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Atirador de GO passou de vítima de bullying a agressor e remete a caso Columbine, diz psicóloga

Arma era da mãe e estava escondida em casa, diz polícia

UOL Notícias

Daniela Garcia

Do UOL, em São Paulo

21/10/2017 04h00

O adolescente de 14 anos que abriu fogo dentro de um colégio particular em Goiânia agiu motivado pelo bullying, afirmou a Polícia Civil nesta sexta-feira (20). Segundo o delegado Luiz Gonzaga Júnior, o menino teria dito que se inspirou em ataques em massa em escolas. Para especialistas ouvidos pelo UOL, o caso de Goiás guarda semelhanças com o massacre de Columbine, nos Estados Unidos, que evidenciou a ligação entre bullying e violência escolar. 

De acordo com a polícia de Goiás, o aluno do colégio Goyazes tinha como alvo apenas um garoto que fazia as provocações. O atentado resultou na morte de dois meninos de 13 anos e outros quatro estudantes baleados estão hospitalizados. O atirador teria tentado se matar após ter feito as vítimas, mas foi impedido por uma funcionária da escola. No episódio de Columbine em 1999, dois adolescentes considerados superdotados, supostamente vítimas de bullying, mataram 12 alunos e um professor. Ambos se suicidaram.

Para Susete Figueiredo, professora de psicologia escolar na Universidade Mackenzie, as vítimas de bullying podem se tornar agressores. Na tentativa de eliminar o problema, eles passam a praticar o bullying ou tomar medidas violentas. "Provavelmente, ele encontrou na arma o instrumento mais próximo para acabar com o sofrimento dele. Como no caso de Columbine, em que eles cansaram de ser vítimas e quiseram exterminar a escola como um todo", analisa.

Na avaliação de Neide Noffs, psicopedagoga e diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP, a reação do garoto de 14 anos foi extrema e não pode justificar o crime. "Há uma fantasia de que o seu problema será resolvido eliminando as pessoas", pontua.

Ambas especialistas afirmam que o menino de Goiânia já devia ter apresentado sinais de que estava sofrendo bullying.

Susete caracteriza a agressão como "brincadeiras abusivas e repetitivas que causam dor e sofrimento no outro". " Lembrando que não é qualquer pessoa que sofre com uma brincadeira de mau gosto", pontua.

"No começo, a vítima fica um pouco mais afastada. Em vez de compartilhar o sofrimento com os demais, eles se fecham, geralmente, por vergonha, com com medo de retaliação", explica Susete. À medida que sofre o abuso, segundo a psicóloga, a vítima pode entrar em depressão, se tornar um agressor ou tirar a própria vida. "Cada um tem uma reação diferente".

Neide diz que as vítimas se retraem e fazem queixas, que nem sempre são explícitas. "O menino pode reclamar que não quer ir à escola, que está chateado, porque ele não localiza o motivo real do sofrimento". 

A psicopedagoga da PUC questiona se o garoto de Goiás teria dado "nenhum sinal de insatisfação ou aborrecimento". "Não é possível que nem a família nem os profissionais da escola detectaram isso", afirma.

Escola deve combater bullying

"Eu acredito que pais e professores são peças fundamentais para perceber a mudança de comportamento do jovem. Quando ele está em sofrimento, ele se isola, fica mais quieto e há uma tendência de as notas da escola caírem", diz a professora do Mackenzie.

O papel da escola, segundo Susete, é de combater o bullying. "A escola não pode fazer vistas grosas para o que está acontecendo. A escola é o palco adequado para se trabalhar nessa prevenção, com rodas de conversa e psicólogo é uma peça muito importante para fazer esse de mediação. A cada ano vemos episódios desse em escola pública ou particular. É necessário dar recursos para fazer esses jovens a falar. Eles têm a necessidade de expressar".

Adolescente se inspirou em Columbine e Realengo

O adolescente de 14 anos que matou dois colegas nesta sexta-feira (20) dentro de uma sala de aula em Goiânia afirmou, em depoimento à polícia, que se inspirou nos tiroteios de Columbine, nos Estados Unidos, e de Realengo, no Rio de Janeiro. O relato foi feito à imprensa pelo delegado Luis Gonzaga Júnior, que investiga o caso.

“O adolescente agiu motivado por um bullying que ele sofria de outro adolescente. Segundo informação do próprio adolescente, ele se inspirou em duas tragédias. Uma tragédia que aconteceu [em 1999] nos Estados Unidos, no colégio Columbine, e outra [em 2011] no Realengo, aqui no Brasil. Dessa inspiração fez nascer a ideia nele de matar alguém. Depois, motivado por esse bullying que ele sentia e sofria por parte de um dos seus colegas, ele resolveu executar e matar pessoas”, disse Gonzaga.

O adolescente atirador de Goiânia abriu fogo contra seus colegas do colégio Goyazes por volta das 11h40 desta sexta. Ele relatou em depoimento que tinha como alvo especificamente um dos dois jovens que morreram, que o "amolava muito", sem especificar como era a perseguição. “[Ele matou] primeiro esse colega e, depois, segundo ele, teve vontade de matar mais. No momento da execução ele falou para todo mundo: ‘Vocês vão todos morrer’”, acrescentou o delegado.

O delegado disse à imprensa, entretanto, que o adolescente não relatou, em seu depoimento, já ter feito alguma reclamação à escola sobre ser vítima de bullying. Funcionários do colégio também afirmaram à polícia que não havia registro de bullying em relação ao jovem que cometeu o crime.

O atirador contou também que já passou por acompanhamento psicológico, o que foi confirmado por seu pai, mas nenhum dos dois especificou do que se tratava e o que o motivou, segundo Gonzaga, da Depai (Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais).

Questionado se o adolescente esboçou algum sentimento de culpa, Gonzaga disse que ele não chegou a falar a palavra "desculpas", mas, pela feição, aparentava estar arrependido "com certeza".