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Sem Forças Armadas, moradores temem novos confrontos na Rocinha: "Vai ter guerra outra vez"

ANDRE MELO/AGÊNCIA TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem: ANDRE MELO/AGÊNCIA TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

29/09/2017 18h18Atualizada em 29/09/2017 18h18

"Esse morro não fica sem dono", diz uma moradora do alto da da Rocinha que preferiu não ser identificada. "Assim que saírem vai ter guerra outra vez", diz outra.  Sem os militares, que deixaram a favela no início desta sexta-feira (28) após uma semana ocupando o local, muitos moradores consideram uma questão de tempo até que novos confrontos pelo poder no local voltem a assombrar a comunidade.

Os confrontos na Rocinha se intensificaram depois de uma tentativa de invasão, em 17 de setembro, quando criminosos leais ao ex-chefe do tráfico Antônio Bonfim Lopes, o Nem, atacaram o bando de Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, que passou a ditar as ordens na favela após a prisão do antecessor, em 2011. Ao menos quatro pessoas morreram e uma granada chegou a ser lançada na passarela que separa a favela do bairro de São Conrado, na zona sul do Rio de Janeiro.

O objetivo de Nem, que cumpre pena em Porto Velho (RO), é retomar o controle das bocas de fumo. Mesmo detido e fora do Estado, ele continua a dar ordens na quadrilha. Já o ex-aliado e agora rival, Rogério 157, está foragido e é procurado pela polícia.

Em uma tentativa de mostrar o controle do Estado sobre o local, o secretário de segurança, Roberto Sá, chegou a subir parte da favela a pé nesta sexta-feira. "A Rocinha precisa voltar ao normal", disse após cumprimentar alguns moradores. Rosto desconhecido de boa parte da população, ele foi identificado por poucas pessoas.

"Veio tarde", gritou um mototaxista, que definiu a presença das Forças Armadas na favela na última semana como "operação Rock in Rio", em referência à suposta necessidade do governo de controlar a criminalidade no local durante a realização do festival de música -- a favela da Rocinha faz parte de uma das principais vias de acesso ao Parque dos Atletas, onde aconteceram os shows.

29.set.2017 - Vista geral da Favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, nesta sexta-feira. Conforme anunciado pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann, as equipes das Forças Armadas começaram a deixar a Rocinha hoje. Imagens de comboios da Aeronáutica e da Marinha saindo da favela foram registradas pela TV Globo a partir das 3h30 da manhã. Jungmann afirmou ontem, durante entrevista, que o cerco iniciado há uma semana seria encerrado devido ao recrudescimento do confronto entre grupos rivais pelo tráfico na comunidade. A medida vinha sendo discutida entre o Comando Militar do Leste (CML) e as forças de segurança. Pesou a convicção de que a favela se encontra estabilizada. Isso possibilitaria que os 950 oficiais e praças se retirassem, segundo Jungmann disse ao Estado - FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO - FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO
29.set.2017 - Vista geral da Favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, nesta sexta
Imagem: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO
Apesar do discurso oficial de que a situação na comunidade teria sido estabilizada, houve novo tiroteio na noite de quinta-feira (28). De acordo com a PM, militares do Batalhão de Choque trocaram tiros com seis homens "fortemente armados". Um suspeito foi atingido e encaminhado para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento da Localidade), mas acabou morrendo.

Na manhã de hoje, um homem foi preso na favela após esfaquear um jovem suspeito de torturar seu filho. O adolescente, de 16 anos, e um amigo, da mesma idade, teriam sido torturados por traficantes nesta quinta. Os dois foram socorridos por Fuzileiros Navais após passarem cerca de uma hora sendo espancados ao serem confundidos com rivais.

Horas após o crime, Fabrício Costa Manhães, pai de uma das vítimas, foi até a casa de Carlos Alexandre Camelo da Costa, 19, suspeito de ser um dos envolvidos no caso. Atingido no pescoço e no peito, Costa foi socorrido e levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Rocinha.

De acordo com a polícia civil, o jovem está entre os 59 suspeitos de envolvimento com o tráfico que tiveram os mandados de prisão solicitados pela polícia na última semana. Na ocasião em que foi torturado, o adolescente de 16 anos usava um boné com a inscrição 'Jesus é dono desse lugar'. A frase faz alusão à quadrilha de Rogério 157, que aparece em fotos utilizando um cordão de ouro com a inscrição.