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Juíza rejeita denúncia contra PMs que mataram menino: "seria virar as costas a homens valorosos"

Polícia reconstitui crime que matou o garoto Ítalo, de 10 anos, após perseguição policial - Joel Silva - jul.2016/Folhapress
Polícia reconstitui crime que matou o garoto Ítalo, de 10 anos, após perseguição policial Imagem: Joel Silva - jul.2016/Folhapress

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

05/09/2018 15h16Atualizada em 05/09/2018 15h20

A Justiça de São Paulo rejeitou nesta quarta-feira (5) a denúncia do MP (Ministério Público) contra cinco policiais militares que se envolveram em uma ocorrência, em junho de 2016, que terminou na morte de uma criança de 10 anos, que havia furtado um carro no Morumbi, zona sul de São Paulo. A Promotoria pode recorrer.

A rejeição foi proferida pela juíza Debora Faitarone, do 1º Tribunal do Júri de São Paulo. Em sua sustentação, ela afirma que a PM (Polícia Militar) é composta por "homens valorosos, como os policiais aqui denunciados". E que o acolhimento da denúncia seria "virar as costas" a eles.

O menino Ítalo Ferreira de Jesus Siqueira e um amigo, de 11 anos, furtaram um Daihatsu preto e, segundo a secretaria da Segurança Pública, fugiram. Durante a perseguição, o menino perdeu o controle da direção, batendo em um ônibus e em um caminhão.

A PM informou, à época, que quando os policiais se aproximaram do carro, foram recebidos a tiros. Ítalo foi atingido por um tiro na cabeça e morreu no local. O amigo dele, depois de duas horas acompanhado de policiais, foi levado à delegacia.

Na acusação, o promotor Fernando Cesar Bolque, do 1º Tribunal do Júri, afirmou que nenhuma das crianças atirou e que houve mudança na cena do crime para incriminá-las. "Lamentável esse tipo de ocorrência, em face ao despreparo da Polícia Militar que consistiu essa atribulada ocorrência", afirmou.

A juíza Faitarone, no entanto, reagiu à acusação do promotor. "O recebimento da denúncia, além de uma grande injustiça, seria uma negação do estado aos direitos humanos dos policiais, os quais, mataram sim, mas em combate, em situação de legítima defesa própria, de terceiros e também no estrito cumprimento do dever legal", disse.

Ainda segundo a juíza, "não é comum, por parte das entidades de direitos humanos, a preservação desses direitos, quando quem os têm violados são policiais. Representantes de tais organizações acompanham todos os processos de crimes dolosos contra a vida quando os réus são policiais militares, mas não o fazem quando eles são vítimas".

Triste realidade é a nossa, na qual, algumas autoridades, entendem que policiais, em confronto, não estão autorizado a atirar, nem em revide, pois se o fazem e atingem fatalmente um criminoso, são denunciados por isso."

Debora Faitarone, juíza titular do 1º Tribunal do Júri de SP

Os PMs Otávio de Marqui e Israel Renan Ribeiro da Silva haviam sido acusados pelo MP, em 29 de agosto, por homicídio e por fraude processual. Já os policiais Daniel Guedes Rodrigues, Linconl Alves e o soldado identificado apenas como Adriano foram acusados por fraude processual, sob suspeita de terem colaborado para alterar a cena do crime.

"O laudo de reprodução constata que, pela altura da criança e pela altura do veículo, que se tratava de um veículo de grande porte, em que aberta a janela, a única possibilidade seria de ele [Ítalo] efetuar disparos para o alto. No local do crime, contata-se que aconteceu apenas um disparo e que foi de fora para dentro. Ou seja, não houve disparo de arma de fogo de dentro para fora", havia afirmado o promotor.

Menino Ítalo após ser baleado por policiais militares em SP - Reprodução - Reprodução
Menino Ítalo após ser baleado por policiais militares em SP
Imagem: Reprodução

"Percebe-se que a interpretação do Ministério Público aos fatos está totalmente divorciada da realidade e isolada nos autos, pois a Polícia Civil, a Corregedoria da Polícia Militar e os peritos concluíram que a ação dos policiais foi legítima", contrariou a juíza.

Segundo a PM, nenhum dos policiais está preso. O advogado dos policiais, Marcos Manteiga, afirmou que a denúncia era "vazia" e que seus clientes são inocentes. "O promotor que ofereceu a denúncia não é o que acompanhou as investigações no DHPP nem o que acompanhou a reprodução simulada, a promotora que acompanhou me confidenciou que ela arquivaria o feito", disse.

"Acertou a cabeça do garoto porque, se fosse um adulto, teria acertado o ombro, pelo tórax ser maior e foi uma surpresa enorme ter uma criança ali de 10 anos no volante do veículo", afirmou o advogado. "E não houve fraude processual porque o garoto foi socorrido e o SAMU teve que mexer no local, não teve jeito", complementou.

Para o advogado Ariel de Castro Alves, coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), a decisão "é lamentável e acaba legitimando e estimulando a violência policial".

Segundo ele, "o processo criminal na vara do Júri seria fundamental para que todas as provas fossem analisadas, assim como as teses defensivas e acusatórias poderiam ser verificadas e discutidas".

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública informou que a Corregedoria da PM relatou o caso à Justiça Militar sem indiciar os policiais envolvidos, assim como fez o DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa).

"O inquérito foi entregue novamente ao Fórum em julho de 2018, sem indiciamento dos policiais, não retornando até o momento. Ambos os inquéritos foram acompanhados por membros do Ministério Público. Os PMs voltaram ao policiamento operacional. É importante esclarecer que cabe à Justiça aceitar ou não a denúncia do MP", explicou a secretaria.

O secretário da Segurança Pública, Mágino Alves Barbosa Filho, sempre afirmou que a ação dos policiais foi em legítima defesa. "Não me apresentaram qualquer evidência que a ocorrência não tenha sido absolutamente legítima por parte da polícia", declarou à época.

"Esse menino não levou tiro na rua, levou tiro na troca de tiros. Ninguém tem dúvida que ele estava dirigindo o carro. Criança manusear uma arma impropriamente, a gente está cansado de ver casos e casos", completou Barbosa Filho em entrevista à Folha.