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Número de pessoas mortas por policiais em SP é o maior em 15 anos

PMs preservam local onde ocorreu homicídio na Vila Formosa, zona leste de SP - Zanone Fraissat/Folhapress
PMs preservam local onde ocorreu homicídio na Vila Formosa, zona leste de SP Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

30/10/2017 14h41Atualizada em 07/11/2017 11h42

O número de pessoas mortas pelas polícias militar e civil no Estado de São Paulo chegou a 687 nos nove primeiros meses de 2017. O índice é o maior registrado em 15 anos, sendo superado apenas pelas estatísticas de 2002, quando 725 pessoas foram mortas por policiais em serviço ou durante a folga. Esta é a quarta alta seguida para o período.

Os dados foram levantados pelo UOL através das estatísticas trimestrais, divulgadas pela SSP (Secretaria da Segurança Pública). Os índices incluem apenas as ocorrências nas quais policiais militares e civis afirmam na delegacia que o suspeito morreu por troca de tiros, excluindo casos de homicídios. Esses casos são classificados como "morte em decorrência de intervenção policial".

Enquanto a letalidade policial no Estado está em alta, há queda no número de policiais civis e militares mortos em São Paulo durante o serviço. Nos nove meses do ano, foram 11 assassinatos. É o número mais baixo desde que o governo do Estado passou a compilar os dados da criminalidade, em 1996.

O ouvidor da Polícia de São Paulo, Julio Cesar Neves, resume: "isso significa que a polícia está matando mais e morrendo menos". Segundo ele, isso ocorre porque os policiais não respeitam um método da PM (Polícia Militar), que diz respeito à forma com que o policial entra em confronto com suspeitos: o método Giraldi.

O método determina que, durante uma abordagem, caso seja necessário, o PM deve disparar duas vezes. "Quando não forem suficientes para fazer cessar a ação de morte do agressor contra a sua vítima, serão repetidos”, aponta um item do Giraldi. Apesar de ser um item repassado a PMs, o ouvidor afirma que deveria também estar incorporado à Polícia Civil.

"Até eu já fiz esse treinamento. Ele pode ser feito por qualquer cidadão que tenha interesse. Se os policiais respeitassem o método Giraldi, haveria menos mortes de civis e também menos mortes de policiais", afirma. "O policial não está na rua para matar alguém, para executar uma sentença de morte. Ele serve para prender e levar o suspeito ou criminoso para um distrito policial", complementa.

O que diz a Secretaria de Segurança

Por meio de nota, a SSP disse trabalhar para reduzir a letalidade policial em São Paulo. "No entanto, é importante ressaltar que opção pelo confronto é sempre do criminoso. A maior parte dos confrontos acontece nos casos em que policiais atuam para impedir roubos", afirma a pasta.

A secretaria informou que, nos últimos cinco anos, cerca de 60% dos confrontos entre PMs e criminosos ocorreram em tentativa de impedir assaltos, situação em que "os criminosos estão armados e colocando a vida de pessoas em risco".

Nos primeiros nove meses do ano, continua a secretaria, 2.631 criminosos entraram em confronto com policiais militares (em serviço e em folga) em 1.086 ocorrências --desses suspeitos, 17% morreram. Segundo a pasta todos os casos são investigados para apurar se a atuação do policial foi legítima. "Os casos só são arquivados após minuciosa investigação, seguida da ratificação do Ministério Público e do Judiciário", reforça a secretaria. 

Em 2015, foi implementada medida que determina o comparecimento nas investigações das corregedorias e dos comandantes da região, além de equipe específica do IML (Instituto Médico Legal) e IC (Instituto de Criminalística), para melhor preservação do local dos fatos e eficiência inicial das investigações. A resolução SSP 40/15 também prevê a imediata comunicação ao Ministério Público.

A reportagem também solicitou entrevista com o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho, para falar sobre o assunto, mas ainda não obteve retorno sobre o pedido.

Política para reduzir letalidade, defende promotor

Para o promotor de Justiça Alfonso Presti, o número da letalidade policial pode ter relação com a alta na criminalidade. Com média de sete casos por dia, o latrocínio, roubo seguido de morte, subiu 58% no Brasil, nos últimos 7 anos, de acordo com o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta segunda-feira (30).

"Nós estamos num cenário muito parecido com a década de 1970, em que se motivou a criação de esquadrões da morte. Naquela época, a criminalidade estava crescente e era empregada violentamente contra as polícias. As polícias respondiam no mesmo sentido", analisa o promotor. "Hoje, o 'caldeirão' está muito parecido. É preciso que seja feita uma intervenção política muito bem feita", afirma.

"A sociedade acha que a polícia empreender uma violência maior é uma forma de cessar a violência, quando, na verdade, ela só fomenta mais a criminalidade violenta", diz. "Esses dados não podem ser completamente excluídos do dado de latrocínio, do anuário. É um número dramático. Isso é um clima todo que age sob a PM e Polícia Civil", afirma.

Segundo o promotor, seria possível diminuir o número da letalidade policial e também o número de policiais mortos no Estado com política. "Tem que existir e ser cobrada uma política de Estado sobre o assunto. É preciso, efetivamente, que as bases de comando sejam cobradas, através da cadeia hierárquica, no sentido de coibir ações violentas, a não ser em casos extremamente imprescindíveis", argumenta.

"Se o policial não se sente confortável para agir de uma maneira mais violenta, ele não vai agir dessa maneira. Ele tem que se sentir confortável para isso. Tem que sentir que há impunidade em relação", diz Presti. O promotor relembra que, em alguns casos registrados como morte em decorrência de confronto, depois fica constatado que foi um suposto homicídio praticado por um policial.

O UOL revelou que o homicídio é o tipo de crime que mais leva policiais militares de São Paulo para a prisão. Segundo a PM, o número, de 27 no primeiro semestre de 2017, representa menos de 1% do total de policiais militares no Estado. Segundo Presti, a maioria dos PMs são absolvidos ou têm o processo arquivado, gerando sensação de que, em casos como este, "há impunidade".

Cenário nacional: polícia do Amapá é a que mais mata

De acordo com o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 4.224 pessoas foram mortas em decorrência de intervenções de policiais civis e militares no ano de 2016. Isso representa um crescimento de 25,8% em relação ao ano anterior. Desse total, 81,8% têm entre 12 e 29 anos, e 76,2% são negros.

O Estado que tem o maior número de suspeitos mortos pela polícia é o Amapá, com taxa de 7,5 a cada 100 mil habitantes. Na sequência, vêm Rio de Janeiro (5,6), Sergipe, (4,1), Pará (3,4) e Goiás (3,1). São Paulo tem taxa de 1,9. 

Já o número de policiais mortos também teve alta, de 17,5%, o que diferencia da tendência do Estado de São Paulo. Segundo o anuário, ocorreram 437 assassinatos de policiais no país no ano passado. A maioria deles é negra (56%), está na faixa etária de 30 a 49 anos (63,6%) e é majoritariamente do sexo masculino (98,2%).

“Esse é um problema de grande relevância, que não vem sendo enfrentado de maneira adequada pelo Estado brasileiro. O que observamos é que os governos têm legitimado de várias formas o uso da força, mesmo quando ela não é necessária, o que acirra a violência”, diz o diretor-presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima.