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Estudante foi morto na Maré mesmo após esperar "trégua" em tiroteio, diz advogado

21.jun.2018 - Mãe do estudante Marcos Vinícius da Silva mostra uniforme sujo de sangue - PAULO CARNEIRO/AGÊNCIA O DIA/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO
21.jun.2018 - Mãe do estudante Marcos Vinícius da Silva mostra uniforme sujo de sangue Imagem: PAULO CARNEIRO/AGÊNCIA O DIA/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO

Luis Kawaguti

Do UOL, no Rio

26/06/2018 15h42

O estudante Marcos Vinícius da Silva, 14, e um amigo de escola que o acompanhava esperaram uma trégua no tiroteio no Complexo da Maré para sair de casa, mas mesmo assim Marcos foi baleado, segundo relatou o advogado João Tancredo, que defende a família do menino. Segundo o adolescente, o tiro teria partido de um blindado da polícia, o que fora relatado pela mãe de Marcos Vinícius no dia seguinte à morte do filho.

O adolescente que acompanhava Marcos Vinícius relatou a versão à Delegacia de Homicídios na segunda-feira (25), segundo informou Tancredo. Marcos Vinícius morreu no último dia 20 durante operação da Polícia Civil contra membros do crime organizado na Maré, na zona norte do Rio de Janeiro.

Segundo o advogado, o jovem ouvido como testemunha é menor de idade e estuda na mesma escola que Marcos Vinícius frequentava. A identidade dele está sendo mantida em sigilo.

Tancredo disse que o jovem contou que, no dia do tiroteio, Marcos Vinícius acordou atrasado e foi se encontrar com o amigo, na casa dele, para irem juntos à escola --como faziam rotineiramente. Ao saírem da casa da testemunha, ouviram o tiroteio e decidiram voltar para a residência para se proteger.

Porém, segundo Tancredo, após pensarem que a troca de tiros havia cessado, decidiram sair novamente e ir juntos à casa de Marcos Vinícius. Quando estavam em uma das ruas principais da favela, o estudante levou um tiro nas costas e acabou morrendo horas depois em um hospital.

O advogado disse que os dois garotos tomaram essa decisão por acharem que não havia mais perigo nas ruas. “Infelizmente tiroteios acabam sendo rotina na comunidade”, disse ele.

Tancredo disse que pedirá à Justiça que o estado fluminense pague uma indenização à família que pode chegar ao valor de R$ 2,8 milhões. Essa quantia foi calculada por ele com base em outras indenizações concedidas pela Justiça brasileira. Ela deve depender, contudo, do resultado da investigação da Polícia Civil.

"Fatalidade"

Antes de morrer, Marcus Vinícius teria dito à mãe que o disparo que o atingiu teria partido de um blindado da polícia. Porém, ainda não está claro se o tiro partiu da arma de um policial ou de um criminoso. A Polícia Civil fará uma reconstituição do momento em que o menino foi atingido para tentar concluir se a versão da vítima e da testemunha tem fundamento.

Questionado se acredita que o disparo partiu da polícia, Tancredo afirmou: “tenho clara convicção”. Ele disse, no entanto, que não é possível saber se o tiro partiu de um policial dentro ou fora do blindado.

Peritos que examinaram o corpo da vítima disseram que o projétil possivelmente foi disparado por um atirador que estava na mesma altura da vítima. Em teoria, disparos feitos de dentro de um blindado teriam que partir de cima para baixo. Detalhes como esse vão ser analisados por peritos.

“Alguns policiais haviam descido do blindado, segundo testemunhas”, disse o advogado. Essa versão não pôde ser confirmada pelo UOL por fontes independentes. Tancredo disse, porém, que soube da existência de um suposto vídeo gravado por outra testemunha que mostraria a rua no momento do disparo que matou o menino. O advogado disse que está tentando identificar tal testemunha.

Tancredo disse não acreditar que policiais tenham disparado intencionalmente contra um estudante. “Acho que pode ter sido uma fatalidade”, afirmou.

Ele disse também que a polícia não teria encontrado o projétil que atingiu o menino. Ele poderia ser usado em eventual comparação balística, se a arma do crime for encontrada. A polícia afirmou nesta terça-feira (26) que as investigações seguem em andamento para apurar os fatos. "Testemunhas e policiais que participaram da ação continuam sendo ouvidos", afirmou o órgão em nota.

João Tancredo também defendeu a família da menina Maria Eduarda Alves da Conceição, morta a tiros dentro de uma escola em Acari (zona norte do Rio) aos 13 anos de idade, em 2017, e atuou no caso da morte do pedreiro Amarildo Dias de Souza, assassinado na Rocinha em 2013. Ele atua em parceria com organizações populares de defesa de direitos humanos.

Logo após o crime, a Polícia Civil informou que "está empenhando todos os esforços para esclarecer os fatos que resultaram na morte do estudante Marcus Vinicius". Segundo o órgão, todos os protocolos de investigação estão sendo adotados pela Delegacia de Homicídios da Capital.

A Delegacia de Homicídios realizou perícia no local em que o adolescente foi baleado e ouviu testemunhas que socorreram a vítima.

Em outro inquérito, a polícia apura as circunstâncias das mortes de seis homens na mesma operação. Os policiais disseram que eles eram criminosos e que receberam os agentes com "intenso disparo de tiros". Segundo a polícia, um deles era o chefe do tráfico no Caju (zona norte) e outro estava com uma tornozeleira eletrônica. Com eles, foram apreendidos fuzis, pistolas e granadas, também de acordo com a polícia.