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Após 15 anos, 5 PMs são absolvidos de acusação de torturar 2 advogados em SP

Instituto de Defesa do Direito de Defesa vê problema em duração do processo - Edison Temoteo/Futura Press/Estadão Conteúdo
Instituto de Defesa do Direito de Defesa vê problema em duração do processo Imagem: Edison Temoteo/Futura Press/Estadão Conteúdo

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

18/10/2017 12h43Atualizada em 19/10/2017 19h59

Por falta de elementos que comprovassem a versão das vítimas, cinco policiais militares da Força Tática, acusados pelo crime de tortura contra dois advogados após um acidente de trânsito, em 7 de dezembro de 2002, em Guarulhos (Grande SP), foram absolvidos nesta terça-feira (17) pela Justiça de São Paulo.

Os PMs Carlos Alberto Souza, Paulo Rogério de Almeida, Marcus Vinícius Furlaneto Menezes, Adilson Pinheiro dos Santos e Paulo Rogério da Silva Teixeira eram acusados de agredir, física e mentalmente, dois advogados que iam para um casamento no Jaçanã, zona norte da capital.

O MP (Ministério Público) havia requerido a condenação dos policiais sob o argumento de que estavam demonstradas autoria e materialidade sobre o caso. A Justiça Militar já havia entendido o contrário. Agora, a Justiça comum sentenciou que não foi possível determinar se os PMs torturaram de fato os advogados. Não cabe recurso.

De acordo com as investigações, no início daquela noite, um padrinho do casamento para o qual os advogados iriam bateu seu carro, no Parque Continental, em um ônibus. A PM foi acionada porque os advogados e o motorista e cobrador do ônibus teriam se agredido após desentendimento gerado pelo acidente de trânsito.

Segundo a sentença judicial, a qual o UOL teve acesso, um advogado, com então 23 anos, teria impedido a averiguação dos PMs da Força Tática, lotados no 15º batalhão de Guarulhos. A partir disso, houve uma discussão entre policiais e advogado, o qual acusou os PMs de agressão. Na sequência, o jovem ligou para o pai, também advogado. O pai, que tinha 54 anos, foi ao local e relatou também ter sido agredido.

A denúncia do MP aponta que, assim que chegou próximo do soldado Marcus Vinícius Furlaneto Menezes, o jovem advogado foi agredido com um soco no rosto sem motivo. O pai, ao chegar, foi falar com o sargento Paulo Rogério de Almeida que, também teria o agredido sem motivos aparentes.

Em meio à confusão, os PMs deram voz de prisão aos homens alegando desacato. A irmã do advogado, que também foi ao local, afirmou em juízo ter anotado o prefixo do carro da polícia. Ela acusou o PM Adilson Pinheiro dos Santos de ter lhe dado um tapa no rosto e pegado as anotações.

Ainda segundo a denúncia, o tenente Carlos Alberto Souza compareceu ao local para acompanhar a ocorrência. Ele teria ouvido apenas as versões dos policiais, sem dar ouvidos ao que as vítimas relatavam, e teria instigado seus subordinados a agredi-los.

Segundo os advogados, os PMs algemaram-nos e colocaram na parte de trás da viatura. Eles afirmaram que os policiais os levaram até um terreno baldio, onde foram torturados. Ainda algemado, o advogado de 54 anos afirmou ter sido golpeado com chutes, pontapés e coronhadas no terreno. O filho relatou ter sofrido esganadura e ter recebido socos no rosto, sendo que, em dado momento, ele teria perdido a consciência em decorrência das agressões.

Após supostamente terem sido agredidas, as vítimas foram levadas a um hospital municipal de Guarulhos. Lá, elas relataram (à Polícia Civil e em juízo) que foram ameaçadas de morte e de perseguição familiar caso prestassem queixas sobre o ocorrido. Depois do hospital, os advogados foram até a delegacia e registraram boletim de ocorrência de acidente de trânsito, abuso de autoridade e lesões.

A desembargadora Ivana David, relatora do caso, escreveu na sentença que "é pouco verossímil que duas pessoas distintas – alegadamente se identificando como advogados – tenham sido agredidas por dois policiais diferentes sem prévio aviso ou discussão, pelo simples fato de terem se aproximado de um local onde havia já se instaurado certa confusão decorrente de um acidente de trânsito."

De acordo com a desembargadora, é "mais provável, como se consignou na sentença, que tenha havido uma discussão ou altercação entre as partes, daí se exaltando os ânimos recíprocos, a resultar, como explicitado nas versões defensivas concordantes, em ofensas e desacato que justificariam, em tese, a voz de prisão dada pelos réus e a seguida resistência."

Os PMs haviam sido presos, mas respondiam a acusação em liberdade e continuam na corporação. 

PMs negaram tortura e disseram que houve desacato

Marcus Vinícius Furlaneto Menezes negou, em juízo, a acusação sustentada pelo MP, mas admitiu que se desentendeu com o advogado. Na versão do policial, a vítima do acidente tentava mexer no veículo acidentado e recusava-se a sair do local para que fosse preservado até a chegada da perícia.

Em seguida, o pai do advogado compareceu, "mostrando-se já alterado" e perguntando 'quem foi o filho da puta que bateu no meu filho?'. Segundo a versão do policial, isso causou um entrevero e, por isso, o PM deu voz de prisão por desacato. O policial disse que houve resistência por parte de pai e filho, e dois policiais foram atingidos com socos.

O relato de Adilson Pinheiro dos Santos foi igual ao de Marcus Vinícius.

Paulo Rogério de Almeida contou que, durante o tumulto, os PMs tentavam apaziguar os ânimos da vítima com um cobrador e motorista de ônibus, quando o advogado chegou, sem se apresentar como tal, e disse que não sairia do local, que deveria ser preservado até a chegada da perícia. Ele se retirou e voltou com o pai, que compareceu "com o dedo em riste" e ofendendo os policiais.

Segundo Almeida, ao chegar no hospital, "uma das vítimas se jogava ao chão tentando se autolesionar". Ele negou que os policiais teriam parado em um terreno baldio para efetuar prática de tortura.

Carlos Alberto Souza também negou os fatos narrados na denúncia em juízo. Ele contou que recebeu comunicado sobre a prisão de dois advogados e dirigiu-se até o local, onde já havia uma aglomeração de pessoas. Segundo a versão dos policiais, ouvida por ele, tomou conhecimento de que o advogado de 23 anos os havia desacatado, chamando-os "policiais de merda".

O pai da vítima chegou logo depois, ofendendo verbalmente os policiais presentes, segundo Souza, e isso motivou a prisão de ambos, "os quais ofereceram resistência das vítimas, saindo lesionados, o mesmo ocorrendo com dois soldados". Na sequência, ele determinou que todos fossem ao hospital e, em seguida, para a delegacia.

Advogados: agressões e ameaças de morte e perseguição

O advogado de 23 anos afirmou que foi agredido com um soco pelo soldado Marcus Vinicius ao chegar ao acidente. Ele voltou para casa e retornou ao local com seu pai e de sua irmã, segundo depoimento em juízo. Seu pai teria se identificado para o policial Almeida, responsável pela guarnição, e disse que iria tomar medidas legais, quando foi agredido por ele.

Em seguida, os demais policiais "partiram também para a agressão", algemando ambos, pai e filho, ainda segundo o depoimento. O jovem contou que sofreu ameaças de morte dentro da viatura e que eles foram levados para um terreno baldio, onde continuaram as agressões, com socos e pontapés, até que ele perdeu os sentidos.

O advogado de 54 anos disse que, após falar com o PM Almeida, todos os policiais presentes passaram a agredir e algemar a si e ao seu filho. No hospital, o pai afirmou que os policiais pressionaram o filho para "que não levasse em frente o caso".

"Não há nada que justifique duração de 15 anos"

O advogado Hugo Leonardo, vice-presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) afirmou ao UOL que o período que levou este processo é "extremamente fora do padrão". "Por mais complexa que seja a discussão no processo, não há nada que justifique uma duração de um processo de 15 anos", disse.

O advogado argumentou que, efetivamente, não poderia apontar o que fez com que o processo demorasse todos esses anos por não ter conhecimento sobre o caso nem a complexidade da discussão jurídica. Mesmo assim, ele sustentou que o período foi acima do esperado.

A demora da Justiça Comum é um dos argumentos utilizados por quem defende que supostos crimes praticados por militares sejam julgados pela Justiça Militar. Na última segunda-feira, o presidente Michel Temer sancionou a lei determina que supostos crimes praticados por membros das Forças Armadas sejam julgados na Justiça Militar.

Para Hugo Leonardo, esse argumento não é válido. "Usar o argumento de instrumentalização do processo para alterar a competência não pode ser possível. Uma coisa é uma deficiência em alguma justiça, em algum caso. Trata-se de um argumento retórico que não condiz com a técnica jurídica", disse.