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PM acusado de participar da maior chacina de SP diz ter visto depoimento de testemunha protegida

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

20/09/2017 19h48

O policial militar Fabrício Eleutério, 32, foi interrogado no Fórum de Osasco, na Grande São Paulo, por duas horas e cinquenta minutos, sob a acusação de ter participado de 17 das 23 mortes ocorridas em agosto de 2015, quando ocorreu a maior chacina do Estado.

No depoimento, ele afirmou que, com a liberação da juíza, teve acesso aos depoimentos, na íntegra, inclusive em vídeo, de uma testemunha protegida que o acusa. Ele conseguiu identificar os dois primeiros nomes da testemunha e o gênero dela. O rosto da testemunha estava borrado.

A juíza Elia Kinosita, negou o acesso. "O acesso foi liberado aos advogados, não a qualquer réu", disse a magistrada. "Eles tiveram acesso às mídias", complementou Eleutério. 

A revelação de que ele sabia o teor do depoimento causou burburinho no plenário, composto, na maioria, por amigos e familiares dos três réus: Eleutério, Thiago Hanklain e Sérgio Manhanhã.

Câncer se estiver mentindo

Ao iniciar seu depoimento, Eleutério afirmou: "que ele [Deus] me dê um câncer se tudo o que eu falar não for verdadeiro". O PM diz ser inocente de todas as acusações. "Eu sou inocente. Não tirei a vida de nenhuma daquelas vítimas. Entrego nas mãos de Deus. Deus sabe toda a verdade".

Eleutério contou que passou o dia 13 de agosto com a namorada e que a semana era atípica. Ele era acusado por outra chacina, ocorrida em Osasco em 2015, e iria para o presídio militar Romão Gomes a qualquer momento. "Iríamos ao cinema assistir Minions, a fila estava muito grande e fomos para a casa da minha sogra", disse.

Na casa, que também fica em Osasco, ele disse que dormiu em um colchão colocado na sala, em frente à televisão, e foi acordado pela sua advogada, informando que havia ataques no bairro e que era para ele ir para casa. "Num primeiro momento, pensei que fosse ataques contra policiais, como os do PCC, de 2006", afirmou.

Ele não podia estar até tarde na casa da namorada porque havia uma medida restritiva de horário contra ele, segundo a juíza. Ele argumentou que rompia essa medida para estar com a noiva e para ir à igreja.

No dia 14, ele teria se informado que os ataques eram chacinas pela televisão, enquanto estava no intervalo de um curso que fazia na avenida Canindé.

No dia 21 de agosto daquele ano, ele foi preso pela Corregedoria e nunca mais saiu da prisão. Ele foi o primeiro suspeito preso pela maior chacina da história de SP.

No dia 21, o acusado contou que recebeu um telefonema do comandante da Rota, Gasparian, informando que havia um tenente da Corregedoria no batalhão e que ele teria de ir ao local porque fariam vistoria em seu armário. Após ele se apresentar e nada ser encontrado, foi levado até a Corregedoria para falar com o capitão que investiga homicídios supostamente praticados por policiais.

Eleutério delatou PMs da Rota

Ao chegar na Corregedoria, Eleutério desbloqueou seu celular e afirmou ser inocente. Contou a sua rotina do dia 13 e foi preso. Segundo ele afirmou em juízo nesta quarta-feira, havia um grupo no WhatsApp com cerca de 50 policiais da Rota, a tropa de elite da PM

Neste grupo, ainda segundo Eleutério, havia policiais que afirmavam ter participado da chacina. Também havia no grupo informações de que a morte de um cabo da PM em Osasco no dia 7 de agosto daquele ano seria vingada.

Questionado pelo MP (Ministério Público) o motivo pelo qual não informou seus superiores e a Corregedoria sobre as informações, ele afirmou que "não ia fazer diferença". Corregedoria da PM e o DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, não encontraram indícios de envolvimento dos PMs da Rota nos crimes.

Briga dentro do presídio

Eleutério se envolveu em uma confusão com o PM Magno Gama, dentro do presídio militar Romão Gomes (para onde são mandados os policiais que cometem crimes). Isso quase lhe causou uma expulsão ou demissão da PM. Ele foi acusado de agressão e de ameaça de morte pelo outro PM depois de uma briga durante um jogo de futebol.

"Ele chegou mais forte em mim, me deu uma cotovelada, houve um empurra-empurra, me mandou para aquele lugar, eu mandei de volta, e depois soube que ele tinha me denunciado", afirmou. Segundo ele, o outro PM tinha apenas uma testemunha em seu favor, contra várias outras que negavam a denúncia. No fim, ele foi inocentado.

Sonho de criança

Preso há mais de dois anos, e pela segunda vez, Eleutério tinha o sonho de ser do grupo aéreo da PM. Ele entrou na corporação em 16 de março de 2010. De lá para cá, atuou em Jundiai (Grande SP), zona sul da capital, polícia judiciária e, por fim, a Rota, onde fazia treinamento antes de ir para a patrulha na rua.

Antes, ele trabalhou como bombeiro civil por cinco anos. Ele namorava sua atual noiva há dois meses, quando foi preso em agosto de 2015. "Eu amo amar o próximo", disse.