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Dois anos de superlotação e improviso: presos gaúchos ainda são mantidos dentro de carros

Em São Leopoldo (RS), suspeitos de crimes são mantidos em ônibus da Brigada Militar - UGEIRM-Sindicato
Em São Leopoldo (RS), suspeitos de crimes são mantidos em ônibus da Brigada Militar Imagem: UGEIRM-Sindicato

Luciano Nagel

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

25/10/2017 04h00

Desde 2015, a cena é a mesma. A falta de vagas no sistema penitenciário do Rio Grande do Sul faz com que os suspeitos de cometerem crimes sejam detidos pela polícia e mantidos por dias, semanas e até meses em carros da Brigada Militar, ônibus e pequenas celas dentro das Delegacias de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) em Porto Alegre e municípios da região metropolitana. Este improviso sobrecarrega os policiais civis, que executam funções de agentes penitenciários, além de ter que lidar com o estresse causado dentro das delegacias.

A reportagem percorreu, nesta terça (24), algumas delegacias de polícia, nos municípios de São Leopoldo, Canoas, Viamão e Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre. Encontrou 64 homens detidos na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) em Canoas. Deste total, 31 estavam presos em carros oficiais da polícia e o restante ficavam amontoados e algemados em bancos e portões do pátio interno e dentro de um pequena cela.

Foram avistados, ainda, presos algemados no pátio da instituição, sob bancos e grades, onde aguardam a transferência, sem data definida, para alguma casa prisional. O local lembra acampamento de desabrigados. Uma policial civil, que pediu para não ser identificada na reportagem, explicou que todos estes criminosos foram detidos em flagrante em outras cidades, como Sapucaia do Sul, Esteio, Eldorado do Sul, Guaíba e Nova Santa Rita.

“Além de vigiar os presos, ainda temos que dar comida, banho e levá-los ao banheiro para fazer suas necessidades. Muitos detentos estão em situação de estresse, pois já estão há semanas aqui, e isso causa um enorme desconforto, tanto para nós policiais quanto para a população que tem que vir aqui registrar algum boletim de ocorrência”, disse a agente policial da DPPA de Canoas.

O cenário de Canoas repete-se na DPPA em Gravataí, município localizado a cerca de 30 km de capital gaúcha. A Delegacia de Polícia, nesta manhã de terça (24), abrigava 31 pessoas detidas dentro de carros e outras sete em uma cela no interior da DP. Na semana passada, 70 presos estiveram sob custódia da Brigada Militar, algemados em carros, bancos e celas. 

Perto da DP, comerciantes relatam o medo de conviver próximos aos criminosos. “Tenho uma academia de ginástica aqui do outro lado da rua. O movimento de alunos tem caído bastante por causa destas viaturas cheias de presos. O pessoal tem muito medo”, afirmou o gerente da academia, que pediu o anonimato. “É o cúmulo do descaso”

Não muito longe de Gravataí, na cidade de Viamão, dezenas de presos se acumulam em uma pequena cela dentro da DPPA local. O grupo está há meses encarcerado na pequena Delegacia de Polícia. Entre os detidos em flagrante, está um homem com tuberculose, doença infectocontagiosa que afeta os pulmões. “O rapaz estava escarrando sangue havia dias e a Justiça determinou a remoção imediata do detento para atendimento médico urgente”, disse o vice-presidente do Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores de Polícia do Rio Grande do Sul (UGEIRM-Sindicato), Fábio Castro.

No município de São Leopoldo, os dez presos em flagrante aguardam transferência para algum presídio da região metropolitana. Deste total, quatro homens estão detidos dentro de um ônibus da Brigada Militar, estacionado no pátio da instituição, e outros seis estão encarcerados dentro da DP.

Suspeitos de crimes são mantidos em delegacia de Canoas (RS) - UGEIRM-Sindicato - UGEIRM-Sindicato
Suspeitos de crimes são mantidos em delegacia de Canoas (RS)
Imagem: UGEIRM-Sindicato

Governo promete solução até novembro

Nessa último dia 18, o secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Cezar Schirmer, esteve reunido com autoridades da Brigada Militar, Polícia Civil e Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Na ocasião, afirmou que o governo resolverá até novembro a situação dos presos que vem sendo mantidos em delegacias, mas não deu detalhes das estratégias que serão utilizadas.

Questionada pela reportagem, a Secretaria da Segurança Pública (SSP-RS) divulgou nota em que afirma que “serão investidos, em curto e médio prazo, cerca de R$ 50 milhões na construção de novas unidades” e que “duas galerias da Penitenciária de Canoas 2 já estão em operação". "A ação disponibilizou 288 novas vagas, de um total de 2.808 ainda a serem ocupadas. A utilização plena dos módulos ocorrerá na medida em que o governo formar os novos 720 agentes penitenciários aprovados no concurso realizado neste ano.”

A nota diz ainda que “no início de 2017 foi aberto o primeiro centro de triagem para presos provisórios da capital, com capacidade para 72 detentos. Recentemente, foi inaugurado o segundo centro de triagem do município, em área anexa à Cadeia Pública de Porto Alegre, com 96 vagas”.

Suspeitos de crimes são mantidos em carros da Brigada Militar - UGEIRM-Sindicato - UGEIRM-Sindicato
Suspeitos de crimes são mantidos em ônibus da Brigada Militar em São Leopoldo (RS)
Imagem: UGEIRM-Sindicato

Denúncias sobre presos em DPs será debatida no Uruguai

Representantes do Sindicato de agentes da Polícia Civil do RS participam, desde terça (24), de um encontro no Uruguai com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. De acordo com o vice-presidente do UGEIRM-Sindicato, Fábio Castro, o objetivo é denunciar a atual situação em que se encontram as Delegacias de Polícia da região metropolitana de Porto Alegre.

No encontro, que ocorre em Montevidéu até sexta (27), serão debatidos diversos temas relativos aos direitos humanos. Sete países participam da conferência: Brasil, Colômbia, Estados Unidos, Jamaica, México, Panamá e Peru.