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Tiroteios na Rocinha furam caixas d'água e transformadores e pioram ainda mais vida de moradores

Rocinha Exército - Fábio Motta/Estadão Conteúdo - Fábio Motta/Estadão Conteúdo
20.out.2017 - Militar em ação na Rocinha após disputa do tráfico desencadear crise de segurança
Imagem: Fábio Motta/Estadão Conteúdo

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

07/02/2018 04h00

Além de rajadas de fuzil, abordagens policiais e o fechamento do comércio e escolas, moradores da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, passaram a conviver com a frequente falta de luz e água na comunidade. A interrupção dos serviços é mais uma consequência da rotina de confrontos que ocorrem na região desde setembro do ano passado, quando a disputa entre as facções ADA e CV resultou na pior crise de segurança da Rocinha.

De acordo com moradores, a região nunca sofreu tanto com a falta de luz e água como nos últimos quatro meses. É que os tiros entre policiais e traficantes atingem transformadores de energia, além de tubulações e caixas d’água da região.

“A gente não tem direito nem a água e luz. Esses dias quando cheguei em casa do trabalho, descobri que não tinha nada. As balas atingiram o transformador e a caixa d’água. Muito azar para uma casa só. Fiquei cinco dias passando sufoco, tendo que contar com a ajuda de vizinhos. Como se vive sem água e sem luz?”, questionou um morador da localidade conhecida como Macega.

O ajudante de pedreiro, que pediu para não ter o nome revelado, disse que, desde o ano passado, o transformador da região foi atingido duas vezes.

E a gente fica no prejuízo, né? As coisas da geladeira estragam, remédio que fica na geladeira também tem que ir fora. Tenho que trabalhar todo dia e deixo minha sogra sozinha em casa. Olha a preocupação! Uma idosa no escuro o dia todo! Essa é a nossa situação.

Outra família, moradora da localidade Vila Verde, disse que a caixa d’água já foi remendada três vezes devido às perfurações de arma de fogo.

“A gente tapa com cimento. Nos resta dar um jeitinho. Da primeira vez que aconteceu, custamos a entender o motivo da água acabar. Agora, quando notamos falta de água, a gente sobe logo pra tentar ver se tem buraco”, conta o vendedor que mora há 17 anos na comunidade.

Placa Rocinha - Reprodução/Facebook/Parceiros da Rocinha - Reprodução/Facebook/Parceiros da Rocinha
26.jan.2018 - Placa de boas-vindas na Rocinha com marcas de tiro
Imagem: Reprodução/Facebook/Parceiros da Rocinha

Uma diarista que mora na parte baixa da Rocinha conta que os moradores colaboram com os técnicos da Light para restabelecer a luz na região.

“O pessoal se reúne até para carregar transformador, tamanho é o desespero de ficar sem luz. Aquele troço é pesado. Morador faz até grupo para ajudar os funcionários da Light a resolverem o problema logo. Ninguém aguenta mais isso”, desabafa a faxineira.

Um registro de uma dessas mobilizações (vídeo acima) foi feito pelo professor de história Fernando Ermiro, que mora na Rocinha. "A gente tem uma rotina de guerra: acordo, não sei se vou ter água, se vou ter luz --frequentemente não tenho--, se conseguirei sair de casa. Há insegurança, inconstância no acesso a serviços, no acesso à lei", disse ele.

Somente nas últimas três semanas, a Light registrou sete transformadores e cabos de energia danificados por conta de tiros na favela, o que provocou problemas de interrupção de energia para mil moradores.

De acordo com a concessionária, nos últimos 12 meses, foram contabilizados 202 transformadores danificados por projéteis devido aos confrontos no Rio de Janeiro. Os reparos dos equipamentos custaram R$ 2 milhões.

Rocinha tem 41 mortos desde setembro

As ações da Polícia Militar na Rocinha já deixaram 41 mortos nos últimos quatro meses na comunidade --entre eles, 39 suspeitos, uma turista espanhola e um PM. O número representa uma morte a cada três dias na região.

O último confronto ocorreu na sexta-feira (2) quando policias da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) entraram em confronto com criminosos na rua 4. Dois homens ficaram feridos e foram socorridos no hospital Miguel Couto, na Gávea. Um deles morreu e o outro ficou sob custódia. Segundo a PM, com eles foram apreendidos uma mochila com material entorpecente e fogos. Um criminoso armado conseguiu fugir e um menor de idade foi apreendido.

Segundo levantamento do aplicativo Fogo Cruzado, que mapeia a violência no Estado, a Rocinha foi a segunda comunidade que mais registrou tiroteios (23), ficando atrás apenas da Cidade de Deus (46), localizada na zona oeste da capital fluminense. Ambas contam com UPPs, cujo projeto está ameaçado devido à falta de investimentos e à diminuição de efetivo da Polícia Militar.

A insegurança tomou conta da Rocinha em setembro, quando um grupo de homens ligados a Antônio Bonfim Lopes --o Nem da Rocinha-- invadiu a comunidade para retomar o controle do tráfico de drogas.

A disputa pelo território começou após um racha entre Nem, que está preso em Rondônia, e o seu ex-braço direito, Rogério 157, detido no fim do ano passado. Um desentendimento entre eles fez com que 157 migrasse para o CV, tirando da ADA o controle do tráfico na favela.

O conflito entre criminosos chegou a levar quase mil homens das Forças Armadas à favela para respaldar as operações da polícia na região.

Desde então, 84 pessoas foram presas na comunidade e 19 menores, apreendidos. Também foram feitas apreensões de 36 fuzis, três submetralhadoras, 55 pistolas e 61 granadas, além de mais de 2 toneladas de drogas.