repórter Brasil - Antonio Carlos/Repórter Brasil
11.jul.2017 - Enterro dos trabalhadores rurais mortos na chacina
Imagem: Antonio Carlos/Repórter Brasil
O laudo também mostrou que não foram encontrados resquícios de pólvora nas mãos das vítimas que pudessem justificar a alegação da polícia de que houve confronto.  Nenhum policial se feriu. Para Caldas, a conclusão do laudo reafirma que as vítimas foram surpreendidas com a chegada dos policiais.

“As vítimas não tiveram chance de se defender. Quando viram a polícia, segundo relatos dos sobreviventes, todos eles correram para um outro ponto da fazenda que é de mata densa. Mas, mesmo chovendo, a polícia entrou na mata no encalço e já chegaram atirando a queima-roupa. Foi um verdadeiro cenário de terror”, diz Caldas.

A reconstituição do crime mostrou que dois sem-terra teriam escutado a movimentação da chegada dos policiais, entre 6h e 7h, e fugiram para uma área de mata densa dentro da propriedade. Em seguida, os policiais teriam seguido os rastros dos posseiros até que encontraram eles abrigados sob uma lona e os surpreenderam.

“Algumas pessoas morreram na hora e outras foram rendidas. Há relatos de que as vítimas estavam algemadas quando foram atingidas por tiros. As necropsias apontaram também que outras tinham ferimentos na cabeça e costelas quebradas, compatíveis com ferimento de chutes ou uso de espingarda ou fuzil”, disse o promotor de Justiça.

Além da reconstituição da ação policial, peritos do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves e da Polícia Federal, fizeram ensaios e croquis baseados nos relatos dos sobreviventes da chacina para se aproximar da real natureza do fato. A realização do laudo envolveu mais de 100 profissionais.

“Os ensaios que realizamos puderam definir a dinâmica dos disparos que atingiram as vítimas e as armas utilizadas por personagem, subsidiando as versões apresentadas pelas testemunhas. Isso foi apenas uma das etapas necessárias para concluir o laudo”, explicou o perito criminal Paulo Bentes. 

O laudo vai integrar os inquéritos instaurados pelo Ministério Público Estadual, Polícia Federal e Polícia Civil para somar a outros resultados. As investigações do caso continuam, pois outras diligências estão ocorrendo para identificação dos executores e de possíveis mandantes que estariam por trás da ação. 

“É difícil imaginar que policiais ingressaram numa região com mata densa e condições climáticas adversas e estavam obstinados a realizar a operação sem que tiver outra coisa por trás. Quando os policiais foram inquiridos não tinham os nomes dos posseiros que seriam presos, tinham apenas os apelidos. Eles sequer sabiam os alvos de mandado de prisão. Aquele documento que eles estavam portando foi o motivo justificador para a ida atrás das vítimas”, afirmou Caldas.

A Segup (Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social) afirmou que os policiais envolvidos na ação continuarão afastados de suas atividades. O secretário Jeannot Jansen da Silva Filho, definiu como “desastroso” o resultado da operação policial.