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Justiça decide que alunos de Barra Mansa (RJ) não são obrigados a rezar o Pai Nosso antes das aulas

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

18/10/2017 11h14

A 4ª Vara Cível de Barra Mansa (RJ) determinou na terça-feira (17) que a prefeitura local suspenda a ordem de serviço que obriga os alunos das escolas da cidade a entoarem a Oração ao Pai Nosso, diariamente, antes do início das aulas. Na decisão, o juiz Antônio Augusto Gonçalves Balieiro Diniz afirma que a iniciativa do governo municipal "foge por completo ao conceito de razoabilidade".

"Evidente que a formação de filas separadas entre crianças que seguem ou não determinada religião, dentro do mesmo ambiente escolar, para a entoação da Oração ao Pai Nosso, foge por completo ao conceito de razoabilidade. Por óbvio, tal ordem de serviço tem cunho separatista, fomentador de discriminação e conflito, não encontrando qualquer respaldo nos Princípios da Tolerância e Liberdade Religiosa, que respaldaram a decisão da Corte Superior."

Em 2 de outubro, o secretário municipal de Educação de Barra Mansa, Vantoil de Souza Júnior, publicou uma ordem de serviço que obrigava os alunos a entoarem hinos cívicos e a Oração ao Pai Nosso nas escolas da rede. As crianças e adolescentes que não quisessem participar da oração seriam separados em outra fila para posteriormente serem direcionados à sala de aula.

Caso a Prefeitura de Barra Mansa se oponha à determinação do magistrado, há uma multa diária estabelecida no valor de R$ 10 mil. Ao UOL, o subsecretário de Educação, Ricardo Suckow Rosas, afirmou nesta quarta-feira (18) que já está cumprindo a decisão, mas que pretende recorrer.

"Não entendemos algumas coisas, mas o nosso jurídico está preparando tudo para que possamos voltar à normalidade. Estamos mobilizando todos os recursos necessários para tentar derrubar essa liminar."

Após a decisão da Justiça, a Secretaria de Educação tentou que o juiz reconsiderasse a decisão, anexando ao processo uma nova versão da ordem de serviço, alterando o segundo parágrafo e excluindo a separação dos alunos por filas. Dessa forma, os alunos que não desejassem participar da oração seriam encaminhados normalmente para a sala de aula. Mesmo assim, Balieiro Diniz considerou que a decisão fere o que determina a Constituição.

"Evidente que a redação da ordem de serviço juntada pelo município de Barra Mansa é menos gravosa do que a apresentada pela parte autora. Por certo, mostra-se menos gravoso que os alunos de religiões que não entoam a oração do Pai Nosso possam se retirar do local. Ocorre que, ser menos gravoso não significa, nem de longe, estar de acordo com a Carta Constitucional”, destacou.

O juiz considerou ainda que a obrigação do aluno em declarar sua religião para que possa se retirar de uma atividade religiosa diferente da sua preferência também promove o separatismo que deve ser evitado entre os alunos.

“A obrigatoriedade da 'Declaração de Religião' para ausentar-se do local e a própria retirada dos alunos, de local público e laico, por expressa determinação constitucional mostra-se separatista, fomentadora de discriminação e conflito, não encontrando qualquer respaldo nos Princípios da Laicidade, Tolerância e Liberdade Religiosa”, frisou.

O subsecretário municipal de Educação afirmou à reportagem considerar "estranho" que o juiz tenha apontado a inconstitucionalidade da iniciativa do município, pois há referências religiosas tanto na Carta Magna de 1988 quanto nas cédulas de dinheiro.

"É estranho o juiz falar isso. Quando você pega o preâmbulo da Constituição Federal, lá está escrito 'sob a proteção de Deus'. Toda e qualquer cédula nossa, está escrito 'Deus seja louvado'. Cadê a laicidade? O próprio Supremo Tribunal Federal julgou recentemente, ainda que por um placar apertado, que as escolas podem ter ensino confessional", disse Suckow.

Em 27 de setembro, os ministros da Corte aprovaram, por 6 votos a 5, que o ensino religioso nas unidades educacionais pode ter caráter confessional, ou seja, que as aulas podem seguir os ensinamentos de uma religião específica. O Supremo tomou a decisão ao julgar uma ação de inconstitucionalidade movida pela Procuradoria-Geral da República, que queria que as aulas de religião oferecessem uma visão plural sobre as diferentes religiões.

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Suckow declarou ainda que a decisão judicial vai no sentido oposto à recepção da iniciativa por parte da comunidade escolar. "A repercussão da Oração ao Pai Nosso com os pais dos alunos foi excelente. Mais de 90% aprovaram. Com esse dado, talvez consigamos fazer uma ampla discussão com todos para mostrar a possibilidade de retomar as orações diárias."

Por fim, o subsecretário argumentou que a medida foi adotada em consonância com o perfil da "maioria da população". Segundo ele, o Censo do município indica que dos 177 mil habitantes da cidade, 160 mil seriam cristãos --católicos, protestantes, evangélicos e fiéis de outras denominações da doutrina cristã. Os adeptos de outras religiões representariam, no total, pouco mais de 2.000 --cerca de 1,1% da população local.

"Vamos tentar todos os recursos. Porém, caso a gente não consiga, que cumpra-se a lei."