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Com 2 salários atrasados e falta até de papel higiênico, UPA restringe atendimento em subúrbio do Rio

Getty Images
Imagem: Getty Images

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

18/10/2017 04h00

Acostumada a realizar cerca de 400 atendimentos diários, a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Madureira, na zona norte do Rio de Janeiro, funciona hoje com 10% da sua capacidade, segundo relatam funcionários. O motivo: ao menos dois meses de salários em atraso e falta de material, como capotes, lençóis para macas e fraldas.

Produtos de higiene, como álcool e papel higiênico, também estão em falta. Quem trabalha no local diz que a restrição de atendimento não visa punir a sociedade, mas exigir o pagamento de vencimentos atrasados desde julho.

“Só casos graves mesmo, se não for, a gente orienta a procurar outra unidade. É uma forma de chamar atenção para os nossos problemas. Comecei a fazer faculdade este ano e já tive que trancar agora no segundo semestre devido a esses problemas de atraso. Estou pagando conta atrasada e fazendo bolo e doces para conseguir um dinheiro a mais”, diz a técnica em enfermagem Editina Oliveira de Souza, 51, que trabalha há sete anos em Madureira.

Adriana Cruz, 37, outra técnica de enfermagem, conta que a mensalidade da escola da filha, entre outras contas, está atrasada.

“A escola da minha filha está atrasada há dois meses. Estou tendo que renegociar as mensalidades da minha faculdade. Pagando tudo com juros para quando receber, receber atrasado e sem juros, e a gente que se vire. Fica por isso mesmo”, diz ela.

"De UPA em UPA"

No bairro, quem precisa de atendimento já sabe que é perda de tempo recorrer à unidade. Maria José Gomes, 66, conta que foi à UPA após desistir de atendimento em Marechal Hermes, também na zona norte.

“Fiquei lá sentada três horas e não chegou a minha vez. Desisti e procurei ajuda em Madureira, que tem ficado vazia. Tentei a sorte, mas não consegui”, diz Maria José que procurou atendimento devido a uma febre alta e dores no corpo que já duravam cinco dias.

O vidraceiro Luiz Albertino, 52, diz que costuma ir a diferentes unidades de saúde em busca de atendimento. “Esse povo é muito sofrido. Olha pra mim! Estou desempregado e ainda tenho que ficar gastando dinheiro de passagem pulando de UPA em UPA tentando atendimento. É o fim da picada!”, lamenta o paciente, que estava com dores fortes na coluna.

A UPA de Madureira é gerida pela OS (Organização Social) Iabas (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde), que administra ainda outras duas unidades --Marechal Hermes e Costa Barros. Por lá, os pagamentos estão em dia, diferentemente do que ocorre em Madureira, segundo os profissionais.

“Não entendo o motivo que leva a Iabas a sacrificar apenas os profissionais de Madureira. Nas outras unidades, os funcionários já até receberam parte do 13º salário e a gente neste sofrimento”, acrescenta Editina.

Problemas ocorrem desde agosto

Há dois meses, além dos salários atrasados, UPAs da cidade sofreram com a carência de refeições e medicamentos. Em agosto, profissionais de várias unidades se uniram e fizeram um protesto no centro do Rio.

Na ocasião, o técnico de enfermagem do Centro de Atendimento Psicossocial Antonio Carlos Mussum, na Colônia Juliano Moreira, zona oeste do Rio, também administrado pela OS Iabas, denunciou que até a comida estava sendo racionada. "Não está no patamar ideal a alimentação dos pacientes", afirmou.

Já no Centro Municipal de Saúde Carlos cruz Lima, administrado pela OS Viva Rio, em Colégio, zona norte, funcionários destacaram o impacto da falta de recursos nos atendimentos.

"Ficamos sem internet por três dias, o que inviabiliza o agendamento de pacientes, os materiais estão ficando escassos, tem muito remédio faltando, não temos papel nem copo descartável. Uma situação preocupante", denunciou à época a agente comunitária de saúde Mariza Rodrigues.

As justificativas

Procurado, o Iabas informou que não recebeu da SMS (Secretaria Municipal de Saúde) os repasses integrais referentes aos meses de agosto e setembro para administração da UPA Madureira.

“Como consequência [da ausência de repasses] os salários dos colaboradores estão atrasados e há falta de medicamentos e insumos na unidade, fazendo com que apenas casos graves sejam atendidos. O Iabas irá regularizar os pagamentos assim que os repasses forem realizados”, disse a OS por meio de nota.

Já a Secretaria Municipal de Saúde afirmou que segue o calendário de repasses estabelecido pela SMF (Secretaria Municipal de Fazenda) e que trabalha para que os pagamentos em atraso sejam normalizados. De acordo com a pasta, no dia 5 de outubro, foi feito repasse de R$ 724 mil para a organização social gestora da UPA Madureira e outros R$ 541 mil estão com pagamento agendado, inicialmente, para 16 novembro.

“A SMS já solicitou toda prioridade de pagamentos para os contratos, para datas anteriores a esta última, sob análise das comissões fiscais da SMF. A SMS e a direção da unidade atuam juntas para que não haja prejuízo ao atendimento da população”, diz o comunicado enviado ao UOL.

Para esclarecer o problema sobre os repasses das verbas, a reportagem procurou a Secretaria Municipal de Fazenda, que disse a pasta disponibiliza recursos orçamentários para diversos órgãos da prefeitura e que o pagamento dos prestadores de serviço ocorre de forma descentralizada, sendo realizado pelas pastas responsáveis pelos contratos.

A direção da UPA de Madureira afirmou que os atendimentos ocorrem em regime de classificação de risco, no qual os casos mais graves têm prioridade. A unidade nega falta de medicamentos e alimentos.