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10 desafios do general Braga Netto para tirar o Rio da crise de segurança

O general Walter Braga Netto, comendante do CML (Comando Militar do Leste) e interventor federal no Rio -  Pedro Ladeira/Folhapress
O general Walter Braga Netto, comendante do CML (Comando Militar do Leste) e interventor federal no Rio Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Paula Bianchi e Luis Kawaguti

Do UOL, no Rio

22/02/2018 04h00

Ao ser nomeado interventor federal na segurança do Rio de Janeiro, o general Walter Souza Braga Netto herdou problemas que vão do controle territorial do crime organizado sobre favelas à corrupção e às deficiências do Estado.

Para tentar tirar o Rio da crise de segurança até 31 de dezembro, quando termina o período de intervenção, ele vai ter que mexer na estrutura e na organização das polícias, evitar que os criminosos controlem serviços públicos nas favelas e aumentar a eficiência e a integração dos setores de inteligência das forças de segurança.

O UOL ouviu militares envolvidos no planejamento das ações, policiais e especialistas em segurança e listou dez dos principais desafios que o general terá que enfrentar.

1 - Fazer mudanças na estrutura das polícias

Braga Netto terá que mexer nos quadros das polícias para colocar pessoas de sua confiança em postos-chave. Elas terão que conhecer bem o trabalho e a cultura organizacional das instituições.

Nesse processo, ele terá que tirar da estrutura policiais e administradores corruptos ou ineficientes, mas sem perder o apoio das polícias. Seu perfil conciliador pode ajudar nessa tarefa, segundo afirmaram militares próximos a ele.

2 - Comprar equipamentos e melhorar gestão

O interventor precisará melhorar o desempenho de órgãos como a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Secretaria da Segurança Pública, entre outros. Para isso, terá que comprar mais equipamentos, pois há déficits de veículos, coletes à prova de balas e outros equipamentos.

Além disso, terá que fazer um mapeamento dos procedimentos dessas instituições e melhorar a gestão de recursos e a administração financeira dos órgãos.

14.fev.2018 - Da esquerda para direita, Luiz Fernando Pezão, Michel Temer, Rodrigo Maia e Walter Braga Netto em reunião de trabalho no Palácio Guanabara para tratar da intervenção federal na Segurança Pública do RJ - Divulgação - Divulgação
Presidente Michel Temer discute intervenção no Rio com autoridades
Imagem: Divulgação

3 - Integrar o trabalho das polícias Civil e Militar

Hoje, há muitas falhas na integração entre as Polícias Militar e Civil no Rio. Procedimentos e equipamentos são diferentes e dificultam a comunicação. As duas instituições também têm órgãos com funções semelhantes e por vezes discutem por causa de problemas de jurisdição. 

Policiais civis reclamam que o Estado teria dado nos últimos anos um foco excessivo para o policiamento ostensivo da PM, sem investir nas investigações da Civil. Os policiais ficariam atolados em serviços burocráticos para registrar as prisões da PM.

Já os policias militares afirmam que a Civil às vezes dificulta seu trabalho por demorar para registrar ocorrências e mantê-los desnecessariamente por muito tempo em delegacias. 

Por outro lado, funciona desde 2013 na capital o Centro Integrado de Comando e Controle, criado para a Copa do Mundo-2014 e a Olimpíada-2016. Ele tenta reunir em um único espaço autoridades de segurança federais, estaduais e municipais para melhorar a integração. Braga Netto pode se beneficiar por ter trabalhado junto com as polícias cariocas na organização da Rio-2016.

4 - Melhorar o trabalho de inteligência

O Rio tem uma das melhores bases de dados do país, gerenciada pelo ISP (Instituto de Segurança Pública). Conta também com a expertise do Disque Denúncia, que sistematiza e encaminha denúncias feitas pela população à Secretaria de Segurança Pública. Mas há pouco investimento no treinamento de agentes para filtrar esses dados e na própria tecnologia em si, que não é integrada.

A inteligência, diz a antropóloga e especialista em comunicação Jacqueline Muniz, não chega até o policial na ponta, não há trocas entre as corporações. 

No ano passado, relatam policiais, a empresa responsável pela manutenção do sistema de dados da Polícia Civil passou seis meses sem receber e chegou a suspender o serviço, interferindo tanto no registro de ocorrências quanto no acesso dos agentes às bases de dados de informação. O sistema, diz o presidente do Sindelpol-RJ (Sindicato dos Delegados de Polícia do Rio de Janeiro), Rafael Barcia, já é por natureza lento e cai com frequência.

O general Braga Netto é especializado em ações de inteligência por ter trabalhado nesse setor do Exército por muitos anos.

5 - Recuperar os territórios dominados pelo tráfico

O Rio, diz a socióloga e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes, Silvia Ramos, é o único local do país em que criminosos têm domínio sobre territórios da cidade. Não é incomum cruzar com barricadas e homens fortemente armados "guardando" a entrada de favelas.

"Você entra em uma favela e é recebido por alguém com um fuzil que vai perguntar quem é você, para onde você vai. Vai ter domínio sobre a vida das pessoas", afirma.

A retomada dos territórios ocupados pelo tráfico foi um dos embriões do projeto das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), hoje em declínio. O desafio do general será não apenas recuperar o controle de segurança dessas áreas, mas fazer com que serviços básicos, como fornecimento de luz, água e gás cheguem à população sem interferência do crime organizado. Hoje, muitos desses serviços são controlados por criminosos e membros de milícias.

6 - Prender as lideranças criminosas

Em 2017, o conflito entre traficantes rivais em favelas do Rio voltou a levar às manchetes nomes de traficantes "famosos". Na ocasião, Rogério Avelino Silva, o "Rogério 157" e Antônio Francisco Bonfim Lopes, o "Nem", disputaram o controle da favela da Rocinha. O conflito deflagrou uma onda de violência que culminou na ocupação do morro pelas Forças Armadas e deixou dezenas de mortos.

Braga Netto terá que impedir que a velha dinâmica dos chefões do tráfico volte a dominar o Rio. Para isso, precisará investir em ações de inteligência que levem à prisão desses criminosos antes que acumulem poder.

28.set.2017 - Policiais dos Batalhões de Operações Policiais Especiais (Bope), do Choque e de Ações com Cães (BAC) realizam, nesta quinta-feira (28), uma operação no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio. Segundo denúncias, chefe do tráfico da Rocinha, Rogério 157, teria fugido para a favela da Zona Norte. Supeitos foram presos, armas e drogas foram apreendidas - JOHNSON PARRAGUEZ/AGÊNCIA O DIA/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO - JOHNSON PARRAGUEZ/AGÊNCIA O DIA/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO
Policiais prendem suspeito em favela do Rio de Janeiro
Imagem: JOHNSON PARRAGUEZ/AGÊNCIA O DIA/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO

7 - Combater as milícias

Além da ação de traficantes de drogas, parte do Rio é assolado por outra força ilegal pouco comum em outros Estados – as milícias. Trata-se de grupos paramilitares formados por maus policiais, bombeiros e civis que exploram serviços como distribuição e gás e TV a cabo em zonas carentes, em especial na zona oeste da capital e na Baixada Fluminense.

Após ocuparem territórios dominados no fim dos anos 1990 por traficantes de drogas, os grupos passaram a cobrar da população taxas de serviços básicos e também proteção aos comerciantes, além de dominar a venda de combustíveis e o transporte com vans.

“A dificuldade de lidar com a milícia é que ela é muito mais entranhada na sociedade, é mais difícil de reconhecer quem são os milicianos, de investigar. Pode ser qualquer um”, diz o delegado Rafael Barcia.

8 - Reduzir os roubos de cargas

Essa modalidade de crime é uma das que mais vem preocupando as autoridades do Rio. Em 2016, o Estado atingiu a maior taxa de roubos de carga do país, com 59,3 casos por 100 mil habitantes.

Ações contínuas dos bandidos quase causaram um desabastecimento da capital no início de 2017, pois seguradoras pararam de fazer seguros para fretes na cidade e as transportadoras reduziram suas atividades.

Ações integradas das forças de segurança em rodovias fizeram essa modalidade de crime cair 5,4%, passando de 5.726 casos no segundo semestre de 2016 para 5.419 ocorrências no mesmo período de 2017. A redução foi apresentada pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann, como um dos principais avanços no combate à criminalidade relacionados à presença das Forças Armadas no Rio. O número, porém, ainda assusta.

Agente da Força Nacional participa de operação de combate ao roubo de cargas - Agência Brasil - Agência Brasil
Agente da Força Nacional participa de operação de combate ao roubo de cargas
Imagem: Agência Brasil

9 - Agir nos presídios

O crime organizado se articula e capta novos membros dentro das prisões. Braga Netto terá que elaborar ações para evitar que detentos continuem a controlar o sistema prisional carioca.

Ele já mostrou que o Exército pode ser usado para entrar em presídios com detectores de metais e cães para localizar e apreender armas, telefones celulares e drogas.

Porém, será preciso também usar a inteligência policial para ao menos dificultar as ações das facções criminosas dentro dos presídios.

Apreensão 5 fuzis e quase 1 tonelada de maconha em Resende (RJ) - Reprodução - Reprodução
Fuzis e drogas são apreendidos em Resende, no interior do Rio
Imagem: Reprodução

10 - Apreender armas e drogas

O Rio também se destaca negativamente na violência pela grande quantidade de armamento pesado em circulação. Autoridades policiais estimam que mais de 3.000 fuzis estejam em poder do crime organizado.

A compra do armamento é realizada no exterior com o dinheiro da venda de drogas. Por isso, mapear a rota de chegada de armas e drogas até as facções criminosas é essencial para minar a criminalidade no Estado. 

As Forças Armadas já vêm fazendo bloqueios surpresa em ruas e rodovias em três níveis: nas fronteiras do Estado, na região dos subúrbios (na rodovia chamada Arco Metropolitano) e nos limites das favelas mais perigosas. Mas isso não tem sido suficiente. Braga Netto terá que encontrar formas de cortar ou ao menos diminuir esse fluxo ilegal.

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