Topo

RJ: intervenção quer padronizar escala da PM, mas descanso e 'bicos' geram incerteza em policiais

PM do RJ divulga imagem de patrulhamento na orla do Rio - Divulgação/PMERJ
PM do RJ divulga imagem de patrulhamento na orla do Rio Imagem: Divulgação/PMERJ

Luis Kawaguti

Do UOL, no Rio

27/04/2018 04h00

A intervenção federal no Rio de Janeiro quer padronizar as escalas de trabalho dos policiais militares do estado em uma tentativa de melhorar a eficiência da PM e aumentar sua presença nas ruas. Hoje, ao menos seis tipos de escalas diferentes estão em vigor. Mas o tema é muito sensível, pois mexe com as horas de descanso e pode obrigar alguns policiais a abandonarem atividades paralelas que geram renda extra – os chamados bicos.

Os principais turnos de trabalho cumpridos pelos policiais consistem em 12 horas de serviço durante o dia com 24 horas de folga e 12 horas de serviço por noite com 48h de descanso. De acordo com as necessidades de cada unidade policial, também há escalas de 12 x 36 horas, 24 x 48 horas, 24 x 72 horas e 6 x 18 horas.

A escala determina quantos policiais estão em patrulhamento ostensivo nas ruas ao mesmo tempo. Embora a PM do Rio tenha um efetivo oficial de 44 mil policiais, eles não patrulham todos ao mesmo tempo, pois têm que descansar. A Secretaria da Segurança Pública estima que, descontados os afastamentos por licença médica, apenas um terço desse efetivo esteja nas ruas em cada turno de trabalho.

Leia também:

Segundo fontes da intervenção ouvidas pelo UOL, a Secretaria quer padronizar essas escalas fazendo os policiais trabalharem em turnos menores, porém de forma mais frequente. Uma das principais ideias por trás disso é que os policiais não conseguem ter a eficiência esperada trabalhando em turnos muito longos.

Ainda não foi decidido qual será o modelo adotado (nem se haverá mais de um tipo de escala em vigor ao mesmo tempo). A ideia da intervenção é iniciar essa padronização nas Unidades de Polícia Pacificadora. Mas o tema é considerado delicado tanto pela Secretaria como pela associação de classe Aspra (Associação de Praças da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro). 

“É delicado porque tem muito companheiro que trabalha na sua hora de folga para complementar o salário. Você tem que ter um salário que dê a ele condições [financeiras] melhores para que não precise trabalhar na hora de folga, ele precisa de tempo para se preparar para o próximo trabalho”, afirmou o presidente da associação, Vanderlei Ribeiro. Segundo ele, um soldado da PM no Rio ganha um salário mensal de cerca de R$ 2 mil.

O bico eventual (serviço privado de segurança) nos horários de folga só agrava a situação. “A gente vê aí colegas atirando aleatoriamente por quê? Porque o cara está cansado, está sujeito a falhas. Não que ele faça aquilo de forma intencional, o excesso de carga horária leva o homem a ter uma atitude agressiva”, disse.

Policiais ouvidos pelo UOL nas ruas do Rio revelaram ceticismo sobre mudanças e disseram preferir as escalas mais longas, especialmente as de 24 horas de serviço por 72 horas de descanso – praticada na maior parte das vezes em unidades de elite da polícia.

“As escalas com turnos maiores e folgas maiores são melhores, porque você perde tempo se deslocando da sua casa para o batalhão para pegar a arma e o colete e depois para a sua área de patrulhamento. É melhor se a gente poder fazer esse trajeto menos vezes por semana”, disse um PM anonimamente.

Muitos desaprovam uma das escalas escala mais comuns - 12 horas de serviço durante o dia por 24 horas de folga e em seguida 12 horas à noite por 48 de descanso – porque ela tem turnos rotativos que variam dias e noites de trabalho.

“Essa escala prejudica o sono porque um dia você trabalha de dia e outro de noite. Você não consegue estabelecer uma rotina, acaba ficando doente. Eu já vim trabalhar doente, não tem o que fazer”, disse outro policial ao UOL.

Ribeiro afirmou que a Secretaria de Segurança deveria realizar uma pesquisa de opinião nos batalhões da PM para levantar o que a maioria dos policiais quer. Ele disse ainda que uma vez definidos os padrões de escala, eles deveriam ser registrados em lei estadual, para que trocas de comandantes e secretários no futuro não resultassem em novas mudanças.

Modelo catarinense

A intervenção federal analisa ações adotadas em outros estados para fazer eventuais mudanças nas escalas de trabalho dos PMs do Rio. Um dos exemplos já analisados é o de Santa Catarina, onde 13 tipos de escalas para policiais e bombeiros militares constam em lei estadual.

Segundo Edson Fortuna, presidente da Aprasc (Associação de Praças do Estado de Santa Catarina), um dos aspectos mais positivos do modelo catarinense é o estabelecimento de uma jornada fixa de trabalho de 40 horas semanais com direito a banco de horas. Nele, quando o policial tem que fazer horas extras em um determinado dia, pode ser compensado em até três meses com um tempo maior de folga.

De acordo com Fortuna, a padronização de escalas em Santa Catarina ocorreu há alguns anos e não teria levado em conta receios de policiais que temiam por perder a possibilidade de fazer o “bico” nas horas de folga. Segundo ele, com um salário médio de soldados em R$ 4.600, não teria havido tanta margem para reclamações.

Negociação

Em entrevista ao UOL no início de abril, o secretário da Segurança Pública Richard Nunes afirmou que mudanças nas escalas de trabalho estão sendo estudadas e podem gerar aumento da produtividade dos policiais.

Ele disse que quando a pasta tiver uma proposta fechada, abrirá negociação com os policiais militares para levantar vantagens e desvantagens, sem imposição.