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Policial mata motorista em São Paulo e diz que disparo na cabeça foi acidental

Motorista de Uber Caio Rodrigo Medina Vaz Amancio, morto por PM na zona sul de SP - Arquivo pessoal
Motorista de Uber Caio Rodrigo Medina Vaz Amancio, morto por PM na zona sul de SP Imagem: Arquivo pessoal

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

02/11/2018 11h00Atualizada em 02/11/2018 16h34

Um motorista de aplicativos morreu ao ser baleado na cabeça por um policial militar nesta quinta-feira (1º) em um bairro da periferia da zona sul de São Paulo. O policial afirmou que o disparo foi acidental, pagou fiança e foi liberado pela Polícia Civil. A Corregedoria investiga o caso.

Caio Rodrigo Medina Vaz Amancio, 24, morava no bairro do Capão Redondo com a mulher, a atendente de caixa Raissa da Silva Claudio, 22. Na tarde desta quinta, ele foi com um vizinho, dirigindo um Honda Fit cinza, ano 2009, até o Jardim São Luís, na mesma região, buscar seu carro. O veículo estava na funilaria depois de ele ter sido batido.

Um vizinho de Amancio, que estava no banco de passageiro, afirmou a familiares da vítima que um carro da PM se aproximou para abordá-los por volta das 16h20.

Assim que os policiais emparelharam o carro, o cabo Carlos Antonio Ribeiro de Souza, 34, da 1ª Companhia do 1º Batalhão, teria dito "vai" e atirado na cabeça do motorista, que morreu na hora. 

O policial teria admitido o erro à Polícia Civil. Segundo boletim de ocorrência registrado pelo delegado Beneal Fermino de Brito, do 92º DP (Distrito Policial), no Parque Santo Antônio, zona sul, o cabo Ribeiro de Souza afirmou que o disparo foi acidental. O policial militar foi detido em flagrante, mas pagou fiança de R$ 1.000 e foi liberado.

Motorista de Uber Caio Rodrigo Medina Vaz Amancio, morto por PM na zona sul de SP - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Motorista estava a caminho do funileiro para buscar seu carro e voltar a trabalhar
Imagem: Arquivo pessoal

"Logo que houve o emparelhamento, o encarregado da guarnição, de arma em punho, acabou efetuando disparo acidental que culminou com alvejamento na cabeça do motorista do outro veículo", escreveu o delegado no registro da ocorrência.

A corporação informou que a Corregedoria segue apurando o caso. O policial deve ser afastado. Como ele admitiu que atirou de forma acidental, e sem que houvesse nenhum indício de que os vizinhos que estavam no Honda Fit tivessem algum envolvimento em crimes, o caso foi registrado como homicídio culposo, quando não há intenção de matar.

Amancio morava com a mulher, Raissa, há um ano. Eles não tinham filhos. Ela afirmou ao UOL querer justiça. "Da mesma forma que ele fez com o Caio, ele pode fazer com qualquer outra pessoa. Ele acha que é a lei, pode fazer e acontecer. Paga uma fiança, passa no psicólogo e volta à rotina normal depois de um mês. Que ele pague pelo que ele fez. Se fosse o Caio que tivesse feito isso com ele, o Caio já estaria pagando".

A atendente de caixa disse que, numa primeira versão, os PMs disseram ter confundido o celular do motorista com uma arma. "O Caio pegou o celular para atender o funileiro. Mas não teve nem tempo de nada. O policial falou: 'vai'. No que ele [Caio] olhou, o policial atirou. Tiraram a vida de um trabalhador", afirmou.

Raissa informou que Amancio era motorista de aplicativos como o Uber, conforme informou este texto anteriormente. No entanto, a empresa informou ao UOL que o motorista não dirige mais pela plataforma Uber "há muito tempo". 

PM bateu recorde de mortes em 2017 em SP

O ano passado fechou com o maior número de pessoas mortas por policiais desde 1996, quando os números passaram a ser contabilizados. Foram 939 mortos. Em contraposição, 2017 foi o ano em que menos policiais, em serviço e folga, morreram no estado desde 2001.

Neste ano, o índice de letalidade policial tem caído. De janeiro a setembro de 2018, foram mortas pelas polícias Civil e Militar 625 pessoas. No mesmo período do ano passado, haviam sido 688. Ou seja, neste ano, a letalidade é 9% menor. Os dados são da SSP (Secretaria da Segurança Pública).

A violência policial não entrou em debate entre os candidatos ao governo do estado este ano. Nenhum dos três primeiros colocados nas pesquisas, no primeiro turno, apontou a letalidade policial como problemática. O governador eleito, João Doria (PSDB), desconsiderou o assunto durante a campanha.

Doria: "melhores advogados" a policiais que matarem

Para o governador eleito, se a polícia for recebida a tiros, deve responder e "atirar para matar". A determinação, no entanto, contraria as normas da corporação, que aponta que os policiais devem atirar apenas em última circunstância e que devem prender suspeitos ou atirar em áreas não vitais para proteger sua própria vida e a vida de terceiros.

Depois de ter afirmado que o policial em seu governo deve "atirar para matar", Doria afirmou que, entre a mãe do bandido e a mãe de um cidadão de bem, prefere estar ao lado da mãe do cidadão de bem. Logo depois de ter sua vitória na eleição anunciada, o governador eleito afirmou que vai pagar os "melhores advogados" a policiais que matarem e forem a julgamento.

"Vamos acrescentar assistência jurídica. Me constrange saber que um policial militar, independentemente da sua graduação, está defendendo a população na rua, mata um bandido, tem uma situação qualquer que ele se defendeu e defendeu a população, e ele, depois, num processo, ainda tem que pagar o advogado para lhe defender", disse.

O discurso gerou críticas de membros de defesa dos Direitos Humanos. O advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo) afirmou que o discurso foi "irresponsável".

"Estimula os abusos e excesso praticados por policiais, além de ser incompatível com o cargo que irá ocupar. Pode muito bem ser interpretado como uma espécie de licença para matar, subsidiada pelo Estado", disse o advogado.