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Lei proposta por Marielle e Siciliano sobre mototáxi virou decreto 2 dias antes do crime

Marcello Siciliano (PHS) durante audiência pública na Câmara Municipal do Rio - Reprodução/Instagram/@siciliano.rj
Marcello Siciliano (PHS) durante audiência pública na Câmara Municipal do Rio Imagem: Reprodução/Instagram/@siciliano.rj

Hanrrikson de Andrade*

Do UOL, no Rio

10/05/2018 04h00Atualizada em 10/05/2018 12h15

Marcello Siciliano, líder do PHS na Câmara Municipal do Rio, apresentou três projetos de lei complementar no ano passado, quando estreou no Legislativo após ser eleito com 13.553 votos em 2016. Um deles, em coautoria com Marielle Franco (PSOL) e outros três parlamentares, autoriza o serviço de mototáxi na capital fluminense.

A medida foi regulamentada pela prefeitura por meio de decreto publicado em 12 de março, dois dias antes da emboscada que resultou na morte da vereadora e de seu motorista, Anderson Gomes, na região central da cidade.

siciliano e marielle - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Um dia após a morte de Marielle, Siciliano postou em uma rede social foto ao lado da vereadora
Imagem: Reprodução/Facebook
Nesta terça, reportagem do jornal "O Globo" afirmou que uma testemunha ainda não identificada apontou Siciliano como mandante do crime. O parlamentar teria, de acordo com o jornal carioca, articulado a morte de Marielle junto com o ex-PM Orlando Oliveira de Araújo, que está preso sob acusação de chefiar uma milícia em Curicica, na zona oeste do Rio. O bairro fica na região de Jacarepaguá, reduto eleitoral de Siciliano.

Na versão da testemunha, a motivação do assassinato seria uma desavença entre os vereadores por conta da expansão das ações comunitárias de Marielle na zona oeste e sua crescente influência em áreas de interesse das milícias. Nesta quarta, Siciliano negou ter sido o mentor do crime e disse que tinha "carinho" pela colega na Câmara. "Minha relação com Marielle era muito boa, tínhamos carinho um pelo outro. (...) Nunca tivemos conflitos políticos em região alguma."

Procurada, a assessoria de imprensa da Polícia Civil do Rio de Janeiro reiterou que o caso continua em sigilo. A Polícia Civil não comentou se o vereador e o ex-PM são considerados suspeitos pelo crime. A Secretaria de Segurança do Rio também não confirmou a denúncia da testemunha. A reportagem do UOL não localizou a defesa do ex-PM.

Foco na zona oeste

Siciliano, 45, é empresário do ramo de construção civil e ex-sócio de uma boate carioca. Ganhou projeção em 2010, quando seu nome foi sugerido por uma ONG ao prêmio Nobel da Paz por projetos sociais. Em 2014, ele foi homenageado na Câmara Municipal com a medalha Pedro Ernesto, a principal comenda do Rio.

Elegeu-se vereador por meio do quociente eleitoral, pois seu partido fazia parte da coalizão de 15 siglas encabeçada pelo então PMDB --hoje MDB-- na candidatura à Prefeitura do Rio do deputado federal Pedro Paulo, derrotado no primeiro turno. Na Casa, empenhou-se em defender os interesses de bairros da zona oeste da cidade, onde obteve mais votos.

siciliano e crivella - Reprodução/Instagram/@siciliano.rj - Reprodução/Instagram/@siciliano.rj
Marcelo Siciliano (à esq.) e o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB)
Imagem: Reprodução/Instagram/@siciliano.rj

O político compõe a base do governo de Marcelo Crivella (PRB) na Câmara. Em troca do apoio, costuma indicar os nomes dos superintendentes de bairros.

Em localidades como Vargem Grande, Vargem Pequena, Recreio dos Bandeirantes, Taquara e Campo Grande, é possível observar faixas de agradecimento afixadas por moradores em relação à atuação do parlamentar.

Proposições apresentadas no ano passado sugerem a declaração como áreas de interesse social, para fins de urbanização, duas localidades situadas em Vargem Grande (Vila Taboinha e Santa Luzia), uma em Pedra de Guaratiba (Conjunto Nova Esperança) e uma no Recreio dos Bandeirantes (Beira-Rio), sempre na zona oeste.

Ele apresentou ainda projetos para tombamento da sede da Associação de Moradores de Vargem Grande e da Igreja do Frei Gaspar, no mesmo bairro, além da criação de polos gastronômicos na Freguesia (Jacarepaguá) e no Recreio dos Bandeirantes.

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André Vaz (à esq.), candidato derrotado na eleição para presidente do Salgueiro, foi apoiado por Siciliano
Imagem: Reprodução/Instagram/@siciliano.rj
Carnaval, praia e bichos

O projeto de Siciliano com maior destaque na Casa é o que institui patrulhamento urbano pela Guarda Municipal, aprovado e sancionado por Crivella em agosto do ano passado. O assunto, inclusive, foi capa da edição desta quarta-feira do Diário Oficial da Câmara.

Com base nas propostas encaminhadas pelo vereador, é possível observar que ele possui estreita relação com o Carnaval carioca --costuma comparecer aos desfiles na Marquês de Sapucaí e visitar as agremiações. É dele, por exemplo, a proposta para incluir o Dia Municipal da Imprensa Carnavalesca no calendário oficial da cidade.

Além disso, sugeriu em março deste ano um projeto de lei que estabelece a competência da Riotur (Empresa de Turismo do Município) para organizar os desfiles das escolas de samba do grupo de acesso e das divisões inferiores.

O parlamentar do PHS também propôs critérios para implantação de chuveiros nas praias cariocas, a criação de um programa de incentivo à prática de futevôlei nos espaços públicos do município e encaminhou projeto com diretrizes e parâmetros para funcionamento de criadouros e abrigos de cães, gatos e outros animais domésticos. 

Projetos com Marielle

Além da autorização do serviço de mototáxi no Rio, Siciliano e Marielle assinaram o projeto de lei que pretende criar o Programa de Desenvolvimento Cultural do Funk Tradicional Carioca. A matéria, que ainda não foi votada, tem metas como "promover e difundir a cultura funk tradicional nos veículos de comunicação institucional da prefeitura" e evitar a marginalização dessa expressão cultural, entre outras.

Em entrevista à imprensa, na manhã desta quarta, o vereador chegou a citar a proposição a fim de argumentar que não tinha desavenças pessoais com Marielle e, consequentemente, não havia motivos para querer a sua morte.

Os dois parlamentares subscrevem ainda um ofício enviado pelo gabinete do correligionário de Marielle, David Miranda (PSOL), que pede à presidência da Câmara a formalização de uma "Frente Parlamentar de Combate ao HIV/Aids, o Preconceito e o Estigma".

O nome de Siciliano também aparece na condição de apoiador em duas moções apresentadas pela vereadora assassinada contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e em favor de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que prevê eleições diretas exceto nos últimos seis meses do mandato presidencial.

PM assassinado

No fim do ano passado, Siciliano apresentou à Mesa Diretora da Casa uma moção com "votos de congratulações e louvor" ao sargento Luiz Felipe de Castro Moraes pela "sua atuação e ética profissional demonstrando sempre comportamento exemplar como policial militar".

O sargento foi assassinado a tiros em Brás de Pina, na zona norte carioca, na noite da última terça-feira, o que elevou para 43 o número de PMs mortos no Estado desde janeiro deste ano. A Divisão de Homicídios investiga o caso.

Carlos Alexandre Pereira Maria, colaborador do vereador Marcello Siciliano (PHS) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Carlos Alexandre Pereira Maria, colaborador do vereador Marcello Siciliano (PHS)
Imagem: Arquivo pessoal

No mês passado, um colaborador de Siciliano, identificado como Carlos Alexandre Pereira Maria, 37, foi encontrado morto dentro de um carro com marcas de tiros. O veículo foi abandonado na Taquara, na zona oeste.

Segundo informações do gabinete do vereador, a função de Carlos Alexandre era recolher demandas da comunidade e levá-las à equipe do parlamentar. No depoimento obtido pelo jornal "O Globo", a suposta testemunha-chave afirmou que a morte de Carlos Alexandre Pereira Maria teria sido queima de arquivo. A polícia não descarta que o assassinato da vítima esteja relacionado ao caso Marielle.

*Com colaboração de Marcela Lemos, no Rio