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Intervenção é "urgente" e chega "atrasada", diz ex-Bope que inspirou Tropa de Elite

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Imagem: Reprodução/Facebook

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

17/02/2018 04h00Atualizada em 18/02/2018 15h45

Além de “necessária” e “urgente”, a intervenção das Forças Armadas por decreto federal na área da segurança no Rio de Janeiro é uma medida que chega “atrasada”, pois deveria ter sido adotada até mesmo antes do Carnaval –quando episódios de violência e desordem marcaram o feriado na capital fluminense.

A opinião é do ex-capitão do Bope e ex-comandante da equipe Alfa do batalhão, Rodrigo Pimentel, o “capitão Nascimento da vida real”. Co-roteirista dos filmes Tropa de Elite 1 e 2, ele diz ter se inspirado em experiências suas e de conhecidos para construir a figura do personagem, vivido nos longas pelo ator Wagner Moura.

Em entrevista ao UOL, Pimentel analisou a crise da segurança pública no Rio e defendeu a atuação das Forças Armadas. Na avaliação dele, no entanto, sem mudanças na legislação, o Exército chega ao Rio “de mãos atadas”. Um dos pontos criticados por Pimentel são as audiências de custódia, que, segundo ele, “colocam os bandidos de volta às ruas”.

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O ex-capitão do Bope ainda criticou o que chamou de "um vácuo total de poder" na administração pública do Estado: "Não tem ninguém comandando o Rio".

“A chance de fracasso [da intervenção] é muito grande, mas ainda assim eu digo para você: é urgente, o carioca não suporta mais, algo tem que ser feito. E se nesse momento o mais fácil é chamar o Exército, que chame o Exército”, afirmou.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

UOL: Como o senhor avalia essa intervenção federal na segurança pública do Rio?

Rodrigo Pimentel: Urgente, necessária e até um pouco atrasada, porque poderia ter ocorrido antes do Carnaval. A gente não precisava passar por aqueles traumas do Carnaval, que com certeza vão impactar o turismo da cidade. Vai impactar na receita do Estado, na arrecadação de ICMS em função da queda do turismo. Foi horrível o que aconteceu no Carnaval, não só em função da segurança pública, mas a falta total de organização e planejamento.

Mas o mais importante é: o general do Exército não vai ter na sua mão uma legislação específica para ele. Ele vai trabalhar com a mesma legislação que as forças estaduais trabalham e vai descobrir que ela é muito ruim, muito antiquada. Ele vai descobrir que um bandido preso pela Polícia Militar na segunda-feira, armado, em flagrante, pode ser colocado em liberdade em 24 horas na audiência de custódia, como está acontecendo no Rio de Janeiro hoje.

Torço pela intervenção, acho ela necessária, acho que as forças estaduais estão esgotadas e a ajuda federal vai ser ótima. Mas que a população saiba que o Exército também está de mãos atadas

Nós temos uma legislação equivocada (...). Então além da intervenção federal, o presidente Temer poderia, em caráter de urgência, convocar o Congresso Nacional e propor uma urgentíssima mudança na legislação.

Quais pontos da legislação o senhor acredita que têm que ser mudados, especificamente?

A primeira questão imediata é o fim da audiência de custódia. Em 2015, o ministro Lewandowski, no CNJ [Conselho Nacional de Justiça], ele impôs aos Estados da federação que adotassem a audiência de custódia para os presos em flagrante pela Polícia Militar ou pela Polícia Civil. E o juiz não quer saber da dinâmica do crime. Ele quer saber unicamente se o bandido tem ficha, antecedente criminal, se o bandido tem residência própria... Com base nessas informações, o juiz garantista quase sempre coloca os bandidos de volta às ruas.

Em média, um bandido fica preso 11 meses no Rio de Janeiro, portando um fuzil. Precisamos imediatamente aumentar a pena para porte de fuzil, o fuzil que está aterrorizando o Rio de Janeiro hoje. Outra questão da legislação que o Temer poderia ver imediatamente é o roubo de carga. A legislação brasileira hoje dá direito ao receptador de carga responder em liberdade.

Então o Temer antes de chamar o Exército poderia propor um pacotão de leis que favorecessem não só a polícia do Rio de Janeiro, mas a sociedade brasileira e as polícias de todo o Brasil.

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Nós já temos uma situação de superlotação carcerária, com crises bastante graves pouco tempo atrás. O crime organizado se estabelece inclusive dentro dos presídios. Como essa situação seria resolvida, especificamente no Rio?

Criam-se vagas. Criam-se vagas em caráter de urgência, utilizando prédios abandonados do Estado, utilizando quartéis das Forças Armadas, da polícia estadual. O que não posso é deixar criminosos da lei soltos.

Eu não estou preocupado com a superlotação de presídios. Eu estou preocupado com a vida das pessoas assassinadas nas ruas

Agora, a PM do Rio de Janeiro tem 3 mil policiais hoje à disposição de outros órgãos. O secretário Roberto Sá nunca teve condição política para resgatar esses policiais. Policiais cedidos a deputados estaduais. Vou dar um exemplo para você: Paulo Melo [MDB], preso em Benfica, corrupto, deputado estadual do Rio de Janeiro. Ele está preso, mas ainda assim a PM do Rio de Janeiro coloca à disposição dele 10 policiais.

Já o general Braga não tem o rabo preso com ninguém. O general Braga presta conta para o presidente Temer, pelo decreto. Então não existe motivo para ele, no seu primeiro ato, não chamar todos os policiais cedidos a deputados, por exemplo. Todos eles têm, independentemente da orientação política (...). Então se você quer medir se essa intervenção federal é verdadeira ou não, é só verificar se o general, até segunda-feira da semana que vem, vai solicitar a volta emergencial dos policiais para a rua.

Quais vão ser os efeitos dessa intervenção? A violência tende a cair de fato?

Eu acho que o efeito imediato dessa intervenção, se o general conseguir resgatar o efetivo, é a mudança da concepção, a percepção. O carioca vai se sentir mais seguro. A mudança dos números não acontece do dia para a noite, não.

Dado o histórico de conflitos entre Forças Armadas e milicianos nas favelas, como a população que vive nesses locais vai sentir essa intervenção federal?

O carioca hoje tem duas preocupações distintas. Houve uma explosão do roubo de rua no Rio de Janeiro, o tráfico de drogas em algumas localidades abandonou a venda de cocaína e passou unicamente a sobreviver do roubo de carga e do roubo de rua. Então o carioca está nervoso, o que ele quer de novo é o direito de sair de casa, de sentar em um restaurante sem ser assaltado, poder ficar em um ponto de ônibus sem ser assaltado.

Enfrentamento em favela, invadir favela para apreender fuzis e cocaína, sinceramente acho que isso não é o anseio do carioca. Então acho que o Braga, não o conheço pessoalmente, mas acho que ele vai optar por fazer, é reduzir o medo da população carioca. Não acho que enfrentar milícia nesse momento no Rio de Janeiro seja uma prioridade da sociedade, tampouco do próprio Exército brasileiro.

Na sua opinião, é função das Forças Armadas cumprir o papel de agente de segurança? Os militares são capazes de lidar com uma situação tão delicada como a do Rio agora?

Eu preferiria que o Exército brasileiro viesse ao Rio de Janeiro com uma legislação mais favorável. Como essa legislação não existe, o Exército brasileiro chega no Rio de Janeiro com a legislação que existe aí... O Exército não pode, por exemplo, fazer busca e apreensão em favela em várias residências porque a Justiça não autoriza mandado de busca e apreensão coletiva.

Então você precisa achar um fuzil, precisa achar um ladrão de carga, e o Exército não tem autorização para invadir as casas. Tudo isso torna muito difícil a ação do Exército brasileiro em favelas. O Exército brasileiro já atuou no complexo da Maré e sabe que não foi fácil. “Ah, mas no Haiti o Exército conseguiu”. No Haiti, o Exército estava com a legislação da ONU [Organização das Nações Unidas]. A ONU permite muito mais ações opressivas que a legislação brasileira. Então na ONU o militar brasileiro pode entrar numa casa, pode revistar um barraco, pode fazer uma condução coercitiva de um suspeito, pode matar um bandido a 90 metros de distância com fuzil. Tudo que você pode fazer na ONU não pode fazer no Rio de Janeiro.

A chance de fracasso é muito grande, mas ainda assim eu digo para você: é urgente, o carioca não suporta mais, algo tem que ser feito. E se nesse momento o mais fácil é chamar o Exército, que chame o Exército

O Rio já chamou a ajuda das Forças Armadas 12 vezes nos últimos 10 anos. Dessa vez o socorro partiu do próprio governo federal, por meio de intervenção. Mas o que indica que agora surtirá resultado?

Nada. Nada indica. A única diferença que você tem entre as operações anteriores e a atual é que antes o Exército brasileiro estava usando o decreto da GLO, da Garantia da Lei e da Ordem, que é um decreto muito frágil e também muito dúbio do que pode e não pode ser feito.

Dessa vez o Exército brasileiro vem amparado por um dispositivo constitucional que é a intervenção federal. Então a gente imagina que dessa vez, com o general podendo mandar na força estadual, possa ser um pouco diferente. O general Braga pode, na segunda-feira, afastar um comandante de um batalhão da PM. Isso não existia antes. Então essa é a única diferença que a gente vai ter.

Uma das mágoas do Exército brasileiro da ocupação da Maré foi justamente que a força estadual abandonou o Exército na Maré, sem apoio. Dessa vez, o Exército brasileiro não pode reclamar disso, porque vai mandar na força estadual. Então se o coronel precisar de um delegado para uma investigação, ele vai poder lançar mão ali na hora. Acho que isso pode ser o diferencial. Dessa vez de fato o Exército está mandando.

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Quais são as causas para o Rio enfrentar essa crise de segurança pública?

Um vácuo total de poder. O governador Pezão, ele é governador de um Estado em que o ex-governador está preso, onde o secretário de obras dele está preso... É um Estado tomado pela corrupção, onde parece que o governador só aguarda o tempo passar para saber se ele vai ser preso ou não também.

Isso somado à crise econômica sem precedentes, provocada também pela corrupção dos políticos, mas é uma crise econômica em que os policiais receberam salários atrasados todos os meses no ano passado. O 13º dos policiais até hoje não caiu. Isso tudo gera uma desmotivação das forças policiais, falta de combustível nos quartéis, falta de papel nas delegacias, falta o básico para o pessoal conseguir trabalhar.

Você vê que o Estado está vivendo um momento em que não tem poder, ninguém está mandando em nada. O secretário de segurança pública do Rio de Janeiro totalmente desaparecido: ele sumiu na invasão da Rocinha, sumiu novamente no Carnaval, não se pronunciou, não apareceu. A gente reclama do Crivella, por causa das chuvas, mas durante o Carnaval a cúpula da segurança do Rio de Janeiro não apareceu também. Não tem ninguém comandando o Rio de Janeiro.

Qual seria uma solução ideal para a situação do Rio?

Nada pode ser feito no Rio de Janeiro hoje com as leis atuais. A solução ideal é uma mudança no código penal imediatamente. É uma mudança tão urgente quanto a reforma da Previdência, quanto a da legislação trabalhista. (...) É uma loucura total você tentar fazer segurança pública com as leis da década de 1940, de 1950. Não dá mais. A situação ideal seria uma mudança de leis.