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Análise: Intervenção é "show pirotécnico" sem benefícios à segurança do Rio

Para socióloga e pesquisador, atuação do Exército no Rio já se mostrou, em outras oportunidades, ineficaz; especialistas sugerem investimento em inteligência - Marcos Arcoverde/Agência Estado
Para socióloga e pesquisador, atuação do Exército no Rio já se mostrou, em outras oportunidades, ineficaz; especialistas sugerem investimento em inteligência Imagem: Marcos Arcoverde/Agência Estado

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

16/02/2018 15h14Atualizada em 16/02/2018 15h26

O presidente Michel Temer (MDB) decidiu no início da madrugada desta sexta-feira (16) decretar intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Com isso, o Exército passará a ter responsabilidade sobre as polícias, os bombeiros e a área de inteligência do Estado. Especialistas entrevistados pelo UOL, no entanto, avaliam que a medida é midiática e que não deve melhorar a segurança do Estado.

Na prática, o Exército vai substituir o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (MDB), na área de segurança até o dia 31 de dezembro. A decisão do governo federal contou com o aval de Pezão.

A socióloga Julita Lemgruber, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, e João Trajano Sento-Sé, pesquisador do laboratório da análise da violência da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), analisam da mesma maneira a decisão do governo federal.

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Enquanto a socióloga cita que a medida é um "show pirotécnico" do governo federal, o pesquisador analisa que a ação demonstra que o Estado está na "UTI" e que não deve ser o Exército o salvador da pátria.

Julita relembra que as Forças Armadas já se fizeram presentes no Rio, a pedido do governo estadual, em outras oportunidades. E que isso não melhorou a segurança estadual.

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"A [favela da] Maré ficou ocupada por 16 meses pelas Forças Armadas, em 2014. É um custo de bilhões de reais. Você vai na Maré hoje e o varejo do tráfico está fortemente armado. E a Maré é muito singular, porque há diversos traficantes diferentes, em diferentes favelas, inclusive com milícias", disse.

Para a socióloga, ao invés de "meses com presença física, com esse show pirotécnico", que, segundo ela, funcionou para tranquilizar os ânimos apenas por alguns dias, o investimento da segurança deveria ser em inteligência das polícias estaduais.

"Logo a população percebeu que aquela ostensividade não tinha um planejamento maior por trás. Era apenas ocupação ostensiva para transmitir uma percepção de segurança. E a população vai perceber isso novamente. Não adianta presença. Tem de ter inteligência", afirma a socióloga.

Segundo ela, nos últimos anos, com atuações do Exército no Estado, em vez de melhorar, a segurança pública piorou. "Houve uma piora nos últimos anos. O Exército é treinado para outras situações. Eles têm uma função específica. O Exército não está preparado para esse tipo de ação. Mais uma vez, a gente está indo para o caminho errado. Em vez de estimular a adequação e investir nas forças policiais, mandam forças federais. Se somasse todos os recursos gastos na área de inteligência, seria mais eficaz", afirmou.

O pesquisador Sento-Sé segue a mesma linha de raciocínio da socióloga. "Segurança pública é absolutamente distinta da segurança nacional. É para encarar com muita, muita preocupação esse cenário. Sou cético quanto os resultados. Todas as oportunidades em que ocorreram pedidos de auxílio foram em situações em que as autoridades estaduais não tinham resposta para dar. Mas nenhuma delas teve resultado. Foram iniciativas caras e inócuas", disse.

"Fora grandes eventos, como Rio-92 e Olimpíada, as intervenções sempre tiveram caráter de espetáculo. É um grande espetáculo que o poder público oferece para aplacar as ansiedades da população, sobretudo as classes médias, mas sem resultado nenhum. O resultado é apenas midiático. O mais do mesmo. Mais uma vez, diante de uma situação de crise, chama-se a União. É o recorrente. Dentro do que tem acontecido, a efetividade é zero", complementou Trajano Sento-Sé.

Para o pesquisador, a situação é traumática para o Rio de Janeiro, que "explicita ainda mais abertamente a falta de capacidade de definição de política para o Estado. Não é um problema só para segurança pública, que talvez esteja mostrando sua faceta mais dramática desse desgoverno, mas mostra que o Estado e o governo estão na UTI. Em janeiro do ano que vem, entra um novo governador e zera tudo. Situação de UTI de um governo que não vai deixar saudade do Estado", afirma.