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Palco de rebelião, Goiás gastou 18% do que recebeu para reformar presídios, diz Ministério da Justiça

Dois agentes penitenciários são mortos a tiros em Anápolis (GO)

UOL Notícias

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

03/01/2018 18h16Atualizada em 03/01/2018 19h47

Em um ano, o Estado de Goiás, palco da mais recente rebelião prisional que resultou em nove mortes, gastou 18% de uma verba de quase R$ 32 milhões disponibilizada pelo governo federal para obras de construção e ampliação de unidades penitenciárias.

A informação é do Ministério da Justiça e da Segurança Pública que divulgou nota, nesta quarta-feira (3), na qual afirma que o Funpen (Fundo Penitenciário Nacional) repassou ao governo goiano a verba em 31 de dezembro de 2016 para ampliação do sistema prisional do Estado.

Após publicação desta reportagem, o governo de Goiás afirmou que os pagamentos são feitos de acordo com o cronograma das obras e que, apesar de "manter um bom relacionamento com o ministério, reitera que os valores repassados nos convênios formulados ainda são insuficientes para que se possa garantir melhorias estruturais no sistema penitenciário" (leia a nota completa abaixo).

O presídio de Aparecida de Goiânia, onde ocorreu a rebelião, tinha ao menos uma área superlotada. Sua população total é de 1.254 presos. Mas 784 deles estão em uma área projetada para 380, segundo dados do Tribunal de Justiça de Goiás. 

A rebelião e os assassinatos ainda estão em processo de investigação. No momento não é possível saber se a superlotação está ou não relacionada com o início do motim.

Em entrevista veiculada pela "GloboNews", o secretário da Segurança Pública e Administração Penitenciária, Ricardo Balestreri, afirmou que a rebelião foi motivada por disputa entre facções criminosas. "Essas facções dominam presídios em todo o Brasil, inclusive em Goiás. Ela disputam espaço mercadológico nestas prisões", disse.

Nova unidade

"O Estado (de Goiás) apresentou projetos para construir uma unidade masculina de regime fechado com 388 vagas no município de Planaltina de Goiás e para ampliar em 150 vagas o estabelecimento masculino de regime fechado no município de Anápolis", afirma a nota do Ministério da Justiça.

"O monitoramento financeiro mantido pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) mostra que, até 22 de dezembro de 2017, o Estado havia executado apenas R$ 5.618.465,75 desse montante, o que equivale a 18% do total repassado", diz o comunicado.

"Significa dizer que a diferença de R$ 26.325.978,69 está disponível no Fundo Penitenciário Estadual sem movimentação há mais de um ano exclusivamente para obras de construção e ampliação."

Ainda de acordo com a pasta da Justiça, outros "R$ 8.840.000,00 foram repassados para compra de aparelhos e modernização e R$ 4 milhões para custeio, resultando no total de R$ 44,78 milhões em 2016." O ministério informa ainda que, na última sexta-feira (29), repassou exatos R$ 17.732.768,86 ao Estado de Goiás, referentes ao Funpen 2017.

Rebelião com nove mortos

Pelo menos 99 presos ainda estavam foragidos na tarde desta terça-feira (2) após a rebelião que deixou nove detentos mortos na segunda-feira (1º) em Aparecida de Goiânia, na região metropolitana de Goiânia. O número foi informado pela Seap-GO (Superintendência de Administração Penitenciária de Goiás).

Segundo o órgão, outros 143 detentos foram recapturados após a rebelião, ocorrida na Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.

Com isso, entre foragidos e recapturados, o total de presos que fugiram durante a rebelião chega a 242, uma cifra bem maior do que a informada pelo governo goiano nas primeiras horas após a rebelião. 

No dia seguinte à rebelião, dois agentes penitenciários foram mortos a tiros em Anápolis -- distante cerca de 60km de Goiânia. Nesta quarta-feira, um preso morreu esfaqueado durante uma briga com outro detento durante o horário de banho de sol.

"Trata-se de um homicídio decorrente de um desentendimento entre os dois apenados. Nada tem a ver com as mortes dos agentes penitenciários", afirma o delegado Renato Rodrigues, um dos integrantes da força-tarefa criada para investigar os homicídios dos agentes.

Inspeção revela buraco na parede

Uma inspeção feita nesta quarta-feira na cadeia de Aparecida de Goiânia (GO) revelou a existência de um buraco na parede de uma das alas da prisão. O furo liga o interior de uma das celas à parte externa da prisão.

O buraco foi feito na ala C, a mais numerosa da cadeia e onde começou a rebelião. De lá, teriam partido os detentos que invadiram as outras alas, ocupadas por presos de grupos rivais.

A vistoria foi conduzida pelo presidente do TJ-GO (Tribunal de Justiça de Goiás), desembargador Gilberto Marques Filho, após determinação da presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal), Cármen Lúcia. O TJ-GO deverá enviar ao CNJ um relatório sobre as condições da cadeia e dos detentos até amanhã.

Imagens da inspeção, divulgadas pelo tribunal goiano, mostram outros rastros da destruição deixada pela rebelião, ocorrida na segunda-feira (1º) na Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.

Há uma grande quantidade de entulho espalhada pelo chão, como tijolos e telhas quebradas, além de baldes de plástico, sacos de lixo e colchões. Boa parte deste material foi incendiada.

Segundo autoridades estaduais, todos os mortos na rebelião tiveram os corpos carbonizados. Duas das vítimas chegaram a ser decapitadas.

Após a inspeção, o desembargador Marques Filho disse à imprensa que os problemas no sistema penitenciário não são locais, mas nacionais, e cobrou uma ação do governo federal.

Nota do governo de Goiás

Após a publicação da reportagem, a Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária de Goiás enviou a seguinte nota sobre o assunto:

"A respeito das informações do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, que mostra o monitoramento financeiro em recursos repassados ao sistema penitenciário goiano, em 2017, onde aparece a execução de 18% do total repassado de R$ 31.944.444,44, até 22 de dezembro de 2017, a Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária (SSPAP) esclarece que os pagamentos são realizados conforme a evolução da obra, cujo prazo de conclusão se encerra somente em dezembro de 2018, considerando-se que a execução é de 18 meses, contados a partir de junho de 2017.

Sobre o valor de R$ 8.840.000,00, esclarecemos que o quantitativo foi devidamente aplicado em compra de aparelhos e modernização, além dos outros R$ 4 milhões que foram aplicados em custeio.

Sobre o valor de R$ 17.732.768,86, repassado na última sexta-feira (29/12), esclarecemos que o montante de R$ 11,2 milhões será utilizado na ampliação e reforma da unidade prisional de Anápolis, e R$ 6,5 milhões em aparelhamento e custeio, conforme Termo de Adesão, datado de 26 de dezembro de 2017 e Ofício Circular nº 133/2017/DIRPP/DEPEN-MJ.

A SSPAP sempre manteve com o Ministério da Justiça um histórico de boas e relevantes parcerias em prol da segurança pública. Entretanto, reitera que os valores repassados nos convênios formulados ainda são insuficientes para que se possa garantir melhorias estruturais no sistema penitenciário e espera que haja sensibilidade do Governo Federal no sentido de ampliar os volumes financeiros neste e nos próximos anos."