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"É mentira", diz ambulante apontada como líder de ocupação sobre cobrança de aluguel

Janaina Garcia/UOL
Imagem: Janaina Garcia/UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

09/05/2018 17h28Atualizada em 09/05/2018 17h28

A vendedora ambulante Nireldes de Jesus Oliveira, 38, prestou depoimento no 3º Distrito Policial nesta quarta-feira (9) e negou que fossem feitas cobranças de aluguel a moradores da ocupação no edifício Wilton Paes de Almeida, no largo do Paissandu, centro de São Paulo. O prédio desabou na madrugada do último dia 1º depois de pegar fogo — a princípio, segundo as investigações policiais, por conta de um curto-circuito. Ao todo, seis pessoas estão desaparecidas –o corpo do morador encontrado semana passada já foi sepultado.

Apontada pelos sobreviventes do desabamento como uma das líderes do MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia), responsável pela ocupação no prédio, Nireldes, ou “Nil”, disse que são mentirosas as afirmações sobre cobranças mensais de aluguel. Ao UOL, alguns moradores relataram situações de escrachos, humilhações e até expulsões da ocupação caso os pagamentos -- entre R$ 150 e R$ 400-- não fossem realizados em dia.

“Tudo mentira. Não existe isso de arrecadação de mensalidades”, afirmou.

De acordo com a ambulante, ela morava no mezanino do prédio, acima do primeiro andar, com o filho e o marido, e não figurava como liderança do MLSM. Nos últimos dias, porém, moradores da ocupação também relataram que o mezanino do era destinado aos líderes do movimento ou a pessoas próximas a eles.

Nireldes afirmou que integrava um grupo de mulheres da ocupação no qual eram discutidas questões básicas sobre a manutenção. “A gente sentava para falar a respeito de taxa para manutenção do banheiro, do chuveiro, de uma pia, aí a gente fazia reunião e nós todos dávamos uma taxa, uma contribuição para comprar uma pia, um chuveiro, um vaso sanitário para colocar nos banheiros”, disse ela, que negou, por outro lado, que a taxa fosse mensal ou pré-definida.

Indagada por quê, então, o morador citou nome dela como responsável pela cobrança de aluguel, a ambulante disse que “querem se aparecer”. “Essas pessoas que moravam lá nem tinham condição de pagar aluguel.”

Além de Nireldes, sobreviventes do desabamento citaram outras duas pessoas como líderes do movimento e responsáveis pela arrecadação. Na semana passada, Ricardo Luciano, que se apresentou como porteiro da edificação, admitiu que havia “contribuições voluntárias” para a manutenção do local, com taxas mensais de R$ 50.

Em depoimento nos últimos dias, Ananias Pereira dos Santos e Amilton Resende refutaram a prática e enfatizaram que o incêndio teria começado durante uma briga de casal no quinto andar. A mesma versão sobre a suposta briga foi apresentada hoje no depoimento por Nireldes.

Questionada sobre as instalações elétricas da ocupação, já que testemunhas relataram à polícia a ocorrência de curto-circuito, a ambulante afirmou que cada morador era responsável pela manutenção elétrica da própria moradia.

“Os moradores que faziam a sua própria eletricidade, eles mesmos. Quando o disjuntor caía, era porque eles mesmos estavam mexendo nos apartamentos deles lá em cima”, afirmou.

Sobre a demora em ir até a delegacia para depor, Nireldes explicou que não estava bem porque ela própria, como enfatizou a advogada dela, Ângela Fabiano, é uma das vítimas do desabamento.

“Eu vi aquela confusão toda passando na televisão e disse: ‘Não tem por que eu correr, eu não devo, eu vou aparecer’”, disse. Ela contou que dormia no momento do incêndio, e que, quando acordou, viu as pessoas gritando.

Depoimentos conflitantes

O delegado que chefia o inquérito, Marco Antonio de Paula Santos, da delegacia seccional do centro, afirmou que o depoimento de Nireldes e de outras supostas lideranças do movimento traz informações conflitantes com as apresentadas pela maior parte das 30 pessoas ouvidas no curso do inquérito até esta quarta-feira.

"A menos que a gente consiga provar o que ela fala, prevalece a maioria dos depoimentos", disse o delegado, a respeito da suposta briga no quinto andar como motivação para o incêndio. Santos confirmou que Nireldes disse em depoimento que não havia cobrança de aluguel aos moradores.

No entanto, o delegado ressalvou que as supostas cobranças são objeto de inquérito conduzido pelo Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) por determinação do secretário estadual de Segurança Pública, Mágino Alves Barbosa.

Indagado se serão adotadas medidas como quebra de sigilo bancário de pessoas apontadas como líderes do movimento, o delegado informou que esse é um tipo de ação que pode ser solicitada à Justiça dentro do inquérito coordenado pelo Deic.