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Moradores de Paraisópolis relatam abusos da PM em abordagens por busca de assassinos de policial

A PM tem feito operações em Paraisópolis desde que a soldado Juliane desapareceu; na segunda, o corpo dela foi encontrado em Jurubatuba - Hélio Torchi/Sigmapress/Estadão Conteúdo
A PM tem feito operações em Paraisópolis desde que a soldado Juliane desapareceu; na segunda, o corpo dela foi encontrado em Jurubatuba Imagem: Hélio Torchi/Sigmapress/Estadão Conteúdo

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

08/08/2018 20h51

A Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo abriu procedimento para investigar supostos abusos de autoridade de PMs na comunidade de Paraisópolis, zona sul da capital paulista, durante a operação realizada no local desde o final da semana passada. A PM entrou massivamente na área após o desaparecimento da soldado Juliane dos Santos Duarte, 27, na noite de quinta (2). O corpo dela foi encontrado em um carro abandonado em Jurubatuba, também da região sul da cidade, na última segunda. Ao todo, cerca de 100 mil pessoas vivem hoje na região --mais de um terço delas, jovens de 15 a 29 anos.

Os relatos que chegaram à Ouvidoria foram encaminhados por ela nesta quarta-feira (8) à Corregedoria da PM, órgão responsável pela investigação da conduta dos policiais. De acordo com o ouvidor, o sociólogo Benedito Mariano, moradores da comunidade apontaram que policiais estariam promovendo abordagens abusivas durante a busca por suspeitos de terem participado do crime contra a soldado.

A Corregedoria informou que os policiais abordam com base em procedimentos-padrão, mas disse que vai apurar eventuais abusos.

“Há relatos de que PMs apontaram armas a pessoas que moram em Paraisópolis e não têm relação alguma o crime, além de outros excessos durante abordagens à população”, disse o ouvidor. “Por isso abrimos procedimento para averiguar e mandamos isso à Corregedoria”.

A reportagem conversou com um dos autores desses relatos à Ouvidoria, que pediu para não ser identificado, por temer represálias.

De acordo com ele, uma das situações teria ocorrido nessa segunda-feira (6), por volta do meio-dia, quando policiais apontaram armas a moradores que iam ou voltavam do trabalho.

“Vi policiais da Rocam que nem eram do 16º BPM [batalhão da PM na região] apontarem armas para uma mulher negra, por exemplo, aos berros. Teve gente que foi questionar esse tipo de abordagem e teve que colocar as mãos na cabeça ou para trás, como se fosse bandido", afirmou. "A situação está muito tensa esses dias, as pessoas estão muito revoltadas com esse tipo de tratamento”.

Ainda segundo essa fonte, bloqueios feitos pelas viaturas em diversas ruas, em alguns horários, criam imensas filas de vans escolares durante o dia.

“Ouvi um PM me dizer: ‘Você sabe o que aconteceu, não é?’, se referindo à morte da policial. Não me parece que será apontando armas às pessoas, a esmo e aos gritos, que isso vai se resolver. Ninguém é contra a polícia fazer o seu trabalho, mas não justifica eles botarem as pessoas assim em pânico –e ainda não duvido que quem fez isso estaria ainda em Paraisópolis, com todo esse cerco”, declarou.

Outra pessoa que mora no bairro, também sob anonimato, relatou ordens que teriam sido dadas por policiais para fechamento de comércio –são mais de 10 mil pontos comerciais, segundo a associação local –e ameaças de multas a veículos.

“Há uma turbulência na comunidade, sim, e existe um preconceito contra quem vive nela. O que estamos vendo é a coisa se acirrar ainda mais, e não é assim que a PM vai ter apoio das pessoas para poder trabalhar”, relatou. “A polícia, mais que ninguém, sabe separar o joio do trigo. Só precisa fazer isso, de fato.”

Correntes no Whatsapp

Também morador da comunidade e presidente de uma das associações de bairro locais, Gílson Araújo minimizou as queixas levadas à Ouvidoria. Segundo ele, “as 14 escolas e todo o comércio operam normalmente”.

“A comunidade funciona normalmente; sempre houve polícia por aqui, só que, agora, essa operação tem muita visibilidade por conta do que aconteceu com a soldado”, avaliou.

Araújo relacionou a “correntes no WhatsApp” informações sobre suposto toque de recolher. “Paraisópolis é muito grande, muito viva, e nela circula gente a todo tempo. Acho quase impossível haver toque de recolher, porque a comunidade está organizada”, afirmou. “Se Paraisópolis para, o Morumbi para –porque as empregadas domésticas, as babás e os porteiros de lá são gente nossa”.

Indagado se acha provável uma presença maciça da PM na área caso o crime envolvesse apenas civis –e não uma policial como a vítima --, o chefe da associação de moradores respondeu: “Não sei. Se o Estado faz mais do que deveria dependendo do caso, deveria fazer em todas as situações. Mas não prego a divisão. Paraisópolis está super tranquila”, concluiu.

Crime organizado pode induzir moradores a se queixar, diz Corregedor da PM

O corregedor-geral da PM, coronel Marcelino Fernandes, afirmou que “não teria por que a polícia abusar de moradores, se até as pessoas presas até agora [dois suspeitos, ao todo] tiveram seus direitos garantidos”.

“Todas as denúncias serão apuradas, mas é preciso tomar muito cuidado porque as organizações criminosas que porventura existam na comunidade podem estar falando para os moradores dizerem isso para as forças policiais saírem de lá”, argumentou.

Segundo Fernandes, a PM “aborda obedecendo procedimentos-padrões”. “Mas se alguém tem algo a denunciar e filmou isso, por exemplo, o policial será responsabilizado. A PM, como qualquer outro tipo de instituição, tem que ser resiliente em agir dentro da lei e das normas padrões”, classificou.