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"Não querem os jovens pensando", diz mãe de réu que foi preso em ato anti-Temer

A comerciante Rosana Cunha e o filho, Gabriel Cunha Risassi - Arquivo pessoal
A comerciante Rosana Cunha e o filho, Gabriel Cunha Risassi Imagem: Arquivo pessoal

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

22/09/2017 04h00

“Armaram uma arapuca para esses meninos; só o que queremos é Justiça. Precisamos ter nossa vida de volta”. O desabafo é da comerciante Rosana Cunha, 57, de São Paulo, mãe do estudante Gabriel Cunha Risassi, 19.

A justiça reclamada pela mãe começa a ter um destino nesta sexta-feira (22) às 14h30, no Fórum Criminal da Barra Funda, quando Risassi e outros 17 jovens na faixa dos 20 anos têm a primeira audiência no processo em que são réus por associação criminosa e corrupção de menores.

O grupo foi preso ano passado pouco antes de um protesto contra o governo do presidente Michel Temer (PMDB) e a favor de eleições diretas. As prisões aconteceram no CCSP (Centro Cultural São Paulo), zona sul da capital paulista.

No final do mês passado, a juíza da 3ª Vara Criminal, Cecília Pinheiro da Fonseca, aceitou a denúncia do Ministério Público e transformou os jovens em réus. O processo, entretanto, corre em segredo de Justiça, já que há três menores de 18 anos citados nele.

Ao filho de Rosana foi atribuída, no ato da prisão, uma mochila com uma barra de ferro. Para o promotor Fernando Albuquerque de Souza, autor da denúncia de cinco páginas contra os 18 jovens, o objeto seria utilizado “para a prática de danos qualificados consistentes na destruição, inutilização e deterioração do patrimônio público e privado e lesões corporais em policiais militares.”

A denúncia de Souza não mencionou o então capitão do Exército, Wilson Pina Botelho, que estava infiltrado no grupo, acabou levado junto à delegacia durante as prisões e foi liberado na sequência. Botelho se apresentava aos jovens em grupos em redes sociais e aplicativos de paquera como o militante de esquerda “Baltazar (ou ‘Balta’) Nunes”.

“Os meninos que estavam lá nem eram amigos, mas colegas que se falavam pelo Facebook desde atos de que participaram no Largo da Batata. Foi uma grande armação, ou uma arapuca, a que fizeram contra eles, tanto que quem mudou a rota do grupo, que se encontraria no vão do Masp [em frente à saída do protesto], para o CCSP,  foi o infiltrado”, afirmou Rosana. “Eles mesmos mal se conheciam. Mas muitos carregavam materiais de primeiros socorros e máscaras brancas – já viu black bloc usar máscara branca?”, indagou.

“Meu filho saiu para protestar com a roupa do corpo, carteira com os documentos, celular e a chave de casa. Nem a mochila era dele, mas de outro jovem que estava no centro cultural para um trabalho acadêmico. Muito menos aquela barra de ferro era dele ou desse menino. Os três menores de idade que foram apreendidos junto foram todos julgados e absolvidos”, defendeu Rosana.

Na foto, ao centro, o dia em que o estudante Gabriel Cunha Risassi foi liberado em audiência de custódia depois de ser preso em um grupo de quase 20 pessoas, em SP - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Na foto, ao centro, o dia em que o estudante Gabriel Cunha Risassi foi liberado em audiência de custódia depois de ser preso em um grupo de quase 20 pessoas, em SP
Imagem: Arquivo pessoal

"O interesse é calar a boca de jovens"

A comerciante lembrou que o filho já participou de outros protestos antes do de setembro do ano passado –por exemplo, atuou nas ocupações escolares das Etecs (escolas técnicas estaduais), no começo de 2016, contra a precarização da merenda oferecida pelo Estado. Desde o episódio no CCSP, contou, o jovem não conseguiu mais vaga em escola pública.

Como avalia, um ano depois, tudo o que ela, o filho e o restante da família passaram?

“Os que tentam incriminá-los não querem os jovens pensando. Mas esses meninos têm uma claridade de ideias e não aceitam mais o que é simplesmente imposto, até pelo acesso a informações que eles têm hoje. Eles não aceitam facilmente a corrupção ou a perda de direitos, e o interesse me parece querer calar esses jovens e fazer com com que eles tenham medo de brigar pelo que é de direito. Para mim, isso é uma covardia e uma tentativa clara de usá-los como bodes expiatórios”, afirmou. “O interesse é calar a boca de jovens. E os que estão sendo denunciados sequer participaram de um ato. Isso é justiça?”

Se tem orgulho ou medo pelo filho? “Muito orgulho; digo que ele e os dois irmãos dele são o melhor que tenho na minha vida. Esses jovens me representam, como representam aqueles que foram para as ruas bater panela, e, hoje, têm vergonha de constatar que muita coisa só piorou. Mas é importante elas [mães] saberem que o que está acontecendo com meu filho, agora, pode acontecer amanhã com qualquer uma delas ou com seus filhos”, alertou.

"Enfrentei muitas sequelas psicológicas”, diz jovem que virou réu

A reportagem conversou com Risassi, que reforçou não ser o dono da mochila, nem da barra de ferro atribuídas a ele.

Ele contou que, em um ano, desde a prisão, “enfrentei muitas sequelas psicológicas” – sobretudo por se sentir, constantemente, perseguido ou vigiado.

“Não consigo pensar que isso tenha trazido algo de bom para a minha vida, fora o fato de ver que não estamos sozinhos, porque há uma rede de pessoas solidárias que acreditam em nós e nos apoiam. Meus dois melhores amigos, minha mãe e minha namorada são o que me ajudam e com quem eu posso contar”, diz.

Como reage ao ser tachado de black bloc? “Quem diz isso não sabe quem eu sou, então não pode me julgar. Eu estava naquele dia protestando de forma pacífica, desarmado, sem planejar depredação alguma. Eu sei o que eu estava indo fazer. Quem insiste no contrário, eu lamento: são pessoas que olham hoje para um carro de polícia na rua achando que aquilo as vai proteger, quando, na realidade, é justamente quem poderá ameaçá-las”, definiu. “Espero que a juíza analise isso da melhor forma possível e compreenda o tamanho do absurdo que é esse caso”, encerrou.

Familiares, amigos, jovens e estudantes secundaristas recepcionam os jovens libertos pela decisão do juiz após audiência no Fórum Criminal da Barra Funda - Paulo Ermantino/Estadão Conteúdo - Paulo Ermantino/Estadão Conteúdo
Familiares, amigos, jovens e estudantes secundaristas recepcionaram os jovens libertos pela decisão do juiz após audiência no Fórum Criminal da Barra Funda
Imagem: Paulo Ermantino/Estadão Conteúdo

O que diz a denúncia do MP

Para o promotor Fernando Albuquerque de Souza, os denunciados “associaram-se para a prática de danos qualificados”.

“Os ora denunciados e os menores acertaram que parte do grupo levaria consigo os objetos utilizados nas depredações – barra de ferro e disco metálico, parte carregaria produtos de enfermagem para realizar pequenos curativos em caso de lesões sofridas no confronto, outros transportariam máscaras e capuzes – para ocultar a identidade de todos – e um deles transportaria os telefones celulares dos demais em uma mochila”, observou a denúncia.

Um dos denunciados, que teve apreendidos equipamentos de foto e vídeo, faria, segundo o promotor, “registro das ações criminosas e posterior divulgação em redes sociais e outros meios de veiculação de ideias”. Outros deles, destacou a denúncia, “ficaram encarregados de levar consigo máscaras e capuzes, frascos contendo vinagre – utilizado para minorar os efeitos do gás que a polícia usa para debandar arruaceiros”.

Souza aponta ainda a apreensão de um “disco de metal que seria utilizado como escudo e barra de ferro para desferir golpes que lesionariam policiais e danificariam patrimônio público e particular” e defendeu que, no local das prisões, os manifestantes “partiriam para os locais de destruição e confronto.”

O promotor elencou quatro policiais militares e um delegado da Polícia Civil como testemunhas da acusação no processo. De acordo com a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, a audiência desta sexta servirá para que testemunhas e réus possam ser ouvidos, e eventuais provas, apresentadas.